Gen Ex Tomás o Presidente Lula e demais comandantes no Dia do Exército Brasileiro 19 Abril 2023 – Foto Planalto
Para general Tomás, governo Bolsonaro mudou percepção da opinião pública sobre a caserna. ‘Se o militar quer ser político, que mude de profissão’
Em sua primeira entrevista exclusiva desde que assumiu o cargo em 21 de janeiro, o comandante do Exército, general Tomás Ribeiro Paiva, afirmou que quer ver a política longe dos quartéis. Posicionou-se absolutamente contra afiliação política e a candidatura a cargos eletivos de militares. Disse não ter nada contra quem se candidata. “Mas se o camarada quer ser político, que mude de profissão”.
O general afirmou que no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) a participação de militares da reserva e da ativa na administração mudou apercepção da opinião pública sobre a caserna. Entre os generais que participaram do governo estavam Luiz Eduardo Ramos, que saiu direto do Comando Militar do Sudeste para a Secretaria de Governo, e Walter Braga Netto, que saltou do Estado Maior do Exército para a chefia da Casa Civil. Em 2022, Braga Netto foi candidato a vice na chapa derrotada de Bolsonaro à reeleição. O general Eduardo Pazuello, atual deputado federal pelo PL fluminense, foi ministro da Saúde antes de ir para a reserva. Paiva diz claramente que esse tempo passou. “Além de sermos apolíticos, temos que passar essa percepção exata de que política é fora dos quartéis. Isso foi muito misturado e, por isso, se criou essa percepção. Mas nós, não. Nós somos apolíticos e temos que passar essa percepção exata de que a política é fora dos quartéis”, afirmou. O general Paiva disse que um dos principais trabalhos que terá de ser feito é o restabelecimento da confiança no Exército. “Não que ela tenha sido perdida, mas falar menos e agir mais, além de olhar para dentro —para as necessidades dos homens e mulheres que compõem a força —e estar presente em todos os pontos, investir nos projetos estratégicos para construir um Exército com mais tecnologia, capacidade dissuasória, melhorando o cumprimento de nossas funções constitucionais”.
O Gen Tomás recebeu o Valor no Palácio Duque de Caxias, na região central do Rio de Janeiro, acompanhado por sua equipe de comunicação. O general observou que não faz sentido a discussão sobre o Artigo 142 da Constituição porque não há nada no texto que enseje um poder moderador que seria exercido pelas Forças Armadas. “Não existe isso. Quem interpreta a Constituição aqui no Brasil é o STF, ele é o guardião da Constituição. Esse papel está bem definido. Nós não temos dúvida disso e os Poderes no Brasil também não precisam de poder moderador porque nós temos um sistema de freios e contrapesos que se modulam e se acertam. Esse é o sistema democrático.” A seguir, trechos da entrevista:
Valor: O Artigo 142 da Constituição provocou muita polêmica no governo passado. Ele precisa ser revisto?
General Tomás Ribeiro Paiva: Em todos os países as Forças Armadas são instituições de Estado, permanentes. No nosso caso, não temos dúvidas de nossa missão constitucional. Ela é uma missão que foi escrita no texto da Constituição de1988 e, desde lá, até hoje, sempre foi bem cumprida. Destinam-se à defesa da pátria. Hoje o principal papel é a dissuasão, ter Forças Armadas capazes, eficazes, com papel efetivo de combate que impeçam que alguém tenha a ambição de ameaçar a soberania de outro país. Esse papel tem sido bem exercido.
Valor: Mas houve uma discussão recente de que a garantia dos Poderes constitucionais poderia ser algo que ensejasse um poder moderador.
Tomás: Não existe isso. Quem interpreta a Constituição aqui no Brasil é o Supremo Tribunal Federal, ele é o guardião da Constituição. Esse papel está bem definido. Nós não temos dúvida disso. Garantir os Poderes constitucionais significa você permitir o livre exercício dos Poderes que são harmônicos e independentes. Poder moderador tinha na Constituição de1824, do imperador. Agora, temos a garantia da Lei e da Ordem (GLO), que foi uma ferramenta muito utilizada, desde 1985, várias vezes, em diversos governos, de ofício. Nunca um comandante do Exército determinou, sempre foi por determinação de um dos Poderes e por iniciativa do presidente da República. “Não é comandante do Exército que define que crime deve ser julgado onde. Quem define é a Justiça”
Valor: Então o entendimento do texto constitucional é fácil?
Tomás: É fácil, o texto está bem escrito. Acredito que nós não temos dúvida sobre ele. É uma ferramenta que ajuda o Estado brasileiro a resolver eventuais problemas que possa vir a ter. Além disso, o Exército Brasileiro cumpre as missões constitucionais baseadas em lei complementar. O Exército dos Estados Unidos jura a Constituição, a gente jura a bandeira. Mas nós temos um compromisso perene com a Constituição que é total. Isso vou falar na minha ordem do dia amanhã[esta quarta-feira, dia 19]. Os Poderes no Brasil também não precisam de poder moderador, porque nós temos um sistema de freios e contrapesos que se modulam e se acertam. Esse é o sistema democrático. E a nossa democracia, de 1985 até hoje, tem dado exemplos de que tem sido capaz de superar suas crises com esse sistema de freios e contrapesos. Respeito as opiniões diferentes. Se em algum momento nós formos chamados para participarmos da discussão, vamos nos pronunciar.
Valor: Essa parece que não era a interpretação do governo passado, que sempre tinha essa discussão e volta a essa ideia…
Tomás: A interpretação do STF foi clara e deixou claro de que isso não existia.
Valor: Durante o governo passado falou-se muito e se ameaçava com uma intervenção militar. Que intervenção seria essa? Haveria alguma condição no Brasil para isso?
Paiva: Não há nenhuma condição no Brasil para intervenção militar. Por quê? Porque isso não está previsto na Constituição. Todos nós temos que ser obedientes à Constituição. Então é simples. Não existe a intervenção porque ela não está na Constituição. Em hipótese alguma. Agente tem que se comunicar por atitudes. E nesse momento que a gente viveu, que foi o momento das manifestações na frente dos quartéis, que não cabia a nós dizer se era legal ou ilegal, porque quem diz é a Justiça. Agora tem a ordem de que as manifestações não podem ocorrer em frente às áreas militares. Não houve nenhuma atitude de apoio do pessoal de entro dos quartéis de apoio ou interferência. Houve uma separação. E oqu e eles estavam pedindo, a intervenção militar não se podia fazer. Era inexequível. Nós mantivemos nossa atividade normal nos quartéis.
Valor: Já são 80 militares ouvidos nas investigações sobre o8de janeiro…
Tomás: Colaborar com as investigações é dever de todo cidadão. Não existe nenhum problema com isso. É dever de todo cidadão civil ou militar. Não é comandante do Exército quem define que crime deve ser julgado onde. Quem define é a Justiça. Crimes comuns são julgados na Justiça comum. Crimes militares, na Justiça Militar .Tem uma tipificação. Oque cabe ao comandante do Exército é apurar a responsabilidade administrativa de agentes do Estado que estejam sob meu comando e que tenham atuado de maneira errada. Mas para isso, eu preciso, em tese, que tenham terminado as investigações na Justiça. Quando em um determinado tema há uma suspeição de crime, o rito é normal. Pode ser um inquérito policial militar, o juiz faz denúncia. Quem participou dos atos inaceitáveis destruiu o patrimônio, civil ou militar. Isso é crime comum.
Valor: Como reverter a politização das Forças Armadas?
Tomás: O que tratamos é de uma percepção de politização das Forças Armadas… Mas como é que vamos demonstrar? Agente tem que demonstrar através de atitudes e ações que não é isso. Nós tivemos alguns militares da ativa e da reserva que participaram do governo, é verdade. Se fizer uma análise, da ativa até foram poucos. Mas muitos da reserva. Terminou o tempo dele, não tem mais esse compromisso. Agora, o cara da ativa, não. Há iniciativas do Ministério da Defesa que estamos apoiando que a participação militar na política não é adequada porque nossa carreira é de dedicação exclusiva. Implica um compromisso, 24 horas, em atividade, essa é nossa realidade. Há dentro do estatuto dos militares uma possibilidade do cara da ativa que quer concorrer a um cargo eletivo. Ele pede uma licença, ele sai, concorre e senão for eleito, ele volta. Nossa proposta é que isso acabe. Se ele não ganhar, ele pede demissão. Não é nada nosso contra apolítica. Apolítica é uma atividade fundamental, importante, sensível, agente precisa que seja bem exercida o Brasil, até porque apolítica nos comanda e está sempre acima das Forças militares. Mas agente entende que não há como conciliar esse retorno da vida política com anormalidade da vida castrense. Até porque são poucas as pessoas que saem e são poucas as pessoas que se elegem. Se o camarada[militar] quer ser político, não tenho nada contra, mas ele que mude de profissão. As duas atividades não combinam. Não faz bem ao Exército se essa pessoa volta, filiada a um partido com um grupo de influência etc. São coisas separadas.
Valor: Isso foi muito misturado no governo passado?
Tomás: Sim e foi isso que passou a percepção de politização das Forças.
Valor: Mas não houve essa politização no governo Bolsonaro?
Tomás: Sim, mas nós somos apolíticos. Além de sermos apolíticos, temos que passar essa percepção exata de que política é fora dos quartéis.
Valor: Bolsonaro usava muito a expressão ‘o meu Exército’. O Exército era de a senhor assumiu em um dos momentos mais conflagrados da história recente. O que tem sido mais difícil?
Tomás: O Exército é de todos. O Exército é da Nação brasileira.
Valor: O senhor assumiu em um dos momentos mais conflagrados da história recente. O que tem sido mais difícil?
Tomás: meus antecessores. Todo comandante do Exército é um continuador dos projetos que vêm sendo feitos. Tenho 48 anos de carreira, então a gente já se conhece… Conhece suas possibilidades, suas limitações, nosso problemas, capacidades. O trabalho principal que eu acho que é preciso fazer é restabelecer a confiança. Não que ela tenha sido perdida… Mas buscando falar menos e agir mais. O Exército sempre cumpriu sua função constitucional na faixa de fronteira, protegendo a Amazônia, tem o apoio nos desastres e calamidades e isso vamos buscar cada vez mais.
Valor: Qual é o futuro que o senhor vê para o Exército?
Tomás: Somos um Exército que nos baseamos em três grandes estratégias. A dissuasão — buscar uma força eficaz —capaz de dar uma resposta rápida a uma ação que o país precisa ter, equipamento, blindado, helicóptero, radar, comando e controle cibernético. Segundo, a estratégia da presença. Agente ainda é um país com imensos vazios demográficos, onde ainda é a única instituição presente. Somos um país muito desigual. Social e regionalmente. Precisamos manter e ampliar. O Exército é uma ferramenta de integração. E a terceira é a colaboração, se colabora muito com o poder público, estradas, água, GLO [Garantia da Lei e da Ordem]. Incrementando essas ações e dando mais ênfase a elas.
Valor: Qual é sua opinião sobre as operações de GLO?
Tomás: Só a ação militar não resolve. Muitos acham que sim. Podemos estabilizar uma área, mas precisa vir o desenvolvimento. Nunca vai haver uma GLO de ofício. Vamos é ser sempre demandados pelo nosso comandante supremo
Valor: Por um tempo, pareceu que o Exército era só de alguns, não?
Tomás: Mas não foi. O Exército é plural, engloba gente de todas as regiões do Brasil. Eu enxergo o Exército como de todas as pessoas, de todos nós. O Exército é do morador de rua, e da pessoa simples, é do indígena, é de todos, dos excluídos, dos que têm posses, dos estudantes mesmo que se possa ter uma percepção diferente. O Exército é de todos nós.
Valor: O senhor acha que o Ministério da Defesa está consolidado?
Tomás: Ele é jovem, mas está consolidado. Falta agora buscar eficiência através da intraoperabilidade. Porque são empregos conjuntos e até porque os conflitos modernos, eles são multidomínio. São multidimensão. Tem uma dimensão humana, informacional e física. Aeroespacial, naval, terrestre. São muito mais complexos. Mas ainda há poucos civis que se interessam pelos temas de defesa. Vamos sentar, muito discutir. São projetos que trazem desenvolvimento. Cada real que você investe, você recupera, sete, nove… E é dual. Traz tecnologias que podem ser usadas em outras áreas. Como proteger o Amazonas sem uma constelação de satélites.
Valor: O Exército fez um investimento em sua própria imagem. Nestes últimos quatro anos, parece que o trabalho foi por água abaixo… Virou o Exército da picanha, do uísque, dos altos salários…
Tomás: Em quatro anos não mudamos tanto assim, não nos transformamos em vilões. Ninguém é perfeito, nem nós. Mas temos uma característica: a de sermos rápidos, porque somos legalistas, como a Marinha, a Força Aérea. Quanto à sazonalidade de termos um pouco mais ou menos de prestígio, agente vai continuar trabalhando da mesma maneira, com respeito à Constituição, cumprindo nossas funções, respeitando os Poderes e a Constituição. Agora, as pessoas, por gestos e atitudes, vão identificar rapidamente que o compromisso do Exército com seus valores, suas tradições, e como país que é o nosso principal compromisso. Nós vamos seguir em frente. A nossa expectativa é que isso se reverta com o tempo.
Valor: Muitos estudiosos dizem que Bolsonaro resultou da vontade do Exército de se manter no Poder:
Tomás: Não é verdade. Esse fenômeno aconteceu em vários países do mundo. Tanto que nesse período as missões continuaram a ser cumpridas. Sei que há muita gente que acha que houve uma deliberação, uma conspiração a favor de A ou B. Tanto que, novamente, por gestos e atitudes a gente está aqui. Houve a transição, a mudança de governo e a democracia está bem. Está plena.
Valor: Como é seu relacionamento com o presidente Lula?
Tomás: É como deve ser o relacionamento com o comandante em-chefe. Ele me trata muito bem, sabe o que é ser o comandante-em-chefe.
Valor: Esses mesmos estudiosos falam muito numa questão de tutela. Como seria a sociedade brasileira se fosse tutelada pelo Exército?
Tomás: Tem essa ideia e muita gente acha que houve uma deliberação, uma conspiração a favor de A ou B. O Exército é parte da sociedade brasileira. Como a Marinha e a Força Aérea presta um papel relevante que lhe está determinado como missão constitucional. E tudo que é feito está previsto na lei complementar.
Valor: Como o senhor vê essa palavra de ordem “sem anistia”, que muitos repetem por causa dos ataques do 8 de janeiro?
Paiva: A ideia é que [essa palavra de ordem] seja àqueles atos. Eles são inaceitáveis. Prejudicaram a imagem do Brasil no exterior e estão sendo apurados para que não se repitam, com todos os direitos e garantias de cada uma, ampla defesa, contraditório e vão ser julgados e condenados quem tiver culpa. E o Brasil vai virar essa página e seguir em frente. O que não pode é acontecer de novo. Não vai acontecer de novo.
Valor: Este ano parece que houve uma determinação para que não ocorressem atos sobre 1964.Foi isso mesmo? Alguém reclamou?
Tomás: Volto a falar: o Exército não é uma instituição perfeita. Mas na ativa nossa missão está sendo cumprida e tenho total confiança na minha cadeia de comando, coesa, disciplinada. O pessoal de dentro é minha gente. Se tem alguém que tem dificuldade com alguma medida estou pronto a esclarecer, por meio da cadeia de comando, vou procurar conversar. Sempre tem um ou outro que não vai concordar. Mas faz parte. Não se falou em 1964 neste ano porque também não se falou em 1964 de1995até2002. Depois não se falou em 1964 de 2007até2017. E todos esses companheiros estavam na ativa, muitos e ninguém falou nada. Assim, como não se fala de 1930, de 1937, de 1945. A interpretação histórica pertence à História. 1964 é História.