Alemanha e Estados Unidos deram a aval à Ucrânia para empregar armamento fornecido por eles em território russo. Para especialistas, decisão é fundamental para a defesa ucraniana.
A Alemanha hesitou durante muito tempo sobre o aval para a Ucrânia usar as armas alemãs contra posições russas próximas à fronteira. Havia a preocupação de o Kremlin considerasse que, com a permissão, o país estaria entrando na guerra. Mas, depois que os EUA deram sinal verde para a Kiev empregar armamento americano contra esses alvos, o chanceler federal alemão, Olaf Scholz, deixou de lado a hesitação.
Garantir a paz hoje significa que “apoiamos a Ucrânia”, afirmou Scholz ao anunciar a decisão. O chanceler ressaltou ainda que seria correto que “decisões de tão grande alcance” fossem coordenadas com parceiros e aliados e que todos os riscos fossem ponderados.
As duas permissões, no entanto, foram dadas com a condição de que a Ucrânia só use as armas fornecidas pelos aliados em contra-ataques de defesa na região de Kharkiv.
Entre as armas alemãs fornecidas para a Ucrânia, as que poderiam ser empregadas para atingir alvos em território russo são: o sistema de defesa antimísseis Patriot, com um alcance de 68 quilômetros, e o lançador múltiplo de mísseis Mars II, com alcance de 80 quilômetros. Já os Estados Unidos forneceram a Kiev os mísseis ATACMS, com alcance de até 300 quilômetros.
Na avaliação de Frank Sauer, especialistas em política internacional do Instituto Metis da Universidade da Bundeswehr, em Munique, com a autorização, o Ocidente se adaptou às novas circunstâncias da guerra. Ele ressalta que, durante muito, foi observado como a Rússia, partindo de seu espaço aéreo e regiões de fronteira, atacava diariamente cidades ucranianas, especialmente Kharkiv, com consequências devastadoras para a população civil.
Melhor capacidade de defesa protege civis
“Agora é possível atingir aeroportos russos, de onde esses caças decolam e destruí-los ainda no solo, além de destruir a infraestrutura, como pistas de pouso, para que o número de bombardeios russos diminua e a população civil possa ser protegida”, avalia Sauer. O especialista acrescenta que pontos de encontro das forças terrestres russas podem ainda ser alcançados com o ATACMS e obuseiros.
De acordo com Sauer, se a pressão russa sobre a região de Kharkiv diminuir, a Ucrânia poderia defender melhor outras linhas de frente. “Até agora, havia o dilema terrível entre proteger o front ou os civis no interior.”
O cientista político e especialista em conflitos Andreas Heinemann-Gründer, do Instituto CASSIS da Universidade de Bonn, avalia que, com as mais recentes decisões, o Ocidente entendeu que a Ucrânia precisa ser colocada na posição de agir ativamente contra a Rússia, caso contrário, Kiev perderá a guerra.
Na avaliação de Heinemann-Gründer, os aliados ocidentais perceberam também que resta pouco tempo para isso, pois a Rússia tem investido em peso em sua indústria de defesa e no maquinário de guerra – algo que ainda não teria se refletido no campo de batalha. O especialista destaca que, além disso, é pouco provável que haja um apoio suficiente à Ucrânia num possível novo governo de Donald Trump. Ele pontua ainda que a nova composição do Parlamento Europeu, após as eleições europeias, também pode ter um impacto na política da União Europeia (UE) em relação à Rússia.
Outro aspecto mencionado por Heinemann-Gründer é a diminuição do medo do Ocidente de uma escalada nuclear por parte da Rússia. “Acredito que o Ocidente mandou sinais claros de que não tolerará um ataque nuclear na Ucrânia e agiria com força contra alvos russos. A Rússia sairia perdedora em um confronto direto com a Otan”, ressalta.
Grande vantagem, mas sem garantia de sucesso
Para os dois especialistas, embora o emprego de armas ocidentais contra alvos na Rússia alivie enormemente a Ucrânia, isso não pode garantir o sucesso do país na guerra. “A porta para o atalho que poderia ter mudado a situação drasticamente já se fechou”, acrescenta Sauer.
Pelo direito internacional, a Ucrânia sempre teve o direito de dever seu território do agressor e não apenas em seu próprio território, destaca Heinemann-Gründer. Sauer é da mesma opinião e reforça que o país estaria em seu direito de usar as armas ocidentais para isso, mesmo que houvesse vítimas entre os militares russos.
“É claro que não se pode atacar a infraestrutura civil e civis ou usar violência excessiva que seja desproporcional ao objetivo militar”, afirma Sauer, acrescentando que a Ucrânia não fez isso até agora e não há nenhuma indicação de que irá fazê-lo. “Pelo contrário, até agora, a Rússia lança bombas de 500 quilos contra lojas de material de construção, casas e teatros.”