A Ucrânia protagoniza desde a semana passada um avanço sem precedentes em território russo, dois anos e meio após o início da guerra. A ofensiva, que deixou mais de 10 mortos e provocou a fuga de dezenas de milhares de civis de Kursk, perto da fronteira entre os dois países, é o maior ataque contra a Rússia desde a Segunda Guerra Mundial.
(RFI) Para Thibault Fouillet, doutor em História e diretor científico do Instituto de Estudos de Estratégia e Defesa da Universidade Jean Moulin Lyon 3, a incursão da Ucrânia em território inimigo foi “uma verdadeira surpresa”, já que Kursk não era considerada até agora como “uma zona de perigo”. “O olhar operacional de Moscou estava virado para o Donbass [leste da Ucrânia]”, observa.
O especialista lembra que outros ataques ucranianos já haviam sido realizados nesta região russa nesses dois anos e meio de guerra, mas a novidade na estratégia ucraniana é que incursão atual é “massiva”. “Foi surpreendente, com mais intensidade do que o previsto”, reitera, lembrando que essa característica desafia a capacidade russa de barrar a progressão do ataque.
Sob anonimato, uma fonte do setor da segurança da Ucrânia afirma que “milhares” de soldados participam da operação, com o objetivo de “espalhar as posições do inimigo, infligir o máximo de perdas, desestabilizar a situação na Rússia e transferir a guerra para o território russo”.
Controle de 1.000 km2
Atualmente, 28 localidades da região de Kursk estão sob o controle da Ucrânia. A operação se estende a uma área de 40 quilômetros de largura, com 12 quilômetros de avanço no território russo. Kiev garante que controla 1.000 km2 nesta área fronteiriça.
O presidente russo, Vladimir Putin, prometeu nesta segunda-feira (12) “expulsar” as forças ucranianas de Kursk. Para o chefe do Kremlin, esse é um revés inesperado, já que as forças do país estavam em vantagem há meses na frente leste da Ucrânia, conquistando terreno pouco a pouco, mas sem avanços maiores.
“Esse atraso na resposta nos mostra que há evidentemente uma falta de meios. Há buracos na defesa russa, é óbvio”, avalia Fouillet. Para o especialista, Moscou deve ainda demorar alguns dias para mobilizar mais reforços de forma a conseguir barrar e circunscrever as forças ucranianas.
Pânico na população russa
Segundo as autoridades russas, desde o último 6 de agosto, 12 civis morreram e mais de 100 ficaram feridos na incursão ucraniana, entre eles, crianças. Cerca de 120 mil pessoas deixaram ou foram retiradas de Kursk em menos de uma semana, já que a insegurança na região suscita pânico na população.
“Estamos diante do desconhecido, nunca vimos isso”, observa Fouillet. “Vimos ataques contra refinarias, ataques de drones em Moscou, mas era realmente simbólico. Hoje há verdadeiramente uma região russa em estado de guerra, com uma situação de possibilidade aos ucranianos de avançar”, salienta.
O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, que perdeu cerca de 20% de seu território para a Rússia em dois anos e meio de conflito, não esconde seus objetivos. Segundo ele, o objetivo da ofensiva é “deslocar a guerra ao terreno do agressor”.
De acordo com o especialista da Universidade Jean Moulin Lyon 3, a questão agora é saber se essa nova ofensiva ucraniana será “permanente”. “Será que uma nova frente será aberta?”, questiona, salientando as dificuldades que essa situação pode suscitar para os dois lados.