Marcos Ommati
Aos 93 anos de idade, o Major-Brigadeiro Rui Barbosa Moreira Lima é um dos três únicos brasileiros pilotos de caça veteranos da II Guerra Mundial ainda vivo e atuante. Piloto militar de caça por profissão, recebeu altas condecorações e serviu como comandante da Base Aérea de Santa Cruz, no Rio de Janeiro, entre agosto de 1962 e abril de 1964, quando foi cassado pelo governo militar que assumiu o controle do país naquele mesmo ano.
Ele vem tentando obter a anistia ampla desde então, mas não foi bem-sucedido. Foi também o autor de diversos trabalhos sobre aviação e os membros de seu grupo de pilotos de caça, sendo o mais famoso intitulado Senta a Pua!, memórias de seus dias de combate no teatro de operações na Itália. Em maio de 2012, o Major-Brigadeiro Rui Moreira Lima compartilhou com Diálogo algumas de suas histórias.
Nos círculos militares, é comum ouvir-se dizer que os pilotos de caça são “diferentes”. Esta declaração parece ajustar-se ao Major-Brigadeiro Rui Moreira Lima como uma luva, a começar por seu nome de guerra. Embora seja filho de um desembargador de uma família importante no Brasil, ele preferiu ficar conhecido simplesmente como Rui.
Este era o nome que ele usava no uniforme como segundo-tenente aviador quando comandou 94 missões a bordo de um Thunderbolt P-47, a maior parte do tempo sob fogo intenso da artilharia alemã, durante os oito meses da participação do Brasil na II Guerra Mundial. Entre outubro de 1944 e maio de 1945, o 1º Grupo de Caça brasileiro, criado especificamente para o combate na Itália, cumpriu um total de 445 missões.
A propósito, o Brasil foi o único país sul-americano a enviar tropas para a Europa em apoio aos Aliados. “Nossa maior preocupação era, basicamente, a de cumprir a missão. Mas era complicado, para não dizer outra coisa! Você ficava quase três horas debaixo de pau, não tinha lugar em que passasse e que não recebesse chumbo grosso”, disse o Major-Brigadeiro Rui, um dos poucos membros ainda vivos da Força Expedicionária Brasileira (FEB).
A FEB era constituída por voluntários, principalmente cadetes recém-formados pela Escola de Treinamento para Oficiais do Exército Brasileiro, porque a Força Aérea ainda não existia. “O Brasil entrou na II Guerra Mundial devido ao bombardeamento de alguns de seus navios, na própria costa brasileira. Em dezembro de 1943 foi criado o Grupo de Caça. Nós entramos na guerra com 22 pilotos e, obviamente, não tínhamos nenhuma experiência nisso.
O importante de ressaltar aqui é que os americanos foram os que venderam os aviões para o Brasil e nós escolhemos o P-47”, disse o major-brigadeiro. Ao todo, 47 pilotos brasileiros participaram de pelo menos uma missão durante a guerra. No final, houve cinco prisioneiros e cinco baixas em combate.
A inexperiência dos pilotos brasileiros era compensada por sua dedicação e desejo de vencer e honrar o nome de seu país no exterior. “Eu nunca consultei um mapa; tinha o mapa da Itália todinho na cabeça. Bem, eu e todos os outros. Havia colegas que eram chamados até de pombo-correio, porque sabiam mais do que o próprio mapa”, disse o Major-Brigadeiro Rui com os olhos marejados ao recordar aqueles dias.
“A minha primeira missão foi no dia 6 de novembro de 1944. Eu já era casado. Minha mulher estava grávida, e tinha dias em que eu escrevia até três cartas para ela. Mas como eu já disse, nossa preocupação principal, basicamente, era a de cumprir a missão. Eu fiz 94 missões, e fui atingido nove vezes. Mas não era um tiro só não. Uma vez foram 57 furos no avião, sendo que eu tinha levado um tiro na asa, e a máquina ficou bastante prejudicada. Era 29 de abril. Quase morri”, lembrou ele.
No entanto, Rui não consegue apontar uma missão específica como sendo a principal. Para ele, todas foram importantes, especialmente aquelas onde os pilotos correram maior risco de morte. “Nós nos arriscávamos muito, e um tenente sabe que cada bomba que solta, e cada tiro que dá, está contribuindo para diminuir o tempo de guerra. Isso nos deu uma consciência muito grande”, disse ele.
O major-brigadeiro recorda que estava em campo no momento em que a guerra terminou. O anúncio foi feito três vezes consecutivas pelos alto-falantes. “No início houve um silêncio… mas depois foi muita, muita gritaria”, lembra ele. “Houve muito choro, muitas lágrimas foram derramadas naquele dia. O fim da guerra foi uma coisa fantástica. Mas logo em seguida você tem a certeza de que, na verdade, é uma covardia. Eu fui para a estrada ver os prisioneiros passando, e não tinha fim. Tinha criança, velho, tinha de tudo ali. E eu disse: ‘Poxa, a gente estava matando esses caras… e hoje estamos dando cigarro para eles”’.
O Brasil tem atualmente cerca de 1.400 pilotos de caça, não mais nos mesmos moldes do Grupo de Caça, e sim de acordo com a doutrina eventualmente estabelecida. “Os caçadores hoje surpreendem pelo preparo profissional, sendo capazes de pilotar qualquer avião de caça. Eu sinto neles uma vontade enorme de defender o Brasil. E a FEB teve uma influência enorme nisso. Quando regressamos vitoriosos da Itália, eu acho que isso foi a pá de cal que tirou o presidente Getúlio Vargas da ditadura e implantou a democracia no Brasil”, concluiu.
O Thunderbolt P-47
Esses aviões eram denominados Jugs por lembrarem uma jarra (jug, em inglês). Eram muito pesados, saíam do chão com dificuldade, mas eram também difíceis de serem abatidos quando estavam em uma missão no ar. No entanto, apesar do peso, estavam entre os caças de pistão mais velozes da II Guerra Mundial.
Foi devido a sua inigualável capacidade de suportar o fogo inimigo, no entanto, que o Thunderbolt tornou-se famoso. Houve casos de P-47 que retornaram com apenas uma asa intacta e ainda conseguiram pousar, taxiar e parar suavemente na pista.
Como disse uma vez o Coronel Hubert “Hub” Zemke, comandante do histórico 56º Grupo de Caça das Forças Aéreas do Exército dos EUA:
“Se você quisesse mandar uma foto para sua namorada, sentava-se no cokpit de um Mustang P-51. Se quisesse sobreviver em combate, usava um Thunderbolt P-47.”