Coronel Márcio Carneiro Barbosa
No período de 24 a 28 de abril de 2017, uma comitiva do Secretariado das Nações Unidas, composta por integrantes do Departamento de Operações de Paz e do Departamento de Apoio às Operações, conduziu, no Brasil, a Visita de Avaliação e Assessoramento (Assessment and Advisory Visit /AAV), a fim de avaliar o estado de prontidão operacional, no âmbito do Comando do Exército, do Batalhão de Infantaria de Força de Paz (BI F Paz).
O objetivo da AAV (sigla em inglês) foi verificar, in loco, o adestramento da tropa, a disponibilidade (quantidade e qualidade) de materiais e equipamentos (major equipment e self-sustainment), o processo de seleção, capacitação e treinamento dos recursos humanos do BI F Paz, dentre outros assuntos. Naquela ocasião, o estado final desejado era demonstrar para o Secretariado da ONU a capacidade operacional daquela tropa de ser elevada ao nível II do Sistema de Prontidão de Capacidades de Manutenção da Paz das Nações Unidas (UNPCRS, sigla em inglês).
Fruto de uma AAV exitosa, além de unidades aéreas do Comando da Aeronáutica e do Hospital de Campanha (conjunto), o Secretariado das Nações Unidas elevou o BI F Paz, naquele momento o 26º Contingente do Batalhão Brasileiro na Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (MINUSTAH), ao nível II do UNPCRS.
Em 2020, o Comando do Exército, por intermédio do Ministério da Defesa, ofertou ao UNPCRS (nível I) um Batalhão de Infantaria de Força de Paz (mecanizado) [BI F Paz (Mec)], uma Companhia de Ação Rápida (QRF, sigla em inglês), orgânicos da 15ª Brigada de Infantaria Mecanizada e uma Companhia de Engenharia de Força de Paz (Cia E F Paz), orgânica do 4º Grupamento de Engenharia, com a finalidade de, mediante nova avaliação do Secretariado da ONU, elevá-los ao nível II do UNPCRS. Desta forma, após quatro anos da última AAV, integrantes do Departamento de Operações de Paz e do Departamento de Apoio às Operações conduzirão nova AAV, no Brasil, de 11 a 17 de julho de 2021, para concluir sobre a elevação daquelas tropas ao nível II do UNPCRS.
Os objetivos da visita são os mesmos de 2017: prontidão operacional, recursos humanos, materiais e equipamentos, treinamento, dentre outros. Como informação, tropas no nível II do UNPCRS é a condição mínima que permite à ONU consultar e convidar, oportunamente, Estados-membros para desdobrar tropas nas missões de paz. Os níveis seguintes do UNPCRS são o nível III e o nível de desdobramento rápido (RDL, sigla em inglês).
Assim, o presente artigo tem o propósito de apresentar o treinamento para a AAV, no qual o COTER, Órgão de Direção Operacional, e o DEC, Órgão de Direção Setorial da Força Terrestre, participaram dos planejamentos, da supervisão, da coordenação e da preparação do BI F Paz (Mec), da QRF e da Cia E F Paz. Com o intuito de conduzir os treinamentos das tropas ofertadas no nível I do UNPCRS, coube ao Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil (CCOPAB), sob a coordenação do COTER e do DEC, a realização de capacitações dos contingentes supramencionados.
O CCOPAB – Centro Sergio Vieira de Mello – é o estabelecimento de ensino subordinado à Diretoria de Educação Técnica Militar com a missão de apoiar a preparação de militares, de policiais e de civis brasileiros e de nações amigas para missões de paz e desminagem humanitária, buscando constantemente ser referência internacional na promoção da excelência do preparo de recursos humanos nas missões definidas em sua criação.
Desde 2005, ainda como Centro de Instrução de Operações de Paz (CI Op Paz), o CCOPAB consolidou uma expertise de treinamento de tropa que ficou consubstanciada em uma Arquitetura de Treinamento, amplamente empregada nos diversos contingentes do BI F Paz e da Cia E F Paz na MINUSTAH. Passados quatro anos do último desdobramento de tropas (2017), o CCOPAB novamente emprega essa arquitetura para proporcionar ao BI F Paz (Mec), à QRF e à Cia E F Paz as melhores condições de treinamento antes do desdobramento (Pre-deployment Training).
Antecedendo a esta nova AAV ONU (2021), à semelhança dos treinamentos conduzidos à época da MINUSTAH, coube ao CCOPAB o rigoroso cumprimento dos três pilares da preparação de contingentes para as missões de paz: Treinamento – Avaliação – Certificação.
A Arquitetura de Treinamento (Figura 1) consiste em uma sequência de etapas de treinamento e instruções que culmina com a realização de exercícios no terreno de modo a certificar que as tropas alcançaram as capacidades operacionais e a prontidão requeridas pelo Secretariado da ONU.
Com a decisão do COTER e do DEC de ofertar aquelas tropas no UNPCRS, o CCOPAB, em ligação com a 15ª Brigada de Infantaria Mecanizada e o 4º Grupamento de Engenharia, conduziu uma série de instruções, contribuindo para a eficiência operacional e a consolidação doutrinária relacionada às Operações de Manutenção da Paz de ONU, denominada Conceito AZUL.
O detalhamento dessas atividades de ensino e de instrução foi definido pelo ODOp de acordo com a Diretriz de Preparação do BI F Paz (Mec) e da QRF, de 24 de setembro de 2020, cabendo à Divisão de Missões de Paz, Aviação / Inspetoria Geral das Polícias Militares (IGPM) a responsabilidade por supervisionar e coordenar o processo de treinamento dos contingentes antes do desdobramento (PDT, sigla em inglês).
Por sua vez, o DEC emitiu a Diretriz de Preparação da Cia E F Paz, de 26 de dezembro de 2020, especificando todas as medidas a serem tomadas para a preparação e capacitação daquela subunidade. Foi a partir dessas diretrizes de preparação, que o CCOPAB desenvolveu a Arquitetura de Treinamento (treinamento, avaliação e certificação), conforme a seguir: Primeiro, em dezembro de 2020, foi realizado, centralizadamente, o Estágio de Preparação para Comandantes e Estado-Maior (EPCOEM) do BI F Paz (Mec), da QRF e da Cia E F Paz, com instruções previstas na grade curricular do Departamento de Operações de Paz da ONU (Core Pre-Deployment Training Material/CPTM).
Em seguida, no final de janeiro e início de fevereiro de 2021, o CCOPAB conduziu o Estágio de Preparação de Comandantes de Subunidades e Pelotão (EPCOSUPEL), também de forma centralizada, ocasião em que os integrantes do BI F Paz (Mec), da QRF e da Cia E F Paz, além de aprender o CPTM, tiveram instruções das principais concepções doutrinárias necessárias às missões de paz, tais como regras de engajamento (ROE, sigla em inglês), escolta de comboio, estabelecimento de base operacional, patrulhas a pé e motorizada, dentre outros assuntos.
A realização do EPCOEM e do EPCOSUPEL consolidou o nível I de aprendizado da Arquitetura de Treinamento. Posteriormente às instruções de nível I, aqueles militares que participaram do EPCOSUPEL transmitiram (multiplicaram) os conhecimentos aprendidos no âmbito de suas frações mediante treinamentos descentralizados, caracterizando o nível II da Arquitetura de Treinamento.
Ainda na fase das instruções descentralizadas, seja nas instalações de ensino no Rio de Janeiro-RJ, seja por Equipes Móveis de Treinamento (EMT), o CCOPAB conduziu, também sob a coordenação e supervisão do COTER, estágios temáticos em benefício do BI F Paz (Mec), da QRF e da Cia E F Paz, conforme a seguir:
1) Estágio de Proteção de Civis (CPoC, sigla em inglês)
Teve o objetivo de preparar militares para exercerem funções relacionadas à sistemática de Proteção de Civis no âmbito das Operações de Manutenção da Paz da ONU. A atividade foi desenvolvida em duas fases: na primeira, foram abordados temas do CPTM. Na segunda, assuntos do Specialised Training Material/STM.
2) Estágio de Coordenação Civil-Militar (CIMIC, sigla em inglês)
Foram realizados dois estágios pelo CCOPAB, obedecendo a carga curricular e a doutrina CIMIC do Departamento de Operações de Paz da ONU (CPTM e STM), permitindo aos participantes exercer funções relacionadas ao Sistema de Assuntos Civis da Organização das Nações Unidas (ONU) e simulando interação em um ambiente multidimensional, característico das operações de paz.
3) Estágio de Logística e Reembolso em Missões de Paz
Permitiu capacitar recursos humanos para o desempenho de funções de administração, logística e reembolso no âmbito das Operações de Manutenção da Paz da ONU. Como destaque do processo de ensino-aprendizagem, foram explorados os conceitos e procedimentos atualizados do Contingent Owned Equipment (COE Manual, 2020), do Departamento de Apoio às Operações, do Secretariado das Nações Unidas.
4) Estágio do Pelotão de Engajamento
O Estágio foi planejado e concebido conjuntamente entre a Divisão de Missão de Paz do Comando de Operações Terrestres (COTER) e o CCOPAB em duas fases, compreendendo temas do CPTM e do STM.
A concepção geral do estágio obedeceu rigorosamente à doutrina do Departamento de Operações de Paz, permitindo a participação efetiva do componente feminino nas missões de paz de acordo com a Agenda Mulheres, Paz e Segurança do Secretariado das Nações Unidas (WPS, sigla em inglês). Fizeram parte do estágio 18 militares compondo o Mixed Engagement Platoon, orgânico do BI F Paz (Mec).
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(Foto 1) |
O estágio, realizado de forma pioneira e inédita, permitiu a construção de competências e habilidades características dessa fração quando desdobrada em operações de paz das Nações Unidas. Por fim, as etapas finais da Arquitetura de Treinamento são a execução do Exercício Básico de Operações de Paz (EBOP) e do Exercício Avançado de Operações de Paz (EAOP).
Ambos os exercícios foram/serão conduzidos em campos de instrução e/ou áreas urbanas de Cascavel (PR), em proveito do BI F Paz (Mec) e da QRF, e em São Gabriel (RS), em proveito da Cia E F Paz.
Enquanto o EBOP priorizou o Conceito VERDE, com a imprescindível participação do Centro de Adestramento-Leste (Rio de Janeiro-RJ) e do Centro de Adestramento-Sul (Santa Maria-RS), o EAOP, com a participação do CCOPAB, consolidou/consolidará, simultaneamente, os Conceitos VERDE e AZUL, ocasião em que o BI F Paz (Mec), a QRF e a Cia E F Paz serão avaliados em tarefas e missões necessárias para o cumprimento do mandato de missões de paz.
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(Foto 2) |
A vinda do Secretariado da ONU, por ocasião da próxima Visita de Avaliação e Assessoramento, reveste-se de grande importância para a Força Terrestre, pois será outra oportunidade para demonstrar a capacidade operacional, o estado de prontidão das tropas selecionadas no nível I do UNPCRS, o elevado profissionalismo do Soldado da Paz do Exército Brasileiro, dentre outras competências. Adicionalmente, ratifica a contínua participação do Brasil como importante País Contribuinte de Tropa no Sistema ONU.