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Tecnologia da AEL Sistemas ganha espaço na Suécia

Felipe Samuel
Correio do Povo
Via Notimp FAB

Maior negócio da história da empresa sueca SAAB, a aquisição de 36 aeronaves F-39 Gripen pelo governo brasileiro, confirmada em 2014, encerrou uma novela que se arrastava havia quase duas décadas. Além do pagamento de 4,05 bilhões de dólares à SAAB para produção e desenvolvimento das aeronaves para a Força Aérea Brasileira (FAB), o contrato prevê, entre outras coisas, um programa de transferência de tecnologia.

E, como resultado do acordo, uma empresa instalada na zona norte de Porto Alegre, especializada em projeto, desenvolvimento, fabricação, manutenção e suporte logístico de sistemas eletrônicos militares e espaciais, vai equipar as aeronaves com displays panorâmicos desenvolvidos no Rio Grande do Sul.

Com mão de obra gaúcha, a AEL Sistemas vai garantir, inicialmente, a instalação de pelo menos cem telas largas (WAD – Wide Area Display, em inglês), na proporção de 19 x 8 polegadas de alta resolução, em aeronaves destinadas ao Brasil e à Suécia.

A novidade da tecnologia desenvolvida no Estado é a concentração dos dados apresentados em uma única tela, em vez das três utilizadas em modelos anteriores. A WAD permite exibir uma imagem contínua em toda a sua extensão e é capaz de receber entradas de teclas multifuncionais, touch screen ou interfaces externas. É a principal fonte das informações de voo e missão na cabine de piloto, aumentando a consciência situacional tática do piloto. Durante uma tarde, a reportagem do Correio do Povo acompanhou o processo de produção dos equipamentos que vão integrar o F-39.

Display desenvolvido em Porto Alegre

Gerente de Desenvolvimento de Negócios da AEL Sistemas, João Alexandro Braga Maciel Vilela explica que a linha de produção envolve pelo menos dez etapas principais, além de processos de subprodução. Comprada em 2001 pela israelense Elbit System, a empresa, cujo faturamento anual é de 70 milhões de dólares (cerca de R$ 290 milhões), conta atualmente com 280 funcionários e atua nos segmentos aeroespacial, defesa e segurança.

Vilela recorda que o interesse pelo produto da AEL Sistemas nasceu da necessidade da SAAB em encontrar no país uma empresa capaz de produzir o display para o Gripen. “Este produto foi muito bem aceito, tanto que ganhou a concorrência para a FAB. A gente competiu com outras empresas para fornecer a solução de aviônicos, inclusive com empresas de fora”, frisa.


"Foi desenvolvido por gaúchos com a integração com a fabricante SAAB".

Após ganhar a concorrência, cujo ponto decisivo foi a transferência de tecnologia para o Brasil, o próximo passo foi desenvolver o equipamento. E o resultado surpreendeu a Força Aérea da Suécia, que modificou a configuração das próprias aeronaves e colocou a mesma aviônica (eletrônica de uma aeronave) do Brasil. “Foi uma transferência de tecnologia ao contrário.

Ao invés de a gente absorver, terminamos exportando tecnologia. Então foi uma vitória desse progresso. Questionado se é exagero dizer que o display é totalmente produzido por gaúchos, ele é taxativo: “Mais do que isso, ele foi desenvolvido por gaúchos com a integração com a fabricante SAAB, com a matriz da Elbit System, porque é essa integração que dá processo de transferência de tecnologia”, avalia. 

Imagem panorâmica

De acordo com Vilela, a utilização de um único display (na horizontal e com visão panorâmica) foi um dos fatores que chamou a atenção dos suecos. Assim, o piloto pode usar toda a tela para colocar a imagem e consegue aumentá-la diminuí-la a partir de uma tela mais larga (widescreen), uma vez que a aeronave tem vários sensores espalhados na cabine.

“Você pode ter, nesse novo display, um grande mapa, e não um mapa pequeno. Pode sobrepujar imagens sem perder qualidade, organizar melhor isso e usufruir melhor da sua área de interface. É como se tivesse trocado três TVs por uma widescreen. Diria que a área dos três displays somadas é quase a mesma coisa do wide, só que o wide organiza melhor isso”, compara Vilela, que é coronel aviador da reserva da FAB.

A montagem e o desenvolvimento tecnológico do produto ocorrem em uma área de 7,5 mil metros quadrados, no prédio 4 da empresa. Em salas fechadas, com rigoroso sistema de segurança, equipes de engenheiros de diversas áreas (mecânica, sistema, software, hardware) trabalham na montagem e desenvolvimento do WAD.

Para produzir fotos e acessar o local onde ocorre a linha de produção das placas e de itens eletrônicos que compõem o equipamento, é preciso autorização da direção da empresa. O mesmo cuidado para evitar que algum segredo tecnológico possa ser divulgado é percebido durante o trabalho dos funcionários.

Conforme Vilela, são várias etapas da linha de produção automatizada até chegar ao produto final: programação, montagem das placas, limpeza, inspeção de raio-x, teste de continuidade, aplicação de verniz, teste de montagem, teste de checagem de vibração, de temperatura e calibração.

Montagem em superfície

O processo envolve a fabricação de placas de alta capacidade e tecnologia a partir de um equipamento chamado de Tecnologia de Montagem em Superfície (Surface Mountain Tecnology, em inglês). São itens eletrônicos dispostos dos dois lados, com uma linha sofisticada.

Em função do Gripen, a empresa comprou essas unidades de maior sofisticação tecnológica para poder atender às demandas da aeronave. Isso contribuiu para a melhoria da capacidade do programa e na produção das peças. “O próprio computador seleciona os componentes, passa solda, vai para o forno de fusão, depois, para área de limpeza, tira todas as graxas e as partículas”, explica.

Em seguida, o produto volta para ser analisado com máquina de raio-x e com máquina de comparação de imagens. Se aprovada, é dada como placa boa e vai para outra sala para verificação de integridade elétrica e testes de continuidade.

"A gente ganhou porque a tecnologia ficou conosco".

Depois de montadas e aprovadas nos testes funcionais, as placas ainda enfrentam dois tipos de simulações de resistência. Um com temperatura e outro com vibração. Os dois testes têm objetivo de estressar o item para, se tiver problema, acontecer nessa fase.

A peça enfrenta temperaturas de -50 graus e 80 graus na câmara de temperatura e, depois, segue diversos padrões de vibrações para verificar se as soldas vão aguentar, se alguma partícula quebra. Vilela diz que a ideia é simular situações de voo que a aeronave pode encontrar.

“O piloto dá partida, taxia, decola e, em alguns minutos, pode estar a -50 graus. A variação de temperatura é muito grande, por isso a indústria usa métodos de fabricação que asseguram que esse item vai suportar essa variação.”

Ele observa que existem poucos displays desenvolvidos para aeronaves. E isso reforça a importância do produto gaúcho. “Esse desenvolvimento que traz capacidade para o país, essa é a grande questão. Na realidade, a gente conseguiu conciliar um produto inovador, que é reconhecidamente sofisticado e de valor para outra força aérea, ao mesmo tempo que traz tecnologia para o país, agregando valor, aumentando nossas exportações”, frisa.

Ele destaca a transferência de tecnologia como ponto principal. “A gente ganhou porque a tecnologia ficou conosco. E a gente tem condições de fabricar e modificar, fazer outros equipamentos similares, criando do zero porque a gente tem essa capacidade.”

Processamento e fusão de dados

Além da tecnologia touch screen e de permitir movimentar e ampliar as imagens como se fosse um celular, Vilela afirma que a capacidade de processamento garante performance, desempenho e vida longa ao fabricante. “Ele tem 34 processadores, o que oferece uma capacidade de processamento muito grande para ser explorada por muitos anos”, acrescenta, destacando que atualmente a instalação de softwares para aeronave demanda processamento eficiente.

Outro ponto considerado importante é a fusão de dados, que permite colocar informações aglutinadas, sem perder qualidade e visualizar dados com maior facilidade. “Tudo isso está trazendo para as duas forças aéreas um novo equipamento que abre muitas possibilidades de uso.”

Sobre o produto desenvolvido por gaúchos que vai equipar as 28 unidades Gripen E (monoposto) e as 8 Gripen F (biposto), o militar da reserva afirma que as soluções encontradas pela empresa são resultado de quase cinco anos de trabalho. “Esse desenvolvimento envolve muita engenharia mecânica, de sistema, de software, hardware.

E o projeto vai se modificando ao longo do tempo, nem todos os problemas se sabem. Tem uma equipe capaz de gerenciar e tratar esses problemas em todo esse período”, observa. Em torno de 40% dos funcionários são da área de desenvolvimento, com engenheiros e desenvolvedores de software, 40% da área produtiva (montadores, engenheiros de produção, gestores) e o restante é da área de qualidade, gestão administrativa, segurança patrimonial e financeiro.

Produção do display

Agora, a meta é “serializar” o produto, que envolve fase de transição onde novos integrantes projetam instalações para poder atender. “O que tu viste ali hoje (dia da reportagem) foi isso, eles dimensionaram a sala, já sabem quais são os gabaritos, vão preparar toda a infraestrutura para poder fazer a produção.

A partir dali vão ter usuários de série, vamos fabricar todas as unidades para a FAB”, destaca. De acordo com Vilela, além de 44 unidades (entre reservas e de manutenção) para a FAB, a empresa vai produzir outras 60 para Força Aérea da Suécia. “São aproximadamente 100 unidades no lote inicial. A gente espera que isso possa aumentar com os novos Gripen pelo mundo, esse é o contexto do Gripen. O que a gente viu na nossa visita foi o processo produtivo”, explica.

No que diz respeito aos investimentos da empresa, embora não saiba precisar o montante aplicado, Vilela garante que foi “grande”. “O que a gente consegue mensurar é que são cinco anos de desenvolvimento. Nesse período, trabalharam de 50 a 60 profissionais.

Não é barato manter esse pessoal trabalhando, embora não seja o tempo todo”, pondera. Ele salienta que desde 2015 são realizados investimentos em maquinários e pessoal. “O que a gente pode dizer com certeza é que, com a escolha da Força Aérea da Suécia, vai dar retorno positivo. E esse é nosso principal objetivo”, garante.

Entrega das aeronaves

Apesar da entrega oficial do modelo ter acontecido em setembro, na cidade de Linköping, na Suécia, a primeira aeronave só deve desembarcar no Brasil no começo de 2021. De acordo com Vilela, nos próximos dois anos, os equipamentos ainda serão submetidos a testes na Europa. “O primeiro voo do avião brasileiro ocorreu em agosto. Em setembro, foi a formalização da entrega da primeira aeronave.

Então ela é entregue à FAB e ao mesmo tempo devolvida para poder continuar o desenvolvimento dela, porque ainda vai testar outros sistemas”, explica. Vilela afirma que pilotos brasileiros já trabalham com o novo display. “Os pilotos brasileiros vão dar continuidade ao desenvolvimento, fazer testes com armamento, vão aprender, treinar, fazer testes para implantação na força. É um trabalho gradual”, detalha. 

Unidade da Embraer já reúne brasileiros e suecos no programa

A implantação prevê ainda um período de transição. “Haverá formação dos primeiros pilotos para ganharem experiência e se transformarem em instrutores para formar novos pilotos”, conclui. Pelo menos 300 engenheiros e técnicos brasileiros devem participar do processo. Conforme Vilela, o contrato determina a cooperação industrial para desenvolvimento e produção das aeronaves Gripen dos modelos E (monoposto) e F (biposto). Uma unidade da Embraer, instalada em Gavião Peixoto, interior de São Paulo, já reúne brasileiros e suecos no programa de transferência de tecnologia.

Embraer e Inpe como clientes

AEL também fornecerá aos caças Gripen E suecos o Head-Up Display (HUD) – que é equipamento que oferece display com amplo campo de visão e fornece ao piloto as informações essenciais de voo e de missão diretamente na parte frontal superior do cockpit – e o Helmet Mounted Display (HMD) – que é um capacete que permite ao piloto ver os dados e as imagens dos alvos reais e virtuais, adicionando funcionalidades que aumentam as capacidades de julgamento e consciência situacional do piloto.

Os produtos fazem parte do catálogo da empresa voltado a aviônicos (eletrônicos de aeronaves), computadores e displays. “Também fabrica computadores para tanques, optrônicos, que são eletrônicos com a parte ótica que a gente viu na nossa caminhada naquela sala de montagem onde tem sensores termais e apontadores laser”, esclarece, referindo-se à visita da reportagem.

Além de fornecer produtos, a empresa garante suporte técnico a um novo programa da FAB de rádios definidos por softwares. É um serviço de modificação e manutenção das aeronaves remotamente pilotadas que são fabricadas pela matriz da empresa. Entre os produtos desenvolvidos, estão kits de viagem de armamentos e produtos espaciais. “A gente dá suporte para a FAB em serviços de manutenção para aeronaves, com simuladores. Agora já tem capacidade de desenvolvimento de simuladores.”

História da empresa

A AEL Sistemas nasceu como Aeroeletrônica e era um dos três braços da Aeromot, na década de 80. Tinha como foco desenvolvimento de aeronaves, manutenção e eletrônica. Com as oscilações da economia brasileira, a empresa passou por dificuldades econômicas. Em 2001, foi comprada pelo grupo israelense Elbit System, por uma demanda da FAB de fabricar e manter equipamentos eletrônicos do caça F5 modernizado.

“Na época a empresa comprou 60%. Cinco anos depois, viu o progresso, o aumento da empresa e o potencial e comprou restante. Ela ficou 100% grupo Elbit”, relembra. Principal fornecedor brasileiro de eletrônicos para o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a AEL Sistemas tem outros clientes importantes como Embraer, Forças Armadas, Polícia Militar do Rio de Janeiro, entre outros.

Com a compra e a transferência de tecnologia, a unidade passou a desenvolver sistemas, que são equipamentos que trabalham de forma integrada. “Com isso a gente modernizou a plataforma Bandeirante da FAB, colocando quatro displays e outros equipamentos.”

Vilela relembra que isso aumentou a capacidade da empresa, que passou a desenvolver produtos para o avião AMX e da aeronave KC-390. “A gente desenvolveu o computador de missão dessa aeronave. Estamos desenvolvendo o software do HUD do KC. Foi um aprimoramento que culminou, em termos de aviônicos, com o Gripen”, conclui.

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