Um ex-soldado do Exército teve a sua pena mantida pelo Superior Tribunal Militar (STM) a um ano de reclusão, por ter dado onze tiros de fuzil no chão, durante uma troca de posto de serviço, dentro do 37º Batalhão de Infantaria Leve (37º BIL), sediado em Lins (SP). O ex-militar foi condenado pelo crime de extravio de munição, previsto no artigo 265 do Código Penal Militar (CPM).
Segundo o Ministério Público Militar, em 10 de junho de 2015, o soldado tinha sido escalado para o serviço de guarda ao quartel e, ao assumir posto, armado com fuzil, dirigiu-se ao cabo da guarda, proferindo palavras de desacato. “Tudo tem sua hora e seu lugar”, teria dito.
Em seguida, efetuou 11 disparos do fuzil que portava, em direção ao chão, depois, voltou-se ao chefe imediato e, em tom ameaçador, teria afirmado: “Tá vendo, cabo, o que acontece?”.
Após responder a um Inquérito Policial Militar (IPM), o acusado foi denunciado à Justiça Militar da União, em São Paulo, pelos crimes de desacato a superior e de desaparecimento de munição, definidos nos artigos 298 e 265 do CPM. “Uma vez que de forma livre e consciente, desacatou superior, deprimindo-lhe a autoridade, além de consumir munição, sem qualquer autorização para tanto”, escreveu a promotoria.
Ao ser ouvido em juízo, o réu disse que não era verdadeira a imputação da denúncia quanto ao desacato, pois não foi sua intenção praticá-lo, e quanto aos disparos foi um meio para “parar a situação”.
Disse também que estava bastante estressado e que o cabo pareceu estar achando que ele estava criando dificuldades, o que não era verdade, momento em que o cabo começou a falar alto.
“Já estava estressado e só queria tirar o seu serviço. Mas ele mandou tirar a roupa da cama do armário e colocar em local que não era minha obrigação fazer. Minha vontade era descarregar o fuzil para ver se resolvia o problema”, disse.
No julgamento de primeiro grau, o Conselho Permanente de Justiça para o Exército da 1ª Auditoria da 2ª CJM (São Paulo), por unanimidade, absolveu o ex-soldado do delito de desacato, por ausência dos elementos próprios para a configuração do crime e, por maioria de votos (4×1), o condenou pelo crime do artigo 265 do CPM, à pena de um ano de reclusão, concedendo-lhe o direito de apelar em liberdade, o benefício do sursis pelo período de dois anos e o regime aberto para o início de cumprimento da pena.
A defesa do acusado recorreu ao STM e pediu o reconhecimento da atipicidade da conduta (não haver crime) do ex-militar, evocando o princípio da insignificância.
Argumentou que o valor da munição consumida foi de pequeno valor, pois os onze projéteis usados custaram R$ 62,93 e que o consumo de munição de baixo valor não é uma conduta que justifique a necessidade de se socorrer ao direito penal, tendo em conta, principalmente, a insignificância da lesão ao patrimônio supostamente subtraído.
Julgamento no STM
Ao apreciar o recurso de apelação, o ministro Marcus Vinicius Oliveira dos Santos negou o pedido e manteve inalterada a sentença da primeira instância da Justiça Militar da União (JMU).
De acordo com o magistrado, a conduta do então soldado do Exército está longe de caracterizar insignificância penal e merece severa resposta, diante não somente do dano patrimonial causado à Administração Militar, mas, em especial, pelo fato de o crime ter se dado no ambiente castrense, produzindo o dano moral, também tutelado pelo Direito Penal Militar.
Para o ministro, a alta periculosidade e a ofensividade da conduta dele no emprego indevido de munições pertencentes às Forças Armadas e o elevado grau de reprovabilidade do comportamento do militar que, ao efetuar disparos de fuzil em serviço, no interior do aquartelamento, colocando em risco a vida de seus pares, além da sua própria vida, afastam qualquer possibilidade de incidir o princípio da insignificância, invocado pela defesa para excluir a tipicidade do crime.
“Ao contrário do que argumenta o advogado, a conduta delitiva do acusado atentou não apenas contra o patrimônio da Organização Militar, mas violou significativamente os aspectos éticos do Estatuto Castrense, configurando-se em comportamento altamente reprovável. O fato de ter sido absolvido do crime de desacato não afasta a ilicitude do ato, considerando, sobretudo, a potencialidade lesiva do armamento objeto dos disparos dos 11 projéteis.”
Ainda segundo o relator, o consumo de munição praticado por militar no ambiente da caserna, de forma ilegal, não atinge apenas o patrimônio da Organização Militar, mas, também, bens juridicamente caros à vida castrense, como as relações de camaradagem e de lealdade que devem existir entre colegas de farda.
“A ação perpetrada pelo réu gerou dúvidas quanto à segurança entre os pares e um clima de desconfiança no ambiente de trabalho, fato altamente reprovável na caserna, na medida em que, em situações extremas, um militar deve confiar a própria vida ao colega. Ademais, a confiança na instituição e do próprio Exército é fragilizada quando fatos dessa magnitude ocorrem em área sob a administração militar, atingindo sobremaneira a hierarquia e a disciplina, maculando tais princípios basilares das Forças Armadas”, votou.
O Tribunal, por unanimidade, negou provimento ao apelo da defesa.