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A dronização do campo de batalha sob a perspectiva da guerra moderna

Autor: 1º Ten Vinícius

No Brasil, os Veículos Aéreos Não Tripulados (VANT) são amplamente conhecidos como drones (do inglês, “zangão”) ou Aeronave Remotamente Pilotada (ARP). ARP é um veículo aéreo em que o operador não está a bordo (não tripulado), sendo controlado a distância, a partir de uma estação remota de pilotagem, para a execução de determinada atividade ou tarefa (COTER, 2023).

Outro termo comumente conhecido é SARP (Sistemas de Aeronaves Remotamente Pilotadas), definido como o conjunto de meios necessários ao cumprimento de determinada tarefa com emprego de ARPs, englobando, além da plataforma aérea, a carga paga (payload), a estação de controle de solo, o terminal de transmissão de dados, o terminal de enlace de dados, a infraestrutura de apoio e os recursos humanos (COTER, 2023).

De acordo com a ANAC (2017), as ARPs são divididas em três classes, de acordo com o peso máximo de decolagem, no qual devem ser considerados os pesos da bateria ou combustível do equipamento e de carga eventualmente transportada, quais sejam: Classe 1 – Peso máximo de decolagem maior que 150 kg, Classe 2 – Peso máximo de decolagem maior que 25 kg e até 150 kg, e Classe 3 – Aeromodelos ou ARP com peso máximo de decolagem de até 250 g. Todavia, no âmbito do Exército Brasileiro (EB), de acordo com a Portaria COTER/C Ex Nº 333, de 26 de setembro de 2023 (COTER, 2023), os SARP são classificados em cinco níveis de categoria e três níveis de emprego, conforme se observa na Figura 1.

Quanto ao número de hélices, os drones são classificados em asa fixa, rotor único ou multirotores (tricópteros, quadricópteros, hexacóptero e octocópteros). Ou seja, conforme as classificações acima, há uma gama de possibilidades de aplicação dual de drones.

No campo militar, o uso de drones representa um fenômeno complexo e multifacetado que está redefinindo a natureza da guerra moderna. No cenário internacional, pesquisadores e militares têm utilizado o termo dronização como referência à proliferação de drones ou guerra dos drones.

Nos últimos anos, testemunhamos uma revolução silenciosa e tecnológica nos conflitos do mundo oriental, a exemplo da Ucrânia, Rússia e Israel. O General Sun Tzu, em sua obra A Arte da Guerra, destaca a importância do conhecimento, da surpresa e da adaptabilidade no campo de batalha, ou seja, tais princípios são igualmente relevantes para o uso de tecnologias militares.

Os drones com câmaras acopladas em sua estrutura têm se revelado úteis no contexto da guerra psicológica e informativa travada em paralelo com o combate. A ameaça constante dos drones desestabiliza profundamente o moral das tropas, criando um clima de terror. Do lado informativo, as imagens captadas permitem uma comunicação descentralizada e amplamente difundida nas redes sociais. Por meio das imagens captadas, os governos ucraniano e russo desenvolveram amplas campanhas de desinformação (JANCOWSKI, 2023).

A Ucrânia, imersa em um conflito prolongado com separatistas pró-Rússia no leste do país, tem utilizado drones de forma significativa em suas operações militares. Um dos equipamentos notáveis é o modelo Bayraktar TB2, fabricado pela empresa turca Baykar, com o custo de US$ 5 milhões. Com uma carga útil de 150 kg, opera continuamente por 27 horas, a uma velocidade média de 200 km/h e altitude de 7.600 metros (BAYKAR, 2024).

O uso da tecnologia dual tem sido evidenciado na Ucrânia. Os drones civis octocópteros (oito motores), devido ao seu baixo custo, propiciou o aumento significativo das capacidades das Forças Armadas (FA) ucranianas. Com o uso de impressoras 3D, os programadores ucranianos desenvolveram métodos para contornar os mecanismos russos de rastreamento com sinais de rádio. O drone Punisher, de asa fixa, com uma velocidade média de 72 km/h, pode ser operado a uma distância de 48 km do seu ponto de controle, e a uma altitude de 400 metros. Caracteriza-se por ser silencioso e indetectável por radares. Equipado com câmeras, ao se posicionar sobre o alvo, lança sua única bomba de seis quilos, com uma precisão de 3,5 metros. Se comparado com os preços de outras ARPs, o custo é relativamente baixo, cerca de US$ 196 mil (RODRIGUES, 2022).

A Rússia também tem investido massivamente em tecnologias de drones. O modelo Forpost-R, desenvolvido pela Ural Civil Aviation Plant (UZGA), tem autonomia de voo de 18 horas, alcance de 400 km, peso máximo de decolagem de 500 kg e teto operacional de 6.000 metros. Em 13 de março de 2022, as FA russas utilizaram o Forpost-R com mísseis guiados, com a finalidade de destruir um sistema de lançamento múltiplo de foguetes do exército ucraniano a uma altitude de 3.000 metros (ARMY RECOGNITION, 2022).

Enquanto isso, em Israel, o desenvolvimento e o uso de drones têm sido parte integrante da estratégia de defesa do país, com destaque para o drone Hermes 900. Com uma autonomia de mais de 30 horas, pode voar a 9.100 metros de altitude, com capacidade de carga útil de 300 kg. No Brasil, em dezembro de 2021, a Força Aérea Brasileira (FAB) oficializou com a AEL Sistemas a encomenda de dois drones Hermes 900.

No ano de 2022, O EB recebeu a ARP modelo Nauru 1000C, adquirida da XMobots, uma Empresa Estratégica de Defesa, sediada no município de São Carlos (SP). O drone tem o peso máximo de decolagem de 150 kg, velocidade de 110 km/h e autonomia de 10 horas, com capacidade para operações diurnas e noturnas. O drone é octocóptero e utiliza baterias independentes, permitindo a realização de decolagens e aterrissagens em ambientes críticos e confinados. Em março de 2024, o 1° Batalhão de Aviação do Exército (1° BavEx), em parceria com o Centro de Avaliações do Exército (CAEx), deu início à avaliação operacional do NAURU 1000C.

A tendência é que o Nauru 1000C seja empregado nas diversas regiões do País, todavia cabe destacar que a região Amazônica possui um ambiente operacional caracterizado por densas florestas e condições climáticas adversas, como chuvas repentinas, intensas e de alta intensidade, além de uma vasta extensão geográfica. Tais fatores exigirão a realização de uma série de testes, a fim de que sua capacidade de voo, coleta e transmissão de dados sejam realizados de forma consistente.

Ainda, no ano de 2022, o Comando da Aviação do Exército recebeu 34 unidades de ARPs, sendo 30 do modelo DJI Mavic 2 e quatro do modelo Matrice 300 RT, com capacidade para detectar alvos com baixa luminosidade, câmeras com capacidade de zoom de 32 a 200 vezes, autonomia de 30 a 50 minutos de voo, e alcance de 10 a 15 quilômetros, respectivamente. (TECNODEFESA, 2022).

No mês de julho de 2023, a Comissão do Exército Brasileiro em Washington (CEBW) lançou um Request for Information (RFI) para a aquisição de Loitering Munition (munições vagantes), conhecidos como drones kamikazes. Esses modelos são autodestrutíveis, pois são empregados como munição. As ARPs deverão ter alcance de até 10 km (Categoria 1) e de até 40 km (Categoria 2). A compra inclui fornecimento de simuladores de controle e lançamento, cargas de explosivo, além da capacitação no Brasil, aos militares que operarão os equipamentos (MERGULHÃO; ASSAD, 2023). Os potenciais fornecedores mundiais e os respectivos modelos de Loitering Munition que podem ser adquiridos pelo EBsão: Skystriker, da Elbit Systems (Israel); Switchblade, da AeroVironment (EUA); CH-901, da Corporação de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (China), e Hero, da UVision (Israel) (MERGULHÃO; ASSAD, 2023a).

A despeito das vantagens observadas, a dronização tem levantado uma série de preocupações éticas e legais pelos organismos internacionais, pois a capacidade de realizar ataques precisos e cirúrgicos pode ser obscurecida pela possibilidade de causar danos colaterais à população civil. Além disso, o anonimato e a distância relativa dos operadores de drones podem reduzir a responsabilidade e aumentar o risco de abusos e violações dos direitos humanos.

Por fim, cabe destacar que o uso de drones tanto por civis quanto militares permite que atores não-estatais e grupos paramilitares possam adquirir capacidades de ataque e defesa, o que antes eram exclusivas das FA. Isso cria uma relativa assimetria de poder, pois grupos insurgentes, terroristas e milícias podem desafiar e ameaçar Estados-nação e as forças de defesa e segurança convencionais. Desse modo, em particular, os Pelotões Especiais de Fronteira, localizados à margem de países vizinhos, podem ser alvos de missões de reconhecimento e vigilância, sendo necessária a implantação de sistemas anti-drones, assim como em outros pontos sensíveis e áreas de interesse estratégico na Amazônia.

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Sobre o autor: 1º Ten QAO MARCUS VINÍCIUS GONÇALVES DA SILVA

O 1º Ten QAO VINÍCIUS, natural de Apucarana/PR, incorporou às fileiras do Exército no ano de 1991, no então, 30º BIMtz. Oriundo da Arma de Infantaria, formou-se na Escola de Sargentos das Armas, no ano de 1994. Em seus mais de 33 anos de serviço, serviu no CFR/7º BIS (Boa Vista/RR), 30º BIMec (Apucarana/PR) e 27º B Log (Curitiba/PR). Possui Graduação em Administração pela Universidade Estadual do Paraná (2003), Especialização em Gestão Pública pela Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná (2013), Mestrado em Planejamento e Governança Pública pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (2017) e Doutorado em Administração pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2021). Desde o ano de 2021, encontra-se no Comando Militar da Amazônia (Manaus/AM) e, atualmente exerce a função de Analista do Núcleo de Estudos Estratégicos da Seção de Planejamento Estratégico e Integração.

REFERÊNCIAS

ANAC. Classe de Drones, 2017. Disponível em: https://www.gov.br/anac/pt-br/assuntos/drones/classes-de-drones. Acesso em: 04 abr. 2024.

ARMY RECOGNITION. Russia uses Forpost-R armed drone with guided missile to destroy rocket launcher of Ukrainian army. Disponível em: https://armyrecognition.com/. Acesso em: 05 abr. 2024.

BAYKAR. Baykar TB2. Disponível em: https://baykartech.com/en/uav/bayraktar-tb2/. Acesso em: 06 abr. 2024.

COTER. Portaria COTER/C Ex Nº 333, de 26 de setembro de 2023. Aprova a Norma Operacional de Emprego dos Sistemas de Aeronaves Remotamente Pilotadas-SARP e das ARP não SMEM (EB70-N-13.001), 1ª edição, 2023 e dá outras providências.

JANKOWSKI, T. The Proliferation of Militarized Civilian Drones in Ukraine: a lesson from the war for western military staffs. Network for Strategy Analysis, 2023. Disponível em: https://ras-nsa.ca/the-proliferation-of-militarized-civilian-drones-in-ukraine-a-lesson-from-the-war-for-western-military-staffs/. Acesso em: 05 abr. 2024.

MERGULHÃO, A.; ASSAD. P. Exército brasileiro lança cotação internacional para compra de drones kamikazes. O GLOBO, Rio de Janeiro, 2023. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2023/07/19/exercito-brasileiro-lanca-cotacao-internacional-para-compra-de-drones-kamikazes.ghtml. Acesso em: 06 abr. 2024.

MERGULHÃO, A.; ASSAD. P. Conheça modelos de ‘drones kamikazes’ que podem ser comprados pelo Exército Brasileiro. O GLOBO, Rio de Janeiro, 2023a. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2023/07/20/drones-kamikaze-veja-modelos-que-podem-ser-comprados-pelo-exercito-brasileiro.ghtml. Acesso em: 06 abr. 2024.

RODRIGUES, H. Conheça o drone “tosco” da Ucrânia que virou o terror dos russos. Revista Forum, 2022. Disponível em: https://revistaforum.com.br/global/2022/3/11/conhea-drone-tosco-da-ucrnia-que-virou-terror-dos-russos-111390.html. Acesso em: 05 abr. 2024.

TECNODEFESA. Aviação do Exército recebe novos drones. Disponível em: https://tecnodefesa.com.br/aviacao-do-exercito-aumenta-a-capacidade-de-combate-e-defesa-com-novos-drones/. Acesso em: 06 abr. 2024.

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