O Ministério Público Federal (MPF) pediu à Justiça que determine à União, na figura do Exército Brasileiro, não instalar microcentral hidrelétrica na terra indígena do Parque do Tumucumaque (AP), até que sejam atendidos todos os requisitos constitucionais para a exploração de recursos hídricos em terra indígena. Além disso, há também a necessidade de avaliação dos impactos socioambientais do empreendimento, bem como a consulta livre, prévia e informada aos indígenas. A ação foi protocolada em 11 de outubro.
A microcentral tem o objetivo de fornecer energia elétrica para propiciar autonomia ao pelotão, composto por 45 militares, localizado na faixa de fronteira entre Brasil e Suriname, no parque do Tumucumaque. Atualmente, os militares contam apenas com oito horas diárias de energia elétrica, dependendo integralmente de geradores a diesel, óleo cujo transporte é realizado por aeronaves.
Na ação, o MPF ressalta que não discute a necessidade de fornecimento de energia elétrica ao pelotão e a relevância da presença militar na área de fronteira. O ponto central da controvérsia está na observância dos requisitos constitucionais e legais para a exploração de recursos hídricos em terra indígena.
Em setembro de 2014, chegou ao MPF a notícia de que o Exército, sem prévia consulta a qualquer das comunidades afetadas, tampouco da Aldeia Paruaka, localizada a 1,5 quilômetro do local onde se pretende instalar o empreendimento, fez intervenções na área. As obras incluíram a abertura de ramal até o local, construção de canteiro de obra, transporte de diversos materiais, aterro da calha do igarapé e desvio do igarapé. Após recomendação do MPF, em 2015, as obras foram paralisadas.
Em 2017, o MPF expediu nova recomendação para que o exército providenciasse a avaliação técnica de viabilidade da obra, além do estudo para verificar a utilização de outra matriz energética, como, por exemplo, energia solar. No entanto, o Exército não apresentou quaisquer estudos técnicos de que a construção da microcentral seria a única alternativa viável para o fornecimento de energia elétrica, tampouco dispôs-se a realizar a consulta prévia aos povos indígenas afetados.
O direito de consulta está previsto na Constituição Federal, que estabelece, entre outros requisitos, a necessidade de prévia oitiva da comunidade afetada para que haja a exploração por terceiros dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, e das riquezas minerais existentes em terras indígenas.
No caso em questão, os indígenas do Tumucumaque se mostram desconfiados em relação ao empreendimento. Laudo antropológico, solicitado pelo MPF, demonstrou que há uma tensão interna, pelo modo como as obras foram iniciadas. Não houve consulta às comunidades, o projeto foi informado apenas ao cacique geral, que tomou a decisão de aceitar o empreendimento sem o consentimento das comunidades.
Há ainda muitas dúvidas dos indígenas a respeito dos impactos ambientais da obra, em especial sobre o tamanho da área alagada e o depósito de substâncias prejudiciais no Rio Paru D'est, essencial para a subsistência das comunidades. Além disso, o local das obras é considerado sagrado para os indígenas.
Além da violação à Convenção 169/OIT, que trata da consulta prévia aos indígenas, cabe salientar que o empreendimento em questão também não observou a Constituição Federal, que determina que o aproveitamento dos recursos hídricos, incluindo os potenciais energéticos, só podem ser efetivados em terras indígenas com autorização do Congresso Nacional.
Microcentral – Para abastecer a usina de pequeno porte, a água do rio é captada e conduzida a uma casa de máquinas, onde uma turbina-gerador transforma a energia hidráulica em elétrica. Para o MPF, a construção da microcentral não é a única forma de fornecer energia elétrica ao pelotão. Isso porque a existência de outras fontes renováveis, a exemplo das energias solar e eólica, garante a viabilidade de gerar energia para essa finalidade, inclusive de forma mais rentável e econômica.
Na hipótese de o Exército adotar matriz energética diversa, energia solar ou eólica, o MPF também pede, na ação, que seja realizada consulta prévia, livre e informada aos indígenas.