Rodrigo Pereira
O Canadá assinou, em junho de 2013, com o governo brasileiro, um memorando de entendimento que estipulava que as tropas canadenses ajudariam na manutenção da paz do Haiti.
No total, foram enviados ao Haiti 39 militares canadenses, sendo cinco alocados ao Estado-Maior da MINUSTAH e os 34 restantes, oriundos da 5ª Brigada Mecanizada Canadense, do 22º Regimento Real do Exército, acabaram fazendo parte do 4º Pelotão da 4ª Companhia de Fuzileiros da Força de Paz do Batalhão Brasileiro, conhecido com BRABATT.
A participação das forças canadenses na MINUSTAH é conhecida como Operação HAMLET 13. Operando incorporado ao BRABATT, o pelotão canadense tem o intuito de apoiar o mandato da MINUSTAH através de patrulhas mecanizadas ou a pé, segurança das instalações e dos comboios da Força de Paz, apoio logístico, operações de cooperação cívico-militar, entre outras tarefas.
Ao acompanhar uma patrulha realizada pelos militares canadenses no Haiti, aproveitei para fazer a entrevista que o leitor verá a seguir com o Major Frederic Harvey, comandante da Operação HAMLET 13. Em perfeito português, ele falou sobre os maiores desafios enfrentados pela tropa e o convívio com os brasileiros e haitianos.
Rodrigo Pereira – De soldados a pacificadores, qual foi a maior mudança sentida?
Major Frederic Harvey, comandante da OP HAMLET 13 – A grande mudança foi com relação à doutrina de combate dos nossos militares. O Haiti não possui um inimigo. Faz dez anos que treinamos para operações de combate no Afeganistão, com a ideia de que vai ter um inimigo à frente, quais são os modus operandi desse inimigo, como reagir em caso de ataque e em caso de emboscada.
Aqui no Haiti isso não ocorre. Não existe um inimigo, mas sim forças adversas, como o clima, a mancha criminal, o crime organizado, ou seja, forças que agem com ou sem a nossa presença.
Rodrigo Pereira – Como foi tomada a decisão do Canadá em apoiar a MINUSTAH?
Maj Harvey – A decisão não foi somente de colocar tropas canadenses com o Exército Brasileiro. O Canadá precisava abrir portas econômicas e diplomáticas com o Brasil. A política canadense, chamada de Política das Américas, é de estabelecer contatos econômicos e políticos o mais forte possível com todos os países do continente.
Por isso, na ocasião, foi percebida a possibilidade de estabelecer uma abertura no campo militar, participando da MINUSTAH. Nesse sentido, o Haiti foi o meio que o Canadá encontrou para atingir o objetivo político. O Canadá já participou muitas vezes de missões no Haiti. Em 1996, por exemplo, tivemos a primeira missão. Voltamos em 2003/2004 antes da criação da MINUSTAH e em 2010 ajudamos nas operações após o terremoto.
O Canadá possui o maior grupo de imigrantes haitianos do mundo, aproximadamente 300 mil. Nesse sentido, com certeza o Haiti tem uma importância política significativa para o povo canadense. Em uma população de 30 milhões, 300 mil haitianos é uma minoria importante. Além disso, temos que considerar que a nossa relação com o Haiti é muito antiga. Nesse sentido, com esses dados é fácil de entender que todos esses elementos foram positivos para a criação de uma missão em conjunto com o Brasil.
Rodrigo Pereira – A quem os militares canadenses se reportam no Haiti?
Maj Harvey – Nós nos reportamos à cadeia de comando brasileira. Possuímos uma cadeia de comando canadense, mas ela é basicamente para fins administrativos e burocráticos, como pagamentos dos militares. Operativamente, todas as nossas missões e tarefas são passadas pela cadeia de comando brasileira.
Rodrigo Pereira – Qual é o objetivo do soldado canadense no Haiti?
Maj Harvey – De forma geral, é a mesma missão dos soldados brasileiros, ou seja, criar e manter o ambiente seguro e estável aqui no Haiti. Isso passa pelo patrulhamento constante das áreas de operação, campos de refugiados, fiscalização de avenidas de grande fluxo. Um ponto forte dos soldados canadenses é a língua francesa.
Fica mais fácil para nós nos comunicarmos junto à população haitiana. Por isso nós temos um papel muito relevante, que é o de coletar informações de inteligência no terreno.
Rodrigo Pereira – Como é trabalhar com as tropas brasileiras?
Maj Harvey – É muito fácil. O brasileiro é um povo miscigenado. Todas as culturas foram colocadas em uma única “sopa brasileira”. Por isso é fácil para nós nos integrarmos e ter relações amigas com um povo que não tem uma cultura de enfrentamento. O soldado brasileiro tem uma capacidade de empatia enorme. Por isso a integração foi como com qualquer outra arma do Exército canadense. Rodrigo
Pereira – Qual o maior desafio aqui?
Maj Harvey – Um dos maiores desafios é a língua portuguesa. Um desafio que não vamos conseguir transpor daqui até o fim da missão. Infelizmente os nossos soldados não receberam uma formação linguística, diferentemente dos oficiais. Por isso é mais fácil para nós (oficiais) enfrentar o desafio de aprender português.
Outros aspectos são as particularidades de cada exército que são diferentes, como o código de conduta, o treinamento físico, esses são alguns exemplos das diferenças organizacionais que devemos trabalhar. Essas diferenças existem, e foi um desafio fazer com que a tropa canadense entendesse as regras brasileiras, mas nada que ameaçasse o cumprimento da missão.