Análise do Emprego do Poder Aeroespacial no Conflito Rússia x Ucrânia – 2022
Carlos Eduardo Valle Rosa
Coronel da Reserva da Força Aérea Brasileira. Analista de Emprego do Poder Aeroespacial. Doutor em Geografia, na área de Geopolítica, pela UFRN. Mestre em Ciências Aeroespaciais pela UNIFA. Bacharel e Licenciado História pela UFRN. É professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Ciências Aeroespaciais da UNIFA. Autor da obra “Poder Aéreo: guia de estudos” (2014). eduvalle80@hotmail.com
No dia 21 de março de 2022 o conflito entre a Rússia e a Ucrânia completou vinte e seis dias. As análises sobre a atuação das forças aéreas russa (VKS – Vozdushno-kosmicheskiye sily) e ucraniana (Povitryani Syly Ukrayiny – PSU) ainda estão cobertas de dúvidas e interpretações equivocadas, haja vista que o contexto da guerra de informação, conduzido tanto pela Rússia como pela Ucrânia, restringe o acesso e a qualificação de fontes, muitas vezes restritas à mídia eletrônica e às redes sociais (em especial o Twitter e o YouTube).
Esse artigo tem o propósito geral de estimular o pensamento em torno perspectiva operacional de emprego do poder aeroespacial, a fim de suscitar uma melhor compreensão em torno do conflito. Poder aeroespacial, alinhado com a finalidade indicada, deve ser entendido como a integração de todos os meios que utilizam a terceira dimensão como espaço de manobra em operações militares. Assim é que incluímos nessa conceituação as aeronaves (de asa fixa ou rotativa) tripuladas ou não, mísseis balísticos, de cruzeiro ou superfície-ar, independente do fato de pertencerem organicamente à força aérea ou a outra força armada.
O texto busca considerar a dissonância entre as expectativas ocidentais em torno do desempenho da VKS no conflito, utilizando como fundamento a teoria do inimigo como sistema e a ideia de comando do ar como suportes teóricos. Discutimos alguns aspectos relativos ao emprego de ambas as forças aéreas, inclusive temas a serem observados nos próximos dias e semanas da guerra e, por fim, sugerimos alguns cenários conclusivos para a contenda.
Nessa primeira parte do artigo, o tema central no qual insistimos é a não finalização do processo de alinhamento doutrinário da VKS com as expectativas teóricas e doutrinárias ocidentais, mas também com a experiência histórica soviética/russa, que remonta à 2ª Guerra Mundial, de emprego do poder aeroespacial em combate.
Mais quais seriam essas perspectivas ocidentais? Sinteticamente, podemos recorrer ao pensador contemporâneo norte-americano John Warden III, e sua teorização em torno do emprego do poder aeroespacial. Para tanto, o conceito de centro de gravidade e sua teoria do inimigo como um sistema (por meio do construto do cinco anéis) demonstram claramente a dissonância entre esse pensamento ocidental e aquilo que deveria ser o comportamento da VKS.
John Warden III
Fonte: Wikipedia, 2022
John Warden III entende que há uma conexão entre os níveis estratégico e operacional na guerra moderna. Por esse motivo,
O comandante do teatro de operações deve considerar todos os tipos de operação que possam vir a influenciar a campanha. Se a vontade do povo é vulnerável, o comandante deve concentrar esforços contra esse alvo. Se o inimigo é dependente de suprimentos externos, então em algum ponto da cadeia de suprimentos deve estar a chave para o sucesso. Se o inimigo é dependente de petróleo, então destruindo as redes petrolíferas talvez seja a ação mais inteligente. Em muitos casos, entretanto, e especialmente contra um oponente moderno e com um indústria altamente resiliente, talvez não haja uma simples solução; por conseguinte, atacar um número variado de alvos talvez seja necessário – mas alvos cuidadosamente escolhidos para afetar os centros de gravidade do inimigo. (WARDEN III, 2000, p. 6)
Por trás dessas palavras está a cristalina indicação da importância de se identificar corretamente os centros de gravidade, que desde Carl von Clausewitz (1984, p. 595-596) tem sido compreendido como “o centro de todo poder e movimento, sobre o que tudo mais depende”. Mais ainda, a preocupação expressa por Warden III (2000, p. 7, grifo nosso) de que “as operações no teatro devem ser planejadas, coordenadas e executadas com a ideia de se derrotar o inimigo com golpes decisivos e marcantes”. A não observação de quais centros de gravidade foram priorizados pelos ataques da VKS e a falta de um ritmo à altura da expectativa teórica Ocidental, é uma primeira explicação para a dissonância que referimos anteriormente.
A construção teórica de Warden III sobre os anéis concêntricos é amplamente conhecida na teoria do poder aeroespacial. Segundo este autor, "para pensar apropriadamente sobre a guerra (convencional ou não convencional), os planejadores devem pensar em termos de sistemas" (WARDEN III, 2015, p. 105). Isto implica que agir sobre partes do sistema deve necessariamente gerar distúrbios nesse sistema. A parte que geraria maiores distúrbios é identificada pelo autor como um centro de gravidade, consoante com que observamos acima. Para tratar claramente do centro de gravidade, o pensador norte-americano estabeleceu um modelo, chamado "Modelo dos Cinco Anéis" (WARDEN III, 2015, p. 107).
De acordo com esta teoria, o inimigo é visualizado como um sistema que seria constituído em elementos. Esses elementos são expressos em círculos concêntricos, desde o mais interno (a Liderança) até o mais externo (as Forças de Campo ou Unidades de Ação). Para elaborar cada um destes círculos, Warden III os descreve como:
a) Liderança – um ou mais indivíduos (líderes);
b) Processos – necessários para obter apoio de mais órgãos do Estado e adquirir recursos, como armas e munições, para o ataque, outros processos como recrutamento, treinamento e equipamento, processos necessários para a sobrevivência do Estado, como comunicações, produção e distribuição de alimentos, finanças e manufatura;
c) Infraestrutura – estradas da nação e outras infraestruturas adequadas para a sobrevivência e para apoiar operações de ataque;
d) População – apoio da população ou para suprimir a oposição; e
e) Forças de Campo – as forças militares do Estado que existem para executar as tarefas designadas.(WARDEN III, 2015, p. 107)
Os Anéis de John Warden III
Fonte: Warden III, 2015, p. 107
Do ponto de vista dessa teoria os elementos (ou os anéis) possuem centros de gravidade e a melhor forma de lidar com eles é por meio do ataque em paralelo. Tal ataque, geograficamente abrangente e simultâneo, levaria o oponente a um estado de paralisia. Até o momento, as ações da VKS não se enquadram nesse perfil teórico, caracterizando-se muito mais pelo acompanhamento da progressão da campanha terrestre, sobre a qual se proveria o suporte necessário às forças de superfície. Portanto, esse é mais um ponto de dissonância entre o que pensam os teóricos e a doutrina ocidental, com aquilo que se tem observado no conflito em tela. Apenas esse teórico já nos dá uma boa ideia sobre questionamentos essenciais que devem ser colocados na análise do desempenho da VKS. Tais como as premissas sobre as quais pensa, planeja e age doutrinariamente.
Outro ponto crítico da teoria do poder aeroespacial deriva da contribuição pioneira de Giulio Douhet (2019, p. 22), que se referiu ao “comando do ar como a capacidade de prevenir que o oponente voe, enquanto se garante essa possibilidade para si mesmo”. Na tradição doutrinária brasileira, em especial na literatura e nos documentos da Força Aérea, o comando do ar de Douhet é traduzido como “domínio do ar” (DOUHET, 1988), como “controle do ar” (SANTOS, 1989, p. 162) ou na edição de recente da doutrina básica como “controle aeroespacial” (BRASIL, 2020, v. 2, p. 14).
Giulio Douhet
Fonte: Wikipedia, 2022
Importante recordar que o controle aeroespacial pode ser obtido/almejado em diferentes graus:
a) Supremacia Aeroespacial – é o nível mais elevado de controle aeroespacial, que pressupõe o total domínio do espaço aéreo e espacial de interesse da Força Aérea;
b) Superioridade Aeroespacial – é o nível de controle aeroespacial no qual a Força Aérea é capaz de dominar somente uma porção específica do espaço aéreo e espacial de interesse e por período limitado.
c) Situação Aeroespacial Favorável – é o nível de controle aeroespacial em que a extensão do esforço aéreo oponente é insuficiente para prejudicar o sucesso das operações militares amigas. Conceitualmente, para a obtenção deste grau de controle aeroespacial, não há limitações geográficas nem temporais. (BRASIL, 2020, v. 2, p. 15)
As notícias sobre a tomada de iniciativa da VKS em torno dessa perspectiva teórica e doutrinária são conflitantes. Há indicações de que nenhum dos lados obteve ainda o controle absoluto do ar (FOY e RATHBONE, 2022); que já há, ao menos a obtenção da superioridade aeroespacial, em suas perspectivas geográfica e temporal, por parte da VKS (LAURAS, 2022); ou que, até mesmo, a PSU já estaria exercendo algum grau de controle, principalmente por meio do emprego de mísseis superfície-ar (Surface-to-Air Missile – SAM) (BRONK, 2022).
Essa última percepção alimenta o debate em torno do papel dos SAM no controle aeroespacial, debate esse que, academicamente, nem sempre é objeto de avaliações profundas. O ataque ao aeródromo de Hostomel (ou Gostomel) realizado por helicópteros russos é um bom exemplo disso. A se confirmarem as notícias, teriam sido abatidos 6 a 7 helicópteros russos, dentre eles 2 Ka-52, além de, possivelmente, um Il-76 que estaria a transportar paraquedistas (WILLIS, TIEFENTHÄLER e FROLIAK, 2022), muito provavelmente pelo emprego combinado de SAM e outras armas portáteis de menor calibre.
Rosyjskie ?mig?owce nad Hostomelem pod Kijowem. pic.twitter.com/H5GJa2lxgG
— Micha? Nowak (@nowakkmichal) February 24, 2022
Ataque de helicópteros russos em Hostomel, 24 de fevereiro de 2022
Fonte: Twitter Breaking Aviation News & Videos, 2022
No momento da redação deste artigo, o siteOryxspioenkop afirma que a Rússia, no conflito como um todo, teria perdido 7 aviões de ataque Su-25, 3 aviões multipropósito Su-30SM, 4 aeronaves de ataque Su-34, 1 aeronave de transporte An-26, 3 helicópteros de transporte Mi-8, 2 helicópteros de ataque Mi-24V, 3 helicópteros de ataque Mi-35M, além de 3 modelos não confirmados de Mi-24 ou Mi-35, 1 helicóptero de ataque Mi-28, 6 helicópteros de ataque Ka-52 e outros 16 helicópteros de modelos não confirmados, ademais 13 drones dos modelos Forpost, Orlan-10, Eleron-3, ZALA Aero KUB-BLA e E-95M (ORYXSPIOENKOP, 2022). Em face desses dados, que precisarão de maior escrutínio após o encerramento do conflito, há que se questionar sobre que grau de controle efetivamente se obteve pela VKS.
À luz do que se publicou na mídia internacional, essa questão sobre o controle aeroespacial desperta a atenção para alguns elementos analíticos. Em especial, quanto à atuação de mísseis superfície-ar, em especial os MANPADS (Man-portable air-defense system), que estariam causando grande dor de cabeça às aeronaves russas. O curioso é que tal performance de defesa antiaérea tem sido colocada como uma grande surpresa no conflito. Historicamente, a atuação das defesas antiaéreas, de todas os tipos e alcances, tem sido uma constante. O famoso Barão Vermelho, às alemão da 1ª Guerra Mundial, teria sido abatido por uma arma antiaérea australiana. Na Operação Linebacker II, durante a Guerra do Vietnã, a Força Aérea dos Estados Unidos perdeu, em poucos dias, 11 aeronaves B-52. Na Guerra do Yom Kippur, em 1973, mísseis superfície-ar infligiram uma perda de 102 aeronaves à Força Aérea de Israel. Mesmo as aeronaves com baixo perfil de detecção pelo radar, chamadas de aeronaves invisíveis, já foram vítima da defesa antiaérea, como foi o caso de uma aeronave F-117, na Operação Allied Force, em 1999, em Kosovo. Mesmos os russos (na época da então União Soviética), pagaram um alto preço aos MANPADS no Afeganistão, perdendo cerca de “330 helicópteros e 120 jatos durante o período de 1979-1989” (WEAPONS AND WARFARE, 2019). Nesse conflito, o míssil FIM-92 Stinger, de origem norte-americana, utilizados pelos Mujahedeen, teria sido o principal responsável pela destruição das aeronaves russas. Isso é importante, pois nesse momento a mídia anuncia a cessão desse tipo de arma para a Ucrânia.
FIM-92 Stinger
Fonte: free3d.com, 2022
Nas imagens das ações dos helicópteros e das aeronaves são colocadas em evidência os dispositivos flare e chaff lançados como autodefesa. Na perspectiva da doutrina nacional, dispositivos de autodefesa estão abrangidos no contexto da guerra eletrônica. Ela tem por objetivo “multiplicar força, aprimorando a realização da missão, minimizando as perdas por meio da autoproteção da plataforma” (BRASIL, 2020, v. 2, p. 19). Há, contudo, que se obter informações mais qualificadas quanto à efetividade desses dispositivos contra as ameaças de MANPADS. Nesse relacionamento entre a ofensiva pela obtenção de algum grau de controle aeroespacial e as defesas do oponente está grande parte do cálculo em torno de uma campanha aérea.
Gostaria de insistir em um ponto que já destaquei em outro artigo sobre a guerra no que diz respeito às armas de precisão (Precision Guided Munitions – PGM). No caso da doutrina brasileira, a precisão dos armamentos aéreos, utilizados “no local exato e no tempo certo, podem produzir efeitos muito superiores à quantidade dos meios envolvidos. Essa característica minimiza danos colaterais, reduz custos e esforço logístico” (BRASIL, 2020, v. 1, p. 36). Lembrando que a Rússia possui armas de precisão como a bomba KAB-500S-
E, que é uma Bomba aérea guiada com precisão, do tipo ‘atire e esqueça’ (drop-and-forget), com equipamento de orientação via satélite e uma ogiva de explosivo convencional (TNT), projetada para destruir alvos estacionários de superfície, como armazéns, instalações industriais militares e navios ancorados. Pode atacar alvos com coordenadas conhecidas, que são inseridas antes do envelope de liberação da bomba. É utilizada nas aeronaves da linha de frente (caças-bombardeiros e aeronaves de ataque).
(ROSOBORONEXPORT, 2021)
KAB-500S-E
Fonte: Rosoboronexport, 2021
Nessa análise é primordial conhecer o conceito de erro circular provável – ECP. O ECP é um raio de um círculo em cuja área estima-se que 50% dos impactos de uma bomba/míssil ocorrerão. Quanto menor o ECP, maior a precisão. Desde a 2ª Guerra Mundial, o ECP dos sistemas de armas tem progressivamente diminuído, de 1.000 m para o B-17, para 61 m no caso do F-16, 3 m para o F-117 e, atualmente, para menos de 0,9 m, no caso de um F-35 utilizando uma bomba Spice 250. A KAB-500S-E teria um ECP de 7 a 12 m.
Entretanto, o ponto que insistimos é que bombas inteligentes (as PGM) demanda um trabalho de inteligência aérea à altura. Ou seja, aquilo que Giulio Douhet (2019, p. 46) colocou como “estratégia aérea”, quando a definiu como “a mais difícil e delicada tarefa da guerra aérea, a seleção de objetivos (ou de alvos), o agrupamento deles em zonas, a determinação da ordem na qual devem ser destruídos”. Até que ponto o inter-relacionamento entre a estratégia russa e a inteligência aérea tem sido eficaz é um ponto aberto ao debate.
Voltando a atenção para a atuação da PSU, em face de sua inferior quantidade de meios aeroespaciais, uma análise mais acurada torna-se relativamente mais difícil. Por isso, destacaremos apenas dois pontos. De acordo com o Global Airpower Ranking (2022) a PSU é a 38º no ranque mundial de forças aéreas, com um total de 175 aeronaves, sendo que 61 seriam caças e 13 de ataque. Além disso, acredita-se que essas aeronaves, todas de fabricação russa (SU-24, SU-27, MiG-29 e SU-25), não tenham sofridos os mesmos updates tecnológicos de suas congêneres da VKS.
Uma capacidade interessante da PSU é a operação em rodopistas. Ou seja, as aeronaves de combate desdobram de suas bases aéreas originais e seguem para realizar decolagens e pousos de rodovias. Obviamente, isso exige treinamento e logística mínima para que tal capacidade possa ser colocada em prática. Aparentemente, a PSU já vinha realizando esse tipo de operação, como sugere o incidente registrado em 30 de agosto de 2020, no qual um SU-27 teria colidido com uma placa de trânsito em um treinamento em rodopistas (AIRLIVE, 2020). No conflito, Tim Robinson (2022) sugere que o treinamento desse recurso poderia ser utilizado pela PSU, em face da destruição das principais pistas de pouso nas bases aéreas utilizadas pela Ucrânia.
Su-27 da PSU em incidente de colisão na operação em rodopistas
Fonte: AirLive.com, 2020
O mesmo autor destaca que os voos à baixa altura das aeronaves ucranianas tem dificultado a atuação dos mísseis superfície-ar russos, inclusive alimentando a ideia do “Fantasma de Kiev” (JOHNSON e GODLEWSKI, 2022), supostamente um ás da PSU, identificado como o Coronel da reserva Oleksanser 'Grey Wolf' Oksanchenko, que teria sido responsável, com seu Mig-29, pela destruição de 6 aeronaves russas em combates aéreos. Esse tipo de notícia dá bem o tom do tamanho da guerra de informação que tem sido perpetrada por ambos os lados nesse conflito.
O “Fantasma de Kiev” – Coronel Oleksanser Oksanchenko
Fonte: Wikipedia, 2022
A conclusão do conflito ainda é incerta. Carl von Clausewitz (1984, p. 89) é responsável pela afirmação de que a “guerra é o domínio da incerteza” e que ela é “como um camaleão, que suavemente se adapta a cada situação”. A prosseguiram os combates, as forças aéreas envolvidas certamente se adaptarão às circunstâncias da guerra, ora sofrendo reveses em função da reação do oponente, ora conseguindo algum grau de sucesso com seus novos arranjos táticos e suas estratégias. Isso, por si só, já demandará evolução no pensamento doutrinário. Aquele que, possivelmente, melhor conduzir esse processo, ao menos no campo essencialmente militar, obterá melhores resultados. Como afirmou o velho general Helmuth von Moltke, “Nenhum plano de operações sobrevive à primeira colisão com o corpo principal do inimigo” (HUGHES, 1993, p. 9).
O diferencial de análise que propusemos neste artigo foi a aproximação das fontes com uma interpretação baseada na teoria do poder aéreo e na investigação da doutrina de emprego militar. Para tanto, procuramos apontar dissonâncias que estariam relacionadas aos preceitos teóricos de John Warden e ao conceito de “comando do ar”, abordando questões relativas à VKS e à PSU.
A continuidade dos combates demandará novas apreciações técnicas. Apontamos duas tendências que devem ser observadas nos desdobramentos da guerra quando da disponibilização de novas informações. A primeira delas é a migração dos combates para ambientes urbanos, considerando-se que a resistência ucraniana não irá sucumbir. Essa tendência poderá acontecer, pois há sinais de que a Rússia pode estar incrementando o uso do poder aeroespacial à medida que sua ofensiva terrestre progrida para as áreas urbanas.
A par dessa questão do combate urbano, mas interconectado com eles, é preciso observar o impacto das armas ocidentais que podem vir a ser disponibilizadas à Ucrânia. Em especial, quanto a mísseis ar-superfície do tipo MANPADS. A agência de notícias Reuters publicou uma matéria, em 11 de março de 2022, informando que os Estados Unidos e a OTAN estariam enviando esse tipo de armamento para utilização pelas forças armadas ucranianas (STEWART e ALI, 2022). Alguns analistas arriscam dizer que isso poderia ressuscitar os fantasmas da malsucedida incursão soviética no Afeganistão, a partir de 1988.
A conclusão do conflito parece incerta. As negociações prosseguem mas não são perceptíveis reais avanços (20 de março de 2020). Entretanto, e a guisa de encerramento do artigo, nossa percepção é a de que existem quatro cenários possíveis para a situação.
a) Um menos provável seria a ocorrência de levantes populares generalizados na Rússia, contestando as decisões do governo Putin, uma espécie de “Primavera Árabe” russa.
b) Outro cenário, também pouco provável, seria a reação militar coordenada da OTAN contra a Rússia, o que acenderia a hipótese de um conflito regional de maior escala.
c) No quadro de cenários mais prováveis temos a hipótese de resistência da Ucrânia, principalmente com um movimento de insurgência urbano, que desgastaria as forças armadas russas e seu governo.
d) Por fim, aquele cenário que acreditamos ser o mais provável: ajustes políticos entre ambas as partes levariam a um cessar fogo. Do ponto de vista do governo ucraniano, isso poderia obrigar no reconhecimento da independência de Donetsk e Lugansk. Também a constatação da Crimeia como território russo e, ainda, o compromisso da Ucrânia em não aderir à OTAN. Pelo lado do governo russo, fatores que pesariam nas negociações seriam o efeito das sanções econômicas ocidentais, a possibilidade do surgimento de uma resistência política e/ou militar ao governo de Putin, com a possibilidade de um golpe de estado, ou o esgotamento da capacidade militar russa na Ucrânia, em face do desgaste do material, perdas e demandas logísticas inatingíveis.
Apesar de serem cenários especulativos, o que realmente se espera neste momento é o fim do conflito que tem gerado perdas materiais significativas e, principalmente, sofrimento às populações locais e vítimas insubstituíveis.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Doutrina Básica da FAB – DCA 1-1. Brasília: Comando da Aeronáutica, v.1, 2020.
BRASIL. Doutrina Básica da FAB – DCA 1-1. Brasília: Comando da Aeronáutica, v. 2, 2020.
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