Tenente-Coronel Maurício Gröhs
Sim, nós pintamos o meio-fio! E também engraxamos nossos coturnos. Sim, nós cortamos a grama! E também temos nossos cabelos cortados. Nós prezamos pela ordem em desfavor do caos. “Deixe sua casa em perfeita ordem antes de criticar o mundo”, defende o pensador canadense Jordan B. Peterson 1.
O belo está se perdendo na sociedade contemporânea, em todos os aspectos da cultura. Nas esculturas, na música, na arquitetura, na aparência e na comunicação. Na conduta, princípios basilares de convivência social são constantemente relativizados.
O Exército Brasileiro é uma instituição conservadora. Mas isso não significa que seja rígida ao ponto de ser estática. A instituição moderniza-se constantemente; como por exemplo: o Projeto Estratégico Cobra, com substituição dos Fuzis 7,62 M964 pelos Fuzis IMBEL IA2; o Programa Estratégico Forças Blindadas, com aquisição de viaturas blindadas (VBTP GUARANI e LMV, da Iveco Veículos de Defesa), equipadas com tecnológicos sistemas de comando e controle e de armas remotamente controladas (torres REMAX). Ambos fomentam a inovação no país e contribuem para o fortalecimento da dissuasão.
Há evolução também na dimensão humana. Neste aspecto, merece destaque o recente ingresso das mulheres na linha de ensino militar bélico do Exército Brasileiro. Em 2018, a Escola de Sargentos de Logística formou as primeiras Sargentos de carreira de Intendência e de Material Bélico. Em 2021, a Academia Militar das Agulhas Negras formou as primeiras Aspirantes a Oficial dessas especialidades.
Há sempre aquelas regras que mudam. Pense na seguinte imagem: um militar fardado, de guarda-chuva e mochila (preta) nas costas. Uma transgressão disciplinar clara nos anos 2000, mas não nos dias atuais.
Estes exemplos servem para ilustrar que ser conservador não significa ser contra mudanças. Significa, sim, conservar “um conjunto de valores, deveres e princípios de ética que são referenciais fixos, imutáveis e universais” 2, em meio às mudanças necessárias face a evoluções de cenários do mundo volátil, incerto, complexo e ambíguo 3 que vivemos.
Os valores, os deveres e a ética militar devem constituir uma base imutável, ou seja, não podem ser relativizados. O Vade-Mécum 10 de Cerimonial Militar do Exército é claro quanto a isso e reforça o argumento, lembrando que estes elementos basilares devem pautar a vida do militar, como cidadão e como soldado 4. Não pode haver uma dupla personalidade!
Integridade. Palavra com muito significado. Tomando como referência Stephen R. Covey, integridade pode ser definida como a capacidade de assumir compromissos e honrá-los, vivendo com base em princípios imutáveis e universais 5.
Todos nós, militares, devemos honrar o compromisso do soldado 6. Devemos optar pela ordem, devemos voltar nossas ações para manutenção da integridade pessoal, da instituição e da Pátria. E trabalhamos diariamente para que o caos de valores não se transforme em nosso “novo normal”, para que não haja relativização de valores.
Imagine a seguinte situação hipotética: “Ah, mas o militar só pegou uma farda que não era dele. Ele será excluído ‘a bem da disciplina’ só por isso?” Poderiam ser descritos aqui, longamente, os fundamentos dessa decisão que, para alguns “desatentos”, poderia parecer drástica.
Mas foquemos apenas em algo escrito há muito tempo e ainda válido: “Quem é fiel no pouco, também é fiel no muito. Quem é desonesto no pouco, também é desonesto no muito” (Lucas 16:10-11) 7. Não pode haver relativização!
É dever militar zelar pelo patrimônio público de que dispomos para cumprir nossa missão. Mas, além disso, o meio-fio pintado e a grama cortada fazem parte do nosso “deixar a casa em perfeita ordem”, visto que transmitem “significados e valores que nos são relevantes e que desejamos conscientemente expressar” 8.
Assim como cuidamos de nosso patrimônio, devemos sempre fortalecer a dimensão humana da Força Terrestre. É nosso dever prezar pela ordem, prezar por valores centenários, historicamente defendidos por nossos heróis, representados principalmente pelos patronos (estando Duque de Caxias no pináculo desta nobre galeria).
É assim que tem que ser. Precisamos ser a ordem em meio ao caos.
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1 PETERSON, Jordan B. 12 regras para a vida: um antídoto para o caos. Rio de Janeiro: Alta Books, 2018.
2 Plano de Integridade do Exército Brasileiro. 1ª Ed. Brasília/DF, 2018.
3 Ver: O Mundo em Acrônimos e a Comunicação Estratégica do Exército. Disponível em: https://eblog.eb.mil.br/index.php/menu-easyblog/o-mundo-em-acronimos-e-a-comunicacao-estrategica-do-exercito.html#:~:text=A%20prop%C3%B3sito%20do%20uso%20deste,disponibilizado%20na%20Era%20do%20Conhecimento. Acesso em 17 Maio 23.
4 Vade-Mécum de Cerimonial Militar do Exército – Valores, Deveres e Ética Militares. 2ª Ed. Brasília/DF, 2016.
5 COVEY, Stephen R. Os 7 Hábitos das Pessoas Altamente Eficazes. 99ª Ed. Rio de Janeiro: Best Seller, 2022.
6 Descrito no Regulamento de Continências, Honras, Sinais de Respeito e Cerimonial Militar das Forças Armadas. Brasília/DF, 2022.
7 BÍBLIA. Bíblia King James 1611. 5ª Edição. Niterói: BV Books, 2021
8 SCRUTON, Roger. Beleza. São Paulo: É Realizações, 2013.
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Sobre o autor:
Tenente-Coronel Maurício Gröhs – Atualmente, o Tenente-Coronel Maurício Gröhs é Chefe do 4º Depósito de Suprimento. Mestre pelo Instituto Meira Mattos da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, com o tema de pesquisa “Formulação da Política de Defesa Nacional” (2019-2020). Atuou na Operação Covid-19, coordenando com Defesa Civil e Secretarias do Governo do Rio Grande do Sul a distribuição de medicamentos, cestas básicas e agasalhos à população (2021). Atuou na Operação Acolhida, coordenando com agências da ONU a interiorização de venezuelanos no Rio Grande do Sul (2021). Foi um dos idealizadores do projeto-piloto “EaD Sem Tutoria” para Agentes da Administração na 3ª ICFEx (2018), modelo atualmente adotado pelo Instituto de Economia e Finanças da Secretaria de Economia e Finanças do Exército (IEFEx/SEF).