Foto – Drone FPV “kamikaze” ucraniano numa base de lançamento improvisada. Image credit: Reuters, Inna Varenytsia.
*“First person view” – Essencialmente, o operador do drone FPV vê o que o drone vê. Ou seja, a pilotagem dá-se pela perspectiva do drone, não a do piloto, através de uma câmera a bordo.
O filósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel dizia que “guerra é progresso, paz estagnação”. Ninguém é obrigado a concordar com ele, mas dois anos de guerra na Ucrânia alteraram de certa forma a natureza da guerra. Quanto a isso, não resta dúvida.
Frederico Aranha – Pesquisador Independente
Advertência – tradução livre
Desde o início da guerra na Ucrânia, inúmeras fontes abertas de inteligência passaram a registrar por conta própria as perdas de ambos os lados. É o primeiro conflito armado em alta escala registrado por câmeras de todo tipo, mormente as de celulares e as instaladas em drones. Muito desse material é postado imediatamente em rede, possibilitando a análise por quem tem acesso à internet.
Examinando alguns desses registros, como os compilados por Andrew Perpetua (1), verifica-se que uma considerável parcela de equipamento militar russo, sobretudo carros de combate e outros blindados, é destruído por drones FPV “kamikazes”. Os pequenos drones, armados com ogivas antiblindados ou antipessoal, têm sido cruciais em tempos de escassez de munição para os defensores ucranianos.
Nos últimos meses, a destruição de mais de dois terços dos carros de combate russos deu-se por ataques de drones FPV conforme fonte da NATO (2). Mais de dois terços! Não foi obra de mísseis Javelin, nem de minas anticarro, muito menos de fogo de artilharia, mas de pequenos drones montados com simples componentes chineses e de outras origens. Uma verdadeira vitória do novo sobre o velho.
Essa situação decorre parcialmente da carência de munição de artilharia e de lançadores de mísseis anticarro modernos das forças armadas ucranianas; os drones cobrem de alguma maneira este desprovimento. Contudo, não se pense que solucionada a escassez de munição de artilharia os drones deixarão de ser empregados maciçamente. Eles têm inúmeras vantagens sobre outros meios para destruir carros de combate e equipamento militar em geral.
Uma sequência de vídeos publicados no X(Twitter) e Telegram, que mostram ataques de drones FPV a blindados assim como outros alvos no campo de batalha.
Ataques a diversos alvos. Observar no último ataque que a tripulação tenta gerar fumaça, injetando óleo no escapamento, para atrapalhar o ataque do Drone FPV
No vídeo acima talvez o mais icônico ataque de um Drone FPV. O operador do drone como que mira nos olhos do inimigo, em um legítimo duelo do velho oeste.
Ataques a instalações de centros de comando e prováveis esconderijos de tropas são uma outra vantagem.
Que tipo de vantagem?
Adiante, algumas delas:
- Um drone FPV custa de US$ 300 a US$ 800, não mais do que isto; os mísseis anticarro Javelin, NLAW e Kornet podem custar US$ 70,000, US$ 33,000 e US$ 26,000, respectivamente; um simples obus de artilharia HE de 155mm (o qual, provavelmente, errará o alvo) parte de US$ 3,000 (mais o custo da carga propelente, que varia muito); e a munição 155mm inteligente “Excalibur” de longo alcance (guiada por GPS) – no mínimo US$ 60,000 a unidade.
- O pequeno drone FPV é mais manobrável do que um míssil anticarro. O Javelin é famigerado pela sua capacidade de atingir o topo do carro de combate, porém o drone FPV pode acertá-lo no topo, na traseira, na lateral, na dianteira – até invadir o interior do blindado por uma escotilha aberta. Uma pessoa real, o operador do drone, toma a decisão optando pela melhor das várias possibilidades de ataque que dispõe. Além disso, o drone pode ser enviado para destruir um carro de combate que não está visível diretamente ao observador em terra; é capaz de identifica-lo atrás de uma esquina, de um prédio, de um renque de árvores, ou até mesmo estacionado no interior de um arsenal (3).
- Os pequenos drones anticarro podem ser fabricados rapidamente; sua carga principal, ogiva do lança-rojão RPG-7, é muito eficiente e custa não muito. Excetuado a ogiva, todos os componentes são civís e disponíveis mesmo em ferragens e lojas de hobies. A Ucrânia não tem condições de produzir um míssil Javelin, mas os drones FPV são fabricados/montados em garagens, porões e até mesmo nas trincheiras (4).
- Os drones são pequenos, de modo que vários deles e o equipamento de controle podem ser acondicionados numa mochila.
- O operador do drone (5) permanece oculto, sem revelar sua posição. Ocasionalmente, dispositivos de guerra eletrônica são capazes de localiza-lo, mas é mais fácil localizar posições de lançadores de foguetes ou de obuseiros graças às ferramentas de contrabateria desenvolvidas há décadas.
E esta lista não está completa. Por exemplo, o aproveitamento da Inteligência Artificial – já em adiantada fase – não está relacionado; tornará o drone autônomo, substituindo eventualmente o operador pelo programador posicionado muito longe do campo de batalha.
De qualquer sorte, o drone FPV “kamikaze” parece ser atualmente a arma ideal para destruir carros de combate, apesar de séria deficiência – seu raio de ação não excede 12 km em dia claro. A artilharia tem um alcance maior e precisão nem sempre ajustada e os sofisticados drones de reconhecimento e ataque munidos de mísseis anticarro, capazes de voar grandes distâncias por longo tempo, são muito caros.
NOTAS (Acessos em 06/2024)
1.https://x.com/AndrewPerpetua
2.https://foreignpolicy.com/2024/04/09/drones-russia-tanks-ukraine-war-fpv-artillery/
3.https://x.com/Tendar/status/1759855578145268029
5.https://youtu.be/IO4_fzKiycA?si=7XUYbfmcfBF6kZbQ
FONTES DE CONSULTA (Acessos em 06/2024)
https://www.reuters.com/graphics/UKRAINE-CRISIS/DRONES/dwpkeyjwkpm/