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Tomada Poder – Divergencias entre Múcio e Dino

Victoria Azevedo
Cézar Feitoza
Thaísa Oliveira
PortalO Globo
28.dez.2022 às 23h15
BRASÍLIA

A equipe do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), tem divergido sobre como lidar com as manifestações antidemocráticas em frente ao quartel-general do Exército, em Brasília.

De um lado, aliados liderados pelo futuro ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), defendem uma posição mais forte pela desmobilização do acampamento até o dia 1º, quando será realizada a cerimônia de posse. Para eles, a gota d’água foi a tentativa de atentado com explosivo no Aeroporto Internacional de Brasília no último sábado (24).

Há uma preocupação ainda com possíveis manifestações contrárias à eleição de Lula que podem ocorrer no dia da posse. Membros da PRF (Polícia Rodoviária Federal) tiveram acesso a vídeo que mostram caravanas de bolsonaristas deixando Porto Alegre rumo ao Distrito Federal —o que eleva ainda mais a pressão para a desmobilização do acampamento.

Indicado para comandar o Ministério da Defesa de Lula, José Múcio Monteiro tem divergido da linha adotada por Dino e pelo futuro diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Passos.

Múcio pondera que deve ocorrer uma costura delicada para evitar novos atritos com bolsonaristas. O objetivo, justifica Múcio a interlocutores, é criar uma saída “pactuada” sem necessariamente a retirada compulsória dos manifestantes. Ele tem argumentado ainda que o ambiente atual é hostil e que é preciso apostar no diálogo.

A divergência do tom transpareceu nesta semana. Um dia após a tentativa do atentado, Flávio Dino publicou nas redes sociais que os acampamentos “viraram incubadoras de terroristas”.

Dois dias depois, em coletiva de imprensa, Múcio afirmou que os atos em frente aos quartéis têm sido “pacíficos” e citou ainda que há “pedintes que vão lá receber comida, pessoas que vivem pela rua dormindo nas praças [do quartel], porque tem um certo abrigo”.

As declarações de Múcio foram dadas ao lado de Dino, que voltou a enquadrar o ocorrido no sábado em Brasília como “terrorismo”.

Segundo relatos, o próprio Lula compartilha da visão de que é necessário desmobilizar o acampamento o quanto antes. De acordo com aliados do petista, ele tem expressado que os manifestantes estão expansivos, se sentindo empoderados e confortáveis.

Além disso, Lula disse a aliados que o acampamento no quartel-general representa uma espécie de teste de autoridade de seu governo e que, por isso, ele precisa ser desmobilizado.
 
Para auxiliares de Lula, uma coisa é certa: caso o acampamento não seja desmontado até a posse, ele o será na próxima semana. Se necessário, com a retirada compulsória dos bolsonaristas.

Interlocutores de Lula afirmam que receberam recados de auxiliares do presidente Jair Bolsonaro (PL) de que o acampamento em frente ao QG do Exército deverá ser desmobilizado completamente até quinta (29DEZ2022).

Integrantes do Exército, no entanto, dizem que as estruturas devem ser retiradas quase na sua totalidade até sexta (30), mas que não é possível evitar a presença de manifestantes no local.

Flávio Dino se reuniu nesta semana com o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), para falar de questões de segurança relativas à posse. Na ocasião, eles trataram do acampamento dos bolsonaristas. Também participaram Múcio, Andrei Passos e o secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Júlio Danilo.

Segundo relatos de pessoas com conhecimento da reunião, Múcio afirmou na ocasião que recebeu um recado de interlocutores de Bolsonaro de que o chefe do Executivo deixaria uma carta antes de embarcar ao exterior na qual agradeceria a defesa de seus apoiadores e pediria para eles voltarem para suas casas.

Na visão dele, seria um sinal de que a situação pode ser resolvida de forma pacificada. Até o momento, não houve a divulgação pelo Planalto de mensagem com esse teor.

Generais do Alto Comando do Exército e da reserva afirmaram à Folha que há uma avaliação na caserna de que o silêncio de Bolsonaro dificulta a desmobilização dos acampamentos na frente do quartel-general em Brasília.

Eles afirmam que somente o presidente teria o poder de reconhecer a derrota e comunicar aos apoiadores que não haveria razão para pedidos de intervenção das Forças Armadas.

Segundo interlocutores, essa insatisfação, as críticas de bolsonaristas à atuação das cúpulas militares e os diversos apelos para desmobilizar os acampamentos desagradaram o general Freire Gomes, comandante do Exército sob Bolsonaro.
Essas seriam as principais razões para o comandante pedir a saída antecipada do cargo. A avaliação, de acordo com relatos de militares com conhecimento do assunto, é que o general de Exército Júlio César de Arruda poderá conduzir melhor as demandas, já que foi escolhido pela equipe de Lula.

A quatro dias da posse presidencial, o acampamento em frente ao QG do Exército continua funcionando com duas grandes cozinhas, banheiros químicos, barracas, tendas e até mesmo espaço com tomadas para carregar o celular.

Manifestantes improvisam varais em árvores para secar roupas e se revezam nas cozinhas para que as três principais refeições do dia sejam servidas no local. Cartazes espalhados informam que o acampamento aceita doações de itens diversos.

Faixas e cartazes continuam espalhados com frases como “Intervenção militar com Bolsonaro no poder”, “Socorro Forças Armadas” e “Presidente Bolsonaro, acione as Forças Armadas contra a fraude eleitoral”.
 
Apesar disso, o entendimento do Exército é de que a desmobilização do acampamento tem sido feita de forma gradual e sem violência.

Militares afirmam sob reserva que a intenção é reduzir as instalações até sexta e que monitoram a convocação de grupos bolsonaristas para uma manifestação no dia da posse.

Levantamento interno repassado à Folha indica que, desde meados de novembro, quatro cozinhas foram desfeitas, e cerca de 50 tendas e 30 banheiros químicos foram retirados.

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