Os acertos e interesses no anúncio de Joe Biden sobre maconha
Filipe Figueiredo
Gazeta do Povo
07 Outubro 2022
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Joe Biden, presidente dos EUA, delineou uma “Reforma da Maconha” nesse dia seis de outubro (06OUT2022). A reforma possui alguns pontos principais e se relaciona com o contexto mais amplo dos EUA em diversos aspectos. Por exemplo, a crescente liberalização do uso de cannabis e os perigos da epidemia de opioides no país. Principalmente, finca uma bandeira democrata faltando um mês para as eleições de meio de mandato.
O anúncio de Joe Biden fala em “três passos” para “acabar com a abordagem fracassada” do país em relação a maconha. Biden fala que “ninguém deveria estar preso por usar ou possuir maconha”, que os registros criminais “impuseram barreiras desnecessárias ao emprego, moradia e oportunidades educacionais” e, finalmente, que pessoas negras e pardas foram desproporcionalmente afetadas por essa política de repressão.
Perdão federal
O primeiro passo é o perdão de todas as pessoas presas por acusações federais de uso ou posse de maconha. O indulto será completo, eliminando a passagem prisional dos registros dessas pessoas, para “aliviar as consequências colaterais decorrentes dessas convicções” como problemas para obter um emprego ou moradia. É importante contextualizar ao leitor o que “acusações federais” significam.
A imensa maioria das pessoas presas nos EUA estão presas por acusações dos judiciários estaduais, não crimes federais. Segundo a imprensa dos EUA, apenas cerca de seis mil pessoas devem ser beneficiadas pela medida. Ou seja, o anúncio possui muito mais peso do que a medida na prática nesse momento. O que leva ao segundo “passo” do anúncio de Biden, que é o pedido a todos os governadores que façam o mesmo.
“Assim como ninguém deve estar em uma prisão federal apenas devido ao porte de maconha, ninguém deve estar em uma prisão local ou estadual por esse motivo.”. Isso não possui valor legal nenhum e governadores podem simplesmente dar de ombros. Assim como o decreto não significa uma descriminalização da maconha no nível federal. Um futuro presidente pode simplesmente manter eventuais futuras condenações.
É algo parecido como quando Arnold Schwarzenegger tornou-se governador da Califórnia. O estado tinha uma moratória na pena capital, com os governadores comutando a pena de morte para prisão perpétua. Schwarzenegger simplesmente deu de ombros e cumpriu uma promessa de campanha, de retomar as execuções. Era apenas um “acordo de cavalheiros”, não uma de fato abolição da pena capital.
Eleições
É isso que Biden está fazendo, via decreto. Uma completa descriminalização precisa passar pelo Congresso nacional, e o tema dificilmente será votado ainda em 2022. O que Biden está fazendo é fincar uma bandeira na véspera das eleições. Políticos que forem críticos de sua medida e de suas propostas serão classificados como defensores da velha, e falha, política de repressão, pessoas que estariam em descompasso com as reformas.
Fazendo um cruzamento de dados, podemos ver que, dos 36 estados que realizarão eleições para governador no início de novembro, dez ainda criminalizam o uso e o porte de cannabis. Desses, apenas dois possuem um governo do Partido Democrata. Mais as eleições para todos os assentos da Câmara e um terço do Senado, claro. Sendo um tema de eleição para o Congresso, uma eventual legalização federal poderia andar.
É importante notar que, hoje, a maior parte dos habitantes dos EUA vive em estados em que o uso de cannabis é legalizado. No mínimo da cannabis medicinal, sob suas várias formas. Um uso que tem crescido no Brasil, inclusive, suprindo lacunas importantes em tratamentos. O uso recreativo é autorizado em dezenove estados. Inclusive, o anúncio de Joe Biden contém um mitigador para os que acham que ocorrerá um “libera geral”.
O texto destaca que “mesmo que a regulamentação federal e estadual da maconha mude, limitações importantes ao tráfico, marketing e vendas para menores de idade devem permanecer em vigor.”. Certamente esse será um discurso também presente nas campanhas eleitorais, com a retórica de proteção das crianças. O principal da proposta de BIden, entretanto, é sobre a classificação da cannabis nos EUA.
Opioides
Ele afirma que solicitará que a maconha deixe de ser classificada na lista das substâncias mais perigosas da Lei de Substâncias Controladas. Hoje ela está no Anexo I, junto da heroína, por exemplo, uma droga muito mais viciante, muito mais perigosa, que mata de overdose e não possui propriedades terapêuticas, já que é uma versão potencializada da morfina, essa sim com funções médicas.
No trecho, o governo destaca o erro e a hipocrisia que é o fato da maconha ser classificada como mais perigosa do que o fentanil e a metanfetamina, hoje das substâncias que mais matam por overdose nos EUA, além de afetar gravemente as vidas dos adictos. 75% das mortes por overdose no país são por uso de opioides e, em 2021, pela primeira vez, mais de cem mil pessoas morreram por overdose nos EUA.
Independente do que alguém pense sobre a liberalização ou não do uso da maconha, o anúncio de Joe Biden traz dois fatos: o de que a política de repressão precisa ser revista após fracassos acumulados e o de que os EUA possuem problemas mais graves do que o uso de maconha. Ainda assim, não se deve perder de vista que o anúncio, faltando um mês para as eleições, é focado mais nos votos do que na saúde pública.