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Capacidades de Guerra Irregular da VENEZUELA na Fronteira com o BRASIL

O assunto Venezuela é tratado pela imprensa brasileira somente como uma questão política interna daquele país.. DefesaNet apresenta uma análise exclusiva sobre os impactos apresentados pela postura agressiva e ativa na região Calha Norte, que atravessa as fronteiras brasileiras. Foto – Durante manobras Maduro congraça com tropas da FANB (Fuerza Armada Nacional Bolivariana – Data 2019

Felipe Gonzales Saraiva da Rocha
Graduado em Relações Internacionais,

especialista em subversão, defesa e segurança

A região da Calha Norte, situada no extremo norte do Brasil, é uma área estratégica e sensível devido à sua proximidade com a fronteira venezuelana. Composta pelos estados do Amapá, Roraima, Pará e Amazonas, essa região é rica em recursos naturais e abriga uma vasta biodiversidade, além de populações indígenas e comunidades tradicionais. A estabilidade dessa área é crucial para a segurança nacional do Brasil. No entanto, a crescente influência da Venezuela, aliada a potências como Rússia, China e Irã, bem como a presença de grupos radicais islâmicos, levanta preocupações sobre as capacidades de desestabilização e subversão das Forças Armadas venezuelanas.

As capacidades de guerra irregular da Venezuela

A inteligência militar venezuelana, representada principalmente pelo Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (SEBIN) e pela Direção Geral de Contrainteligência Militar (DGCIM), é conhecida por suas táticas sofisticadas e sua capacidade de realizar operações encobertas. Com apoio técnico e militar de países como Rússia, China e Irã, essas agências têm se fortalecido significativamente nos últimos anos.

A Rússia tem sido um aliado próximo da Venezuela, fornecendo treinamento, equipamento e assistência técnica. Em março de 2019, a Rússia enviou cerca de 100 militares para Caracas como parte de um acordo de cooperação militar. Além disso, a Rússia tem fornecido sistemas avançados de defesa aérea, como os S-300VM Antey-2500, e tecnologia de guerra cibernética. Essas capacidades permitem à Venezuela realizar operações de espionagem e guerra eletrônica que podem ser utilizadas para desestabilizar a região da Calha Norte.

O apoio russo inclui o fornecimento de caças de superioridade aérea Sukhoi Su-30MK2, helicópteros Mi-35M Hind, carros de combate T-72B1 e uma vasta gama de armamentos leves e pesados, incluindo fuzis AK-103 e sistemas de mísseis antiaéreos Igla-S. A presença de conselheiros militares russos na Venezuela tem garantido uma transferência constante de conhecimento e técnicas avançadas de combate e vigilância. A Rússia também ajudou na modernização de bases militares venezuelanas, como a Base Aérea Libertador (BAEL), em Palo Negro e a Base Aérea Tática Avançada Orinoco, também conhecida como Base Aérea La Esmeralda (ver mapa abaixo), localizada a aproximadamente 130 km da fronteira com o Brasil, o que aumentou a capacidade operacional das Forças Armadas da Venezuela.

A posição da Base Aérea Base Aérea Tática Avançada Orinoco, também conhecida como Base Aérea La Esmeralda, propicia um acesso privilegiado a alvos estratégicos como a Terra Indígena Yanomani, Boa Vista, Capital Roraima, e Manaus com a Base Aérea e a sede do Comando Militar da Amazônia (CMA).

Além disso, a Venezuela tem acesso a tecnologia russa de guerra eletrônica, como o sistema Krasukha-4. Este sistema é projetado para criar interferência em sinais de radar e comunicações, operando em uma faixa de frequência de 0,5 a 18 GHz em um raio de até 300 km, e é capaz de neutralizar radares de aeronaves e sistemas de mísseis, oferecendo uma vantagem estratégica significativa em caso de conflito com a Força Aérea Brasileira e o Exército Brasileiro. A colaboração com a Rússia também inclui o treinamento de unidades especiais venezuelanas em atividades de Forças de Operações Especiais e guerra híbrida, que combina operações militares convencionais e não convencionais, incluindo ações de guerra não convencional, propaganda e guerra cibernética, permitindo a capacidade para desestabilização de regiões.

A China também tem desempenhado um papel significativo no fortalecimento das capacidades militares da Venezuela. Além de vender armas e equipamentos, a China tem oferecido treinamento e suporte técnico em áreas como vigilância e cibersegurança. A colaboração sino-venezuelana inclui o desenvolvimento de satélites de observação, que podem ser usados para monitorar atividades na fronteira e coletar informações estratégicas.

A China tem investido na infraestrutura de comunicação e vigilância da Venezuela, incluindo o fornecimento de drones de reconhecimento e sistemas de radar 3D JY-27A. Além disso, a China forneceu tecnologia para a construção de um sistema de fibra óptica de alta capacidade que permite comunicações seguras e rápidas entre as diferentes unidades militares venezuelanas. Esta colaboração tecnológica também inclui a assistência na implementação do Tiānyīng e Dǎoháng, ambos são softwares avançados de análise de dados e inteligência desenvolvidos pela China e adquiridos pela Venezuela. Os referidos sistemas são projetados para processar e interpretar grandes volumes de dados de vigilância e inteligência, integrando informações de satélites e outros sensores para fornecer análises detalhadas e previsões estratégicas, aumentando assim a capacidade de resposta e a eficácia operacional das Forças Armadas Venezuelanas.

Em outubro de 2017, a China colaborou com a Venezuela no lançamento do satélite “VRSS-2”, também conhecido como “Sucre”. Este satélite é equipado com sensores de imagem óptica de alta resolução, com uma capacidade de resolução espacial de até 1 metro, permitindo a captura de imagens detalhadas da superfície terrestre. O VRSS-2 é projetado para proporcionar uma cobertura contínua e abrangente, com uma frequência de revisita de aproximadamente 4 a 5 dias, dependendo da latitude.

Juntamente com seu predecessor, o “VRSS-1”, lançado em setembro de 2012, que possui características semelhantes, o VRSS-2 amplia significativamente a capacidade da Venezuela de realizar monitoramento de grandes áreas. Os dados fornecidos por esses satélites são valiosos para a vigilância de regiões fronteiriças e áreas estratégicas, permitindo à Venezuela analisar e rastrear movimentos militares e civis em circunstâncias atualizadas.

O Irã, por meio da Força Quds, uma unidade para guerra não convencional da Guarda Revolucionária Islâmica, tem fornecido treinamento em táticas de guerra não convencionais e insurgência. Este apoio inclui o treinamento de forças paramilitares e da Milícia Nacional Bolivariana em técnicas de guerrilha e sabotagem. A presença de agentes iranianos na Venezuela aumenta a capacidade do país de realizar operações subversivas na região da Calha Norte.

Além do treinamento em guerra irregular, o Irã tem compartilhado com batalhões da Milícia Nacional Bolivariana técnicas avançadas para a fabricação de explosivos improvisados (IEDs) e métodos de combate urbano. Entre os tipos de explosivos que são usados estão os plastificados, como o C-4, que é moldável e altamente potente, com uma densidade de aproximadamente 1,6 g/cm³ e capacidade explosiva equivalente ao TNT. Outra categoria é o ANFO, uma mistura de nitrato de amônio e óleo combustível, conhecido por sua facilidade de fabricação e eficácia, com uma densidade cerca de 0,8 g/cm³ e uma capacidade explosiva de até 70% do TNT. Além disso, explosivos à base de peróxidos, como o TATP e o HMTD, são usados devido à sua alta sensibilidade e facilidade de fabricação.

A colaboração iraniana também se estende à criação de células adormecidas que podem ser ativadas para realizar ataques de alta precisão ou operações de sabotagem em infraestrutura crítica. A expertise iraniana em operações encobertas permite à Venezuela conduzir ações que minam a segurança da Calha Norte de forma indireta e difícil de rastrear. Essas operações frequentemente envolvem o uso de explosivos para atacar instalações vitais, como redes de energia e comunicação, causando danos significativos e desestabilizando a região sem a necessidade de uma presença militar direta.

Em 2020, foi relatado que a Guarda Revolucionária Iraniana estava ajudando na criação de uma fábrica de drones na Venezuela, permitindo ao país fabricar veículos aéreos não tripulados (VANTs) para uso em reconhecimento e ataques táticos. Entre os modelos de drones utilizados, destacam-se os drones Shahed-129 e Mohajer-6, que podem ser equipados com cargas explosivas. O Shahed-129, por exemplo, é um drone de ataque que pode carregar até 500 kg de munição, enquanto o Mohajer-6, menor, pode carregar explosivos de até 100 kg. Esses drones são usados para ataques precisos com mísseis, foguetes, ou explosivos, como cargas de TNT ou RDX, proporcionando uma capacidade de atacar alvos específicos com precisão e de forma anônima. A presença desta tecnologia, combinada com o treinamento iraniano, aumenta a capacidade da Venezuela de realizar operações táticas complexas e de pressionar as Forças Armadas Brasileiras para uma maior presença e modernização militar na região.

Não o bastante a presença de grupos radicais islâmicos na Venezuela é um fator adicional de desestabilização. Há relatos de que o Hezbollah, uma organização paramilitar e política libanesa apoiada pelo Irã, tem estabelecido bases de operação na Venezuela, segundo informes, o grupo tem se estabelecido principalmente nas regiões administrativas venezuelanas do Amazonas e Bolívar, áreas que fazem fronteira com o Brasil e são conhecidas por sua extensa cobertura florestal e dificuldade de acesso. Esses grupos possuem a capacidade de atuar como forças proxy, realizando ataques ou operações de sabotagem em nome da Venezuela, sem que haja um envolvimento direto das Forças Armadas Nacionais Bolivarianas (FANB).

Os laços entre o Hezbollah e a Venezuela têm se fortalecido ao longo dos anos, com atividades que incluem tráfico de drogas, armas, munições e lavagem de dinheiro para financiar operações terroristas. A colaboração entre o Hezbollah e as Forças Armadas Venezuelanas facilitam as ações do terrorismo religioso global e do narcoterrorismo na América Latina, facilitando operações no Brasil de organizações narcoterroristas como o Comando Vermelho e o PCC. Além disso, a expertise do Hezbollah em operações de inteligência e desestabilização social representam uma ameaça emergencial à estabilidade no extremo norte do Brasil.

Em 2018, o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos sancionou vários indivíduos venezuelanos ligados ao Hezbollah, ressaltando a preocupação internacional com a presença de grupos terroristas na América Latina. As redes de apoio logístico e financeiro do Hezbollah na Venezuela estão sendo utilizadas para planejar e executar operações narcoterroristas em território brasileiro e demais nações da América Latina, exacerbando a instabilidade regional, e elevando o nível da segurança pública no Brasil para uma escala de defesa nacional.

A combinação das capacidades de inteligência, o apoio de aliados poderosos e a presença de grupos radicais islâmicos confere à Venezuela um significativo real potencial de desestabilização na região da Calha Norte. As operações de inteligência incluem espionagem, coleta de informações sensíveis e campanhas de desinformação para influenciar a opinião pública e desestabilizar politicamente a região.

A Venezuela possui capacidade de usar sua inteligência para monitorar atividades militares brasileiras, identificar pontos fracos nas defesas da região e obter informações sobre a movimentação de tropas. Essa coleta de informações é facilitada pelo uso de satélites chineses e tecnologia de guerra cibernética russa. A espionagem normalmente é  realizada por agentes infiltrados, como transeuntes, empresários, pessoas em busca de ajuda humanitária e/ou por meio de interceptação de comunicações, utilizando tecnologias avançadas de vigilância.

Além disso, há relatos de que a Venezuela tem utilizado cidadãos venezuelanos que migraram para o Brasil como fontes de informação, infiltrando agentes disfarçados entre os migrantes. Essas redes de espionagem coletam dados sobre infraestrutura, logística militar e movimentações políticas, fornecendo uma base de dados robusta para futuras operações de desestabilização. (Nota DefesaNet – A legislação brasileira limita a análise de pedido de migração o que tem deixado a Polícia Federal fora da checagem dos pedidos via a Operação Acolhida que já internalizou mais de 500.000 venezuelanos)

Campanhas de desinformação já foram usadas para semear discordância e desconfiança entre as comunidades locais, minar a autoridade do governo brasileiro e criar um ambiente de instabilidade. A disseminação de notícias falsas e propaganda são realizadas através de redes sociais e outros meios de comunicação, influenciando a percepção pública e fomentando o caos. A utilização de bots e perfis falsos para amplificar mensagens subversivas é uma tática comum que pode ser empregada para dividir a população e enfraquecer a coesão social.

O uso de técnicas de manipulação psicológica e propaganda negra, onde informações falsas são apresentadas como provenientes de fontes confiáveis, pode criar confusão e desconfiança entre os cidadãos. Essas táticas foram observadas durante a crise política de 2017 na Venezuela, onde campanhas de desinformação visavam desestabilizar opositores e solidificar o controle do governo.

Operações de guerra assimétrica

Com o treinamento em guerra assimétrica fornecido pelo Irã, a Venezuela possui hoje capacidade plena de realizar operações encobertas para danificar infraestrutura crítica, como pontes, estradas e instalações de energia usando agentes de campo. Esses ataques podem ser realizados por forças paramilitares ou grupos radicais islâmicos atuando como proxies, dificultando a atribuição direta de responsabilidade ao governo venezuelano. A sabotagem pode incluir ataques a oleodutos, redes elétricas, rodovias e instalações de telecomunicações, paralisando setores essenciais da economia e prejudicando a segurança da população local.

Em 2019, ataques de sabotagem a instalações elétricas na Venezuela, atribuídos a grupos paramilitares, demonstraram a capacidade e a vontade de utilizar táticas de sabotagem em grande escala. Essas táticas podem facilmente ser adaptadas para atingir cidades importantes na Calha Norte, como Boa Vista, criando um ambiente de confusão e incerteza.

A Venezuela, ao longo dos anos, tem demonstrado uma capacidade notável para explorar divisões sociais e étnicas para atingir seus objetivos estratégicos, especialmente em regiões fronteiriças. Um exemplo relevante é o uso de grupos indígenas, como os Yanonami, para apoiar as Forças de Operações Especiais do Exército e da Marinha venezuelana. Essa ação não apenas utiliza a população local em funções de apoio, mas também promove uma maior influência sobre as comunidades indígenas.

Tropas da FANB (Fuerza Armada Nacional Bolivariana) operando tendo ao fundo o icônico Monte Roraima

A Venezuela tem explorado essas dinâmicas para desestabilizar áreas próximas às suas fronteiras, como a região de fronteira com o Brasil, incentivando grupos locais a se opor ao governo brasileiro. A infiltração de agentes venezuelanos tem sido uma tática utilizada para organizar, treinar e armar milícias locais. Através da mobilização de grupos indígenas e comunidades marginalizadas, e empregando uma retórica anti-governo, a Venezuela visa criar conflitos internos e gerar instabilidade na região.

À medida que o Brasil enfrenta a crescente ameaça que se materializa na Calha Norte, é imperativo que se distancie da complacência e encare com coragem a urgência de uma reformulação em sua política de defesa. A defesa nacional não deve ser vista como um mero exercício de força, mas como uma reafirmação do compromisso com a integridade e a soberania do país.

A Calha Norte não é um simples território a ser patrulhado, mas o palco onde se desenha a luta pela manutenção de nossa autoridade e respeito. Ignorar as ameaças que surgem é permitir que o próprio conceito de nação se esvazie diante da adversidade. Portanto, o Brasil deve adotar uma abordagem incisiva e estratégica, que não só contenha as ameaças iminentes, mas que também se erga como um bastião de resistência e resiliência, reafirmando com firmeza a sua posição no cenário global.

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