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Venezuela: miopia estratégica ou cegueira deliberada?

País com o nosso peso econômico não pode se contentar com política exterior reativa e conformista.
Foto Celso Amorim, assessor especial do presidente Lula e o ditador venezuelano, Nicolas Maduro, durante encontro em Caracas

Marcos Degaut
Cientista político, é doutor em segurança internacional
e pesquisador sênior na University of Central Florida (EUA);
ex-secretário de Produtos de Defesa do Ministério da Defesa (governo Bolsonaro)
Portal Folha de São Paulo
12 Agosto 2024

As declarações do presidente Lula e de seu chanceler de fato, Celso  Amorim, emprestando ares de pretensa normalidade ao arremedo de processo eleitoral na Venezuela, representam a gota d’água no desmantelamento institucional a que a política externa brasileira vem sendo submetida.

Em cenário de hipotética estratégia de ação externa que atendesse aos interesses pátrios, poderia ser essa oportunidade para demonstrar assertividade e algum verniz de liderança regional, ao passar a mensagem de que não se compactua com aventuras ditatoriais. Seria um daqueles momentos transformacionais em que o agente estatal constrói seu legado, mostrando integridade política e a grandeza da nação que representa. Não é o caso. A postura da dupla Lula-Amorim de dar tempo ao parceiro Maduro para a “entrega das atas eleitorais” significa tornar o Brasil cúmplice da perpetuação de uma ditadura sanguinária e corrupta.

Ao contrário de EUA, Argentina, Uruguai, Costa Rica, Peru, Equador e Panamá, que reconheceram a vitória de Edmundo González, Lula-Amorim ganham tempo se equilibrando no que um país sem bússola moral considera difícil cálculo político: não reconhecer a falcatrua madurista e contrariar sua base política, que subscreveu integralmente a fraude, junto com o “eixo do retrocesso progressista” formado por México, Bolívia e Colômbia, ou manter o rumo farsesco atual e isolar mais o Brasil na região, prejudicando as relações com o que resta do governo Biden (sem falar em possível novo governo Trump), e queimar o filme de “líder democrático” de Lula junto à claque europeia formada por Macron, Scholz e Starmer.

Embora tenha historicamente servido como vetor de nosso desenvolvimento, a política externa de Lula opera de forma errática, “progredindo” em sua marcha da insensatez rumo ao isolamento e descrédito internacional, com a substituição das tradições de nossa diplomacia por considerações ideológicas e preferências pessoais.

Essa posição se amolda às diretrizes do Foro de São Paulo, que julga indispensável a manutenção do regime bolivariano da Venezuela no projeto da “Pátria Grande” socialista. Conquanto se preveja substituição transitória por conservadores em função de ciclos eleitorais em países da região, o socialismo em Venezuela e Cuba é pilar dessa estratégia. Nesse contexto, o Brasil dispensa estratégia autônomas: trata-se do concurso da principal potência latina à manutenção da estratégia do foro, ainda que ao custo da supressão da vontade soberana dos venezuelanos e da destruição do patrimônio diplomático e da legitimidade do Brasil como mediador de boa-fé em situações conflituosas.

Nesse sentido, submergir e aguardar acontecimentos não representa manifestação de prudência diplomática, afigurando-se miopia estratégica ou cegueira deliberada. Política externa não se faz no vácuo. Um país com o nosso peso econômico não pode se contentar com uma política exterior reativa e conformista, a reboque dos acontecimentos, que pouco influencia as relações internacionais.

O caso venezuelano espelha a carência de reflexão, autocrítica e planejamento acerca do tema, marcado por muita retórica ideológica e poucos resultados. De fato, sob Amorim, não se parece haver promovido formulação de agenda internacional consistente que identifique claramente nossos objetivos comerciais, conômicos e políticos. E por carecer dessa identificação e dos meios de traduzi-la em ação efetiva, a política exterior se retraiu e perdeu capacidade de influência, resumindo-se a ações pontuais limitadas.

O reerguimento e a valorização da política exterior são fundamentais para formular agenda pró-ativa e assegurar a defesa do interesse nacional. Que a desconstrução a que foi submetido o Ministério das Relações Exteriores se converta em oportunidade para resgatar a identidade e o orgulho dessa instituição. Não vejo isso acontecendo sob a batuta de Lula-Amorim.

Nesse diapasão, o Brasil fracassará em sua busca por um lugar junto às grandes potências e suas ações permanecerão no terreno da retórica e do ultrapassado terceiro-mundismo.

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