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A influência do Irã dentro Governo Venezuelano: Uma análise das operações de inteligência e decisões de Estado

As atividades militares e de inteligência da Venezuela e Irã influência do Irã dentro Governo Venezuelano: Uma análise das operações de inteligência e decisões de Estado

Felipe Gonzales Saraiva da Rocha
Graduado em Relações Internacionais,
especialista em subversão, defesa e segurança

A crescente influência do Irã na Venezuela, especialmente através de suas operações de inteligência, representa um capítulo significativo na geopolítica contemporânea da América Latina. Esta análise detalha a extensão e o impacto dessa influência, abordando desde as raízes históricas da aliança até as complexas operações de inteligência que moldam as decisões de Estado venezuelanas. Utilizando a experiência das Relações Internacionais de mais de duas décadas do portal DefesaNet, este texto visa fornecer uma compreensão profunda e detalhada deste fenômeno.

A relação entre o Irã e a Venezuela começou a se intensificar no início dos anos 2000, impulsionada por uma série de fatores geopolíticos e ideológicos. Hugo Chávez e Mahmoud Ahmadinejad compartilharam uma visão anti-imperialista e uma oposição aberta aos Estados Unidos, que se traduziu em uma parceria estratégica multifacetada.

Visitas fraternais de Chavez a Maduro com todas as administrações iranianas nos últimos 20 anos.

A visita de Hugo Chávez à Teerã em 2001 marcou o início de uma série de acordos bilaterais. Até 2013, mais de 270 acordos foram assinados, abrangendo setores como energia, agricultura, habitação e infraestrutura. Em particular, a cooperação no setor energético foi significativa, com a PDVSA e a NIOC (National Iranian Oil Company) estabelecendo projetos conjuntos para explorar e desenvolver campos de petróleo e gás.

A cooperação econômica entre Irã e Venezuela não se limitou ao setor energético. Entre 2005 e 2010, foram estabelecidas empresas mistas nos setores automotivo e de construção. A fábrica Venirauto, uma joint venture entre a Irã Khodro e a Venezuela, produziu veículos para o mercado local, simbolizando a sinergia econômica entre os dois países. Em 2009, foi criado um sistema bancário internacional entre ambas as nações, como uma forma de quebrar as sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos, a instituição financeira binacional possuía como fachada a história de cobertura de facilitar o comércio e o investimento entre os dois países.

Além das alianças econômicas, a cooperação militar entre Irã e Venezuela se intensificou. A presença de assessores militares iranianos e a realização de exercícios conjuntos refletiram um aprofundamento da parceria estratégica. Em 2012, a Venezuela comprou drones do Irã, especificamente o modelo Mohajer-2, que foram posteriormente utilizados para patrulhas de fronteira e operações de vigilância e aquisição de alvos. Além disso, o modelo Mohajer-6, mais avançado, também foi incorporado ao arsenal venezuelano, conforme relatado por autoridades e fontes de inteligência​ reportadas ao DefesaNet.

A presença dos agentes de inteligência iranianos na Venezuela é abrangente, abraçando desde treinamento militar até operações sofisticadas de ações diretas e espionagem. A Força Quds, uma unidade de elite da Guarda Revolucionária Islâmica (IRGC), desempenha um papel central na exportação da ideologia e estratégias iranianas. Na Venezuela, os operativos da Força Quds estão envolvidos em treinamento militar, operações de inteligência e, segundo algumas fontes seguras do DefesaNet, até em atividades clandestinas, como sequestros, interrogatórios e assassinatos.

Os agentes da IRGC têm sido fundamentais no treinamento das forças de segurança venezuelanas, incluindo a Guarda Nacional Bolivariana (GNB) e o Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (SEBIN). Este treinamento é extenso, incluindo táticas de combate urbano, operações de contra-insurgência e técnicas avançadas de entrevista e inteligência. Em 2009, um grupo de especialistas iranianos estavam envolvidos no treinamento de forças de segurança venezuelanas em técnicas de inteligência e contrainteligência. Documentos obtidos por fontes seguras deste autor em 2017 revelaram a participação de oficiais da IRGC em programas de treinamento intensivo para a Guardia Nacional Bolivariana (GNB), com foco em controle de distúrbios e táticas de repressão.

As operações de espionagem lideradas por agentes iranianos na Venezuela são vastas e complexas. Segundo o Washington Institute for Near East Policy, o Irã ajudou a estabelecer uma rede de vigilância eletrônica que monitora opositores políticos, ativistas e jornalistas. Esta rede utiliza tecnologia avançada fornecida pelo Irã, permitindo interceptações de comunicações e rastreamento de atividades dissidentes. Em 2018, um relatório do Citizen Lab detalhou como o governo venezuelano, com assistência iraniana, implementou um sistema de monitoramento de redes sociais e comunicações eletrônicas. Este sistema, conhecido como “Sistema Patria“, permite o rastreamento em tempo real de comunicações de cidadãos considerados uma ameaça ao regime. Em 2020, foi reportado por meio de fontes do DefesaNet inseridas na Venezuela que agentes iranianos estavam envolvidos na configuração de um sistema de vigilância cibernética que utilizava softwares avançados para infiltrar e monitorar redes de comunicação internas.

Ministro da defesa de Israel Gantz mostra a influência do Irã e o fornecimento e produção conjunta de drones Mohajer na Venezuela, em Fevereiro de 2022. Há acusações de que a Venezuela serve para obter peças e sistemas para os drones produzidos pelo Irã e furar os embargos.

A influência iraniana permeia diversas esferas das decisões de Estado na Venezuela, moldando a política externa, a segurança interna e a economia. A aliança estratégica com o Irã tem moldado significativamente a política externa. O país tem consistentemente apoiado as posições iranianas em fóruns internacionais e recebido suporte diplomático em questões relacionadas a sanções econômicas. Em 2019, a Venezuela apoiou abertamente o Irã na crise em torno do programa nuclear, desafiando a pressão internacional liderada pelos Estados Unidos.

Em 2016, a Venezuela votou contra uma resolução da ONU que criticava o programa nuclear iraniano, alinhando-se com a postura de Teerã. Em 2020, o ministro das Relações Exteriores da Venezuela, Jorge Arreaza, declarou publicamente o apoio do país ao Irã em face das sanções impostas pelos Estados Unidos, destacando a importância da aliança entre as duas nações para resistir à pressão internacional.

A presença iraniana tem reforçado os mecanismos de repressão do governo venezuelano. A assistência técnica e operacional fornecida pela IRGC fortaleceu a capacidade do regime de Nicolás Maduro para monitorar, controlar e reprimir a oposição interna. Segundo a Human Rights Watch, a colaboração em vigilância eletrônica e técnicas de interrogação tem resultado em prisões arbitrárias e na supressão violenta de protestos. Em 2019, a Human Rights Watch relatou que as técnicas de vigilância e repressão utilizadas pelo governo venezuelano foram significativamente aprimoradas com a ajuda de assessores iranianos. Um relatório da Amnesty International de 2020 documentou casos de tortura e tratamento desumano de presos políticos na Venezuela, muitas vezes utilizando métodos ensinados por especialistas iranianos.

Economicamente, o Irã tem sido um parceiro vital na tentativa da Venezuela de contornar sanções internacionais. A troca de petróleo por produtos refinados, como gasolina, tem sido crucial para manter a infraestrutura energética do país. Além disso, empresas iranianas estão envolvidas em projetos de infraestrutura, incluindo a construção de fábricas e modernização de refinarias de petróleo, proporcionando um alívio temporário ao colapso econômico venezuelano.

Em 2020, foi noticiado em diversas fontes abertas de notícias que o Irã enviou cinco navios-tanque carregados de gasolina para a Venezuela, ajudando a aliviar uma crise de combustível exacerbada pelas sanções dos EUA. Os navios, identificados como Fortune, Forest, Faxon, Clavel e Petunia, desempenharam um papel crucial no fornecimento de combustível ao país latino-americano. Esse apoio foi fundamental em um momento de escassez severa.

Em 2021, o Financial Times relatou que a Venezuela estava trocando ouro por gasolina com o Irã, um acordo que permitiu a ambos os países contornar as sanções e manter suas economias em funcionamento. Este esquema de troca não apenas facilitou o acesso ao combustível necessário para a Venezuela, mas também ajudou o Irã a garantir uma fonte alternativa de recursos financeiros.

A colaboração entre o Irã e a Venezuela tem gerado uma série de casos notáveis que ilustram a profundidade e complexidade dessa aliança. Em 2009, a PDVSA e a NIOC anunciaram um acordo para a construção de uma refinaria conjunta na Síria, um projeto que, apesar de desafios econômicos e políticos, exemplifica a tentativa de ambos os países de expandir sua influência na região. Em 2011, a PDVSA anunciou planos para a construção de uma refinaria de petróleo em Jask, no Irã, como parte de um acordo bilateral para fortalecer a capacidade de refino dos dois países.

Este projeto, avaliado em bilhões de dólares, tinha como objetivo processar petróleo bruto venezuelano em produtos refinados necessários para o mercado interno. A construção de fábricas e instalações industriais na Venezuela, como a fábrica de tratores Veniran, uma joint venture entre a Veneminsk e a Irankhodro, destacou a colaboração industrial entre os dois países.

As missões diplomáticas entre os dois países frequentemente servem como cobertura para operações de inteligência. Em 2020, um avião venezuelano carregando ouro foi enviado ao Irã em troca de gasolina, um movimento que chamou a atenção de agências de inteligência ocidentais. Este tipo de operação logística é frequentemente utilizado para facilitar o transporte de agentes e equipamentos de inteligência. Em 2019, uma investigação da Al Jazeera revelou que aviões da Mahan Air, uma companhia aérea iraniana sancionada, estavam realizando voos frequentes para a Venezuela, transportando não apenas mercadorias, mas possivelmente agentes e equipamentos de inteligência. Em 2020, a Associated Press noticiou que um carregamento de 9 toneladas de ouro venezuelano, no valor de aproximadamente 500 milhões de dólares, foi enviado ao Irã como parte de um acordo secreto para garantir o fornecimento de combustíveis refinados à Venezuela.

A colaboração entre o Irã e a Venezuela enfrenta vários desafios, tanto internos quanto externos, e gera consequências significativas no cenário geopolítico. A aliança Irã-Venezuela tem provocado reações significativas da comunidade internacional. Os Estados Unidos, em particular, têm adotado uma postura agressiva, impondo sanções adicionais e realizando operações de inteligência para monitorar as atividades iranianas na América Latina.

Em 2020, a administração Trump interceptou carregamentos de combustível iraniano destinados à Venezuela, intensificando a pressão sobre ambos os países. Em 2021, a administração Biden manteve a pressão sobre as relações Irã-Venezuela, implementando sanções adicionais contra empresas e indivíduos envolvidos no comércio bilateral. O Departamento do Tesouro dos EUA destacou a necessidade de interromper as redes de apoio mútuo que ajudavam ambos os regimes a contornar sanções. A União Europeia também expressou preocupações sobre a colaboração entre os dois países, impondo sanções contra entidades venezuelanas e iranianas que facilitavam operações de inteligência e repressão interna.

Dentro da Venezuela, a influência iraniana é vista com desconfiança por muitos setores da sociedade. A crescente dependência do governo Maduro em apoio estrangeiro para manter o controle interno tem exacerbado as tensões sociais e políticas. Além disso, a repressão contínua e as violações de direitos humanos associadas à colaboração com agentes de inteligência estrangeiros têm aumentado o descontentamento popular e a pressão internacional por mudanças democráticas. Relatórios da International Crisis Group em 2021 indicaram que a presença de agentes iranianos e as técnicas de repressão importadas estavam contribuindo para uma escalada na violência contra manifestantes e dissidentes.

A colaboração com a IRGC intensificou as práticas de detenção arbitrária e tortura, aumentando a instabilidade interna. A oposição política na Venezuela tem utilizado a crescente influência iraniana como um ponto de crítica ao governo Maduro, argumentando que a aliança estrangeira compromete a soberania nacional e agrava as condições econômicas e sociais.

A influência do Irã dentro da cúpula do governo venezuelano é um exemplo claro de como alianças estratégicas podem moldar a dinâmica interna de um país. A presença de agentes de inteligência iranianos e a cooperação militar e econômica entre os dois países têm um impacto profundo nas decisões de Estado venezuelanas, fortalecendo o regime de Maduro, mas também gerando uma série de desafios e consequências. A análise detalhada dessas operações e suas implicações fornece uma compreensão refinada da complexa rede de influências que define a política venezuelana contemporânea.

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