O que fazia a PF quando meio mundo em Brasília era espionado pela ABIN?
ROBSON BONIN
Veja.com
27 Outubro 2023
Diretor-geral da Polícia Federal, o delegado Andrei Rodrigues assumiu a instituição depois de um longo período de aparelhamento político no órgão. O presidente da República, vale lembrar, tratava a PF como extensão de sua área gourmet no Alvorada.
“A questão estratégica, que não estamos tendo. E me desculpe, o serviço de informações nosso, todos, é uma… São uma vergonha, uma vergonha! Que eu não sou informado! E não dá pra trabalhar assim. Fica difícil. Por isso, vou interferir! E ponto final, pô! Não é ameaça, não é uma… uma extrapolação da minha parte. É uma verdade”, disse Jair Bolsonaro numa famosa reunião.
Ao falar das mudanças que faria na PF, ele foi mais direto: “É a putaria o tempo todo pra me atingir, mexendo com a minha família. Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro, oficialmente, e não consegui! E isso acabou. Eu não vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meus, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence a estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra brincadeira”.
A investigação da PF sobre as ações ilegais da ABIN no período bolsonarista no poder, diz um investigador ouvido pelo Radar, levantam outras questões importantes nesse momento: “Onde estava a PF que não viu nada disso? É possível que arapongas tenham monitorado meio mundo em Brasília sem que ninguém dos federais suspeitasse? Seria a desmoralização completa para uma instituição como a PF que algo assim tenha ocorrido diante dos olhos inocentes de investigadores que, sabemos, são preparados”.
“As investigações da PF devem buscar todos os envolvidos na arapongagem bolsonarista contra adversários do presidente de turno, mas precisam cortar na própria carne, descobrindo quem deixou a banda passar sem fazer seu trabalho. Houve conivência com as ações ilegais de Bolsonaro? Fizeram vista grossa?”, diz o mesmo investigador.
Desde os tempos de Lula no Planalto, ABIN e PF vivem uma relação conflituosa, de disputas e até de ciúme. O compartilhamento de informações entre os dois lados sempre foi marcado por desconfianças, basta lembrar das investigações sobre o risco de atentados terroristas na Copa de 2014 e nos Jogos Olímpicos de 2016.
“Assediada constantemente por Bolsonaro na gestão passada, a PF passou longe das ações ilegais contra adversários? Ou colaborou? Fez que não viu a movimentação dos arapongas? Houve, no mínimo, falha de inteligência no caso. É preciso que todos os lados sejam escrutinados”, segue o investigador.
A atual gestão da PF fez um longo trabalho para reorganizar a casa, mas é importante que o passado não fique esquecido.