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A dimensão informacional no conflito russo-ucraniano

Cel Flábio

O conflito russo-ucraniano é um embate bélico entre dois países outrora aliados e ex-integrantes da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). O atual conflito iniciou-se, em sua fase bélica, no dia 24 de fevereiro de 2022, com a invasão do território ucraniano por tropas russas, a partir de Belarus. Em quase dois anos de guerra, ou segundo a narrativa russa, “operação especial russa na Ucrânia”, foi possível notar muitos movimentos de expansão e retração das tropas, mas com muitas ações na dimensão informacional, em busca do controle de narrativas e da consecução de objetivos nessa dimensão do ambiente operacional.

As ações não cinéticas travadas em uma dimensão informacional em uma guerra ou conflito bélico não são novidades. Há relatos de observação dessas ações desde sempre, porém um momento de inflexão importante foi a transmissão “ao vivo” do conflito no Kwait em 1991, situação que revolucionou as ações na dimensão informacional, pois milhões de pessoas ao redor do mundo começaram a ter contato com a informação direta dos conflitos, o que ficou conhecido como “efeito CNN”.

Com o advento das redes e mídias sociais, a dimensão informacional em conflitos bélicos tomou um protagonismo que não existia. O emprego da guerra informacional não pode ser negligenciado nos conflitos atuais, atuando desde o tempo de normalidade e prosseguindo, na mesma escala, no agravamento do conflito até o emprego bélico.

As ações na Guerra Informacional no conflito russo-ucraniano já estão sendo consideradas as de maior intensidade entre todos os conflitos já estudados. O amplo emprego de Operações de Informação por ambos os lados está sendo acompanhado de forma mais aproximada, pois o nosso acesso à informação foi ampliado pela internet, redes sociais e mídias sociais, acessando fontes primárias pelas postagens oficiais ou secundárias através de repostagens ou comentários.

A atuação russa na dimensão informacional tem sido muito clara, apesar de não explícita. A disseminação de desordem informativa é prática comum dos russos, principalmente em prol de seus objetivos políticos.

A Rússia opera as redes sociais de forma peculiar, pois restringe, com censura, usuários internos e divulga, maciçamente, sua propaganda nessas plataformas. O Facebook e o Twitter estão ambos proibidos dentro das fronteiras da Rússia, mas a propaganda e a desinformação russas dirigidas ao público externo ainda florescem nestas plataformas. Na Rússia, o YouTube e o TikTok ainda são acessíveis aos cidadãos comuns, mas com forte censura. Em substituição, o país possui algumas redes sociais próprias, sob controle do governo central, sendo que a plataforma de mídia social mais popular usada na Rússia é o VKontakte (VK), porém também possuem destaque o Telegram (muito utilizado no Brasil) e o Yandex. Tal medida de censura tem alavancado a propaganda russa interna e bloqueado a propaganda antirrussa para o público interno do país.

A Rússia tem adotado uma postura de defesa de seus interesses e de sua população, dentro e fora do seu território. Para legitimar sua “Operação Militar Especial”, Putin tem declarado a necessidade de “desnazificação” da Ucrânia, acusando Zelensky de perseguição e massacre da população ucraniana de origem russa, invocando valores ainda muito arraigados na população mundial, devido ao holocausto promovido pelos Nazistas alemães. Outra narrativa empreendida pelos russos nas mídias é a de desacreditar as ações que a OTAN tem levado a cabo nos últimos anos, na clara tentativa de desqualificar a organização e retrair suas ações pela falta de legitimidade de um eventual emprego militar no conflito. Um terceiro aspecto midiático de Moscou é o de minimização dos impactos do conflito, tanto na Rússia, quanto na Ucrânia, com a finalidade de não chocar a opinião pública interna e externa com a dureza dos embates.

Pelo lado ucraniano, Zelensky conduz suas ações informacionais buscando apoio interno e externo para o conflito. Há, claramente uma prioridade externa nas publicações ucranianas, na busca de apoio político e militar para o suporte aos embates bélicos, suscitando uma preocupação nos países europeus com as consequências que a Europa sofre e sofrerá sob a ameaça de uma Rússia invasora. Outra narrativa empreendida por Kiev é a de “demonização” da figura pessoal e política de Putin, em uma ação clara de descrédito no líder russo e suas decisões. Uma terceira e muito importante imagem criada a partir de ações informacionais da Ucrânia, é a da figura heroica de Zelensky, que se recusou a fugir e permanece liderando o país, gerando uma confiança no seu público interno.

A percepção ocidental da cobertura informacional do conflito tem sido bastante ativa e importante na formação da opinião pública internacional. Com um viés a favor dos ucranianos, divulga fatos que levam à criação de uma imagem de que Putin é um ditador desequilibrado, ao passo que Zelensky é um herói da resistência ucraniana.

A Rússia demonstra, de forma clara que faz parte de sua doutrina militar o emprego em massa de meios informacionais, corroborando o emprego de suas forças militares no campo de batalha. Têm empregado há décadas essa doutrina e o faz sob a justificativa de que os fins (objetivos políticos) justificam os meios empregados.

A Ucrânia apresenta uma forma de emprego menos sistemática, porém com o passar do tempo no conflito tem sentido os efeitos positivos da dimensão informacional coordenada e planejada, se beneficiando, ainda mais que a Rússia, nessa dimensão.

O atual conflito russo-ucraniano nos suscita reflexões acerca da dimensão informacional. A primeira é saber que não existe mais ação militar bélica sem o apoio e suporte das ações informacionais, isto é, não somente saber empregar, mas principalmente, saber se defender destas ações, pois a citação do dramaturgo Ésquilo fica tão atual quando diz que “Na guerra, a verdade é a primeira vítima”.

Sobre o Autor:

O Cel FLÁBIO é Oficial de Infantaria formado na Academia Militar das Agulhas Negras em 1998. Cursou a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais em 2006, o Curso de Comando e Estado-Maior do Exército em 2017, o Curso de Estado-Maior Conjunto pela Escola Superior de Guerra em 2019 e o Curso de Altos Estudos em Defesa pela Escola Superior de Defesa em 2023. Possui, ainda, especialização em Gestão Estratégica Corporativa pela Universidade Católica de Brasília. Foi Oficial de Inteligência e Operações da 3ª Brigada de Infantaria Motorizada em Cristalina – GO e Chefe da Agência de Inteligência do Comando Militar do Planalto. Atualmente é o Chefe da Seção de Doutrina e Operações do Centro de Comunicação Social do Exército.

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