Atuação das Forças Militares na defesa da Pátria e Democracia
JURISTA
Recentemente, muito se tem debatido sobre o correto alcance e interpretação do art. 142 da Constituição Federal (CF), no que se refere as missões constitucionais delegadas as Forças Armadas, que assim estabelece: “Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.”
Tanto que este debate acerca da interpretação do art. 142, está sendo alvo de ação veiculada perante a Suprema Corte, tendo sido proferida liminar em 12 de junho de 2020, “balizando” as possibilidades de emprego das Forças Armadas, conforme trecho abaixo reproduzido. Liminar, inclusive, que não só abrangeu a interpretação do art. 142, mas também se estendeu para a Lei Complementar 97/1999. Deferiu-se uma liminar monocraticamente, sob o argumento de urgência, referente aos dispositivos regulamentadores previstos em uma lei que está em vigor desde o distante ano de 1999. Sendo que, até esta data (novembro / 2022), ainda não há finalização do julgado.
MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
6.457: “… defiro parcialmente a medida liminarrequerida, ad referendum do Plenário desta Suprema Corte, a fim de conferir interpretação conforme aos artigos 1º, caput, e 15, caput e §§ 1º, 2º e 3º, da Lei Complementar 97/1999 e assentar que:
(i) A missão institucional das Forças Armadas na defesa da Pátria, na garantia dos poderes constitucionais e na garantia da lei e da ordem não acomoda o exercício de poder moderador entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário;
(ii) A chefia das Forças Armadas é poder limitado, excluindo-se qualquer interpretação que permita sua utilização para indevidas intromissões no independente funcionamento dos outros Poderes, relacionando-se a autoridade sobre as Forças Armadas às competências materiais atribuídas pela Constituição ao Presidente da República;
(iii) A prerrogativa do Presidente da República de autorizar o emprego das Forças Armadas… não pode ser exercida contra os próprios Poderes entre si;
(iv) O emprego das Forças Armadas para a “garantia da lei e da ordem”, embora não se limite às hipóteses de intervenção federal, de estados de defesa e de estado sítio, presta-se ao excepcional enfrentamento de grave e concreta violação à segurança pública interna, em caráter subsidiário, após o esgotamento dos mecanismos ordinários e preferenciais de preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, mediante a atuação colaborativa das instituições estatais e sujeita ao controle permanente dos demais poderes, na forma da Constituição e da lei.”
Por certo que, em um estado democrático de direito (CF, art. 1°), não se pode cogitar da hipótese de utilização das Forças Armadas para a suposta intervenção em outros Poderes da República. Diferentemente, outra situação juridicamente distinta, seria sua utilização para a defesa de valores como a democracia. Que, alfim, refletem na defesa da pátria.
Esta temática é complexa, e exige análise aprofundada para que se possa entender todas as suas nuances. Notadamente em cenários das denominadas Guerras Híbridas (ou de 4ª Geração), ou de Guerra Irrestrita (ou de 5ª Geração). Nas quais todos os meios convencionais, e não convencionais são utilizados para, precipuamente, promover a desestabilização (ou tomada) de governos, em contextos de “guerra total”, sem limitação no tempo ou dos teatros de operações.
Em tempos de CRIMINALIZAÇÃO de OPINIÕES, todo o cuidado é pouco para tratar de assuntos como este. Como Juristas renomados e respeitados, como Ives Gandra da Silva Martins, tem publicamente apresentando interpretações sobre esta matéria, acreditamos que, ainda há (um estreito) espaço para veiculação de teses jurídicas divergentes.
Por isso, invocamos aqui a linha de pensamento adotado pela Escola Superior de Guerra – ESG (vinculada ao Ministério da Defesa), sobre os conceitos envolvendo a Defesa da Pátria, e que trata da DEMOCRACIA como um Objetivo Fundamental PERMANENTE a ser protegido, que serão abaixo resumidamente indicados para fundamentar este texto, e que podem ser conferidos na sua integralidade no link (páginas 19/23) com a edição de 2022: https://www.gov.br/esg/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/fundamentos-do-poder-nacional/FPN2022.pdf
“OBJETIVOS NACIONAIS… 1.3.1 Objetivos Fundamentais (OF) Quando se tratar de pontos de referência capazes de responder ao projeto que a Nação tem para seus destinos, os Objetivos Nacionais são denominados Objetivos Fundamentais, e perduram por longo tempo. Objetivos Fundamentais (OF) – são ON voltados para a conquista e preservação dos mais elevados interesses da Nação…
… a) DEMOCRACIA: A democracia, como Objetivo Fundamental… Em segundo lugar, representa a adoção de um regime político que se caracteriza, essencialmente, por: ·contínuo aprimoramento das instituições e da representação…; ·LEGITIMIDADE do exercício do poder político, por intermédio do governo da maioria e do respeito às minorias; e ·organização de um estado de direito que propugne pela efetivação dos seguintes princípios: … – DIVISÃO e harmonia entre os poderes do Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário);… – LIVRE participação da sociedade na condução da vida pública; – responsabilidade de governantes e governados pela condução da ação política 8...
Como se verifica do texto acima, para a ESG, a DEMOCRACIA pressupõe tanto a LEGITIMIDADE do exercício do Poder, como também a respectiva DIVISÃO e HARMONIA entres estas Funções / Poderes Estatais, tal qual estipulado na CF, art. 2°, bem como a “LIVRE participação da sociedade na condução da vida pública”.
Ao contrário do que alguns pretendem astuciosamente alardear, as Forças Militares tem o dever constitucional de defesa da pátria. E também do objetivo fundamental permanente da DEMOCRACIA legitimamente exercitada.
Tanto que, é a própria Constituição Federal que, depois de no seu art. 142 elencar estas missões sensíveis, ainda abre a possibilidade no art. 144, de convocação das Forças Militares Estaduais para atuarem na condição de forças auxiliares do Exército, tamanha a envergadura desta premissa constitucional:
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I – polícia federal; II – polícia rodoviária federal; III – polícia ferroviária federal; IV – polícias civis; V – polícias militares e corpos de bombeiros militares. VI – polícias penais federal, estaduais e distrital... § 6º As polícias militares e os corpos de bombeiros militares, FORÇAS AUXILIARES E RESERVA DO EXÉRCITO subordinam-se, juntamente com as polícias civis e as polícias penais estaduais e distrital, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.
Ao se pretender, portanto, promover a Defesa da Pátria e dos Objetivos Fundamentais Democráticos, está-se exatamente dando cumprimento ao Texto Constitucional. Que deve ser o ponto de partida e de chegada, de qualquer sorte de interpretação.
E, como já previam os FEDERALISTAS (Federalist n° 47), o agigantamento de um dos Poderes da República, resultará, inevitavelmente, na diminuição (ou submissão) dos demais. Motivo pelo qual deve ser mantida a independência e harmonia entres os Três Poderes, de forma a que haja a equalização das forças democráticas. (CF, Artigo 2º. São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.)
Cada Poder (segmentado pelas suas Funções Constitucionais estabelecidas pelo Poder Constituinte) buscando se ajustar e promover sua autocontenção, para que os demais Poderes sejam respeitados na sua seara de atuação.
Autocontenção esta que poderia ser imediatamente exercida pela própria Suprema Corte, fixando-se no desempenho de sua missão precípua de Corte Constitucional (CF, art. 102). Sem prejuízo de análise de toda e qualquer questão por parte do Poder Judiciário, mediante atuação dos “Juízes Naturais” (MM. Juízes Singulares, de Primeiro Grau de Jurisdição). De acordo com as regras legais de distribuições de competências da Magistratura.
Outra atuação imediata de autocontenção, ou controle, poderia também ser empreendida pelo Congresso Nacional. Fazendo uso de sua prerrogativa estabilizadora destes conflitos, com base na CF, Artigo 49 (“É da competência exclusiva do Congresso Nacional:.. XI -zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes…”
A não utilização destas medidas constitucionais de autocontenção, acabam, inevitavelmente, abrindo campo para a discussão do emprego de mecanismos constitucionais, e legais alternativos, mas obviamente, previstos no sistema jurídico.
Não da forma como alguns pretendem, como, ilustrativamente, querendo atribuir as Forças Armadas uma suposta atuação MODERADORA dos demais Poderes Constitucionais. Para nós, esta terminologia é mais simbólica (e não realística), e ainda atrelada aos tempos do Império. E, portanto, não representa aquilo que, juridicamente, seria passível de fundamentação constitucional em cenários de turbulências institucionais, e intranquilidade social (“social unrest”) em situações absolutamente críticas.
Não por outra razão as Forças Armadas aparecem na Constituição Federal no Título V, em separado do regramento dos PODERES Estatais. Ostentando, dentre outras, a nobre incumbência de “DA DEFESA DO ESTADO E DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS”. Não há leitura constitucional possível, que pretenda ofuscar esta atribuição constitucional inscrita na nossa Suprema Lei da Terra. E que, à toda evidência, deve ser operacionalizada tendo como referências as demais normas disciplinadoras da matéria.
A solução para qualquer crise, portanto, já está prevista na própria Constituição Federal, bastando que seja cumprida (e não desvirtuada). Que é o principal baluarte normativo de sustentação, em tempos de turbulências institucionais e sociais.