Luis Kawaguti
Dono de um estilo diferente de seu antecessor, o novo comandante do Exército, Edson Leal Pujol, não deve usar sua conta pessoal no Twitter para tratar dos assuntos da instituição — ao menos no período inicial de seu comando. O contato direto com a população nas redes sociais será feito pelas contas do Exército e terá entre seus objetivos principais a interatividade com os jovens, segundo afirmou ao UOL em entrevista exclusiva o general Richard Fernandez Nunes, chefe da comunicação social do Exército.
O antigo comandante do Exército, general da reserva Eduardo Villas Bôas, se destacou por usar sua conta pessoal no Twitter para expor ao público não só os temas do Exército, mas a posição política da instituição. Seus principais tuítes atingiam mais de 450 mil seguidores diretos e imediatamente ressoavam na imprensa.
A maior repercussão ocorreu em abril de 2018, quando o então comandante publicou, às vésperas do julgamento de um habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), um tuíte repudiando a impunidade. Críticos interpretaram como uma forma de pressão ao Supremo. Villas Bôas disse que precisava ter o "domínio da narrativa" em um momento crítico, quando militares da reserva e civis ligados ao Exército se pronunciavam de forma cada vez mais "enfática".
O general Richard Nunes foi secretário da Segurança Pública durante a intervenção federal no Rio de Janeiro em 2018 e assumiu na última quinta-feira a chefia do CCOMSEx (Centro de Comunicação Social do Exército), órgão estratégico do comando do Exército. Ele substituiu o general Otávio do Rêgo Barros, hoje porta-voz da Presidência.
Richard Nunes afirmou que a opção do novo comandante de não usar sua conta pessoal está relacionada à nova conjuntura do país, mas pode ser reavaliada no futuro.
"Um dos aspectos essenciais da compreensão da arte militar é a característica de cada líder, a personalidade do chefe. O general Villas Bôas tinha essa inclinação, ou tem, porque é bastante ativo nas mídias sociais, especialmente no Twitter. O que o general Pujol disse é que ele vai buscar, pelo menos nessa fase inicial de comando, se deslocar mais para junto da tropa".
Devido a uma doença degenerativa, o general Villas Bôas não pôde viajar para unidades mais afastadas do Exército pelo país, e o comandante Pujol deseja investir nesse contato direto com os soldados. Segundo o general Richard isso significa que, inicialmente, o comandante dedicará seus esforços pessoais de comunicação para seu público interno no Exército.
Mas isso não significa que a interatividade com o público vai diminuir, segundo o general. Os pontos de vista do comandante serão divulgados para o público por meio das contas e perfis oficiais do Exército.
Inteligência artificial para criar militar virtual
O general afirmou que, para atingir o público externo, uma das principais apostas da comunicação do Exército será aumentar a interatividade com os jovens e incentivá-los a entrar no Exército não só pelo serviço militar obrigatório, mas nas escolas preparatórias para seguir carreira na instituição.
Para fazer isso, o Exército trabalha na criação de uma ferramenta de inteligência artificial que será usada em redes sociais e nos sites do Exército para responder questionamentos da população sobre a instituição.
"Nós temos um mecanismo em que perguntas e respostas poderão ser feitas com muito mais agilidade e de uma maneira muito mais amigável para que a juventude possa, dialogando com esse nosso militar virtual, tirar suas dúvidas e participar melhor das nossas rotinas".
Nunes disse que não pode dar mais detalhes antes do lançamento, mas a reportagem apurou que inicialmente a ferramenta terá um funcionamento similar a assistentes virtuais de portais, bancos e sites onde o usuário formula uma pergunta específica e recebe reposta customizada do assistente. A inteligência artificial vai aumentando sua eficácia quando o número de interações vai aumentando. Não está claro se o assistente terá uma identidade visual específica.
A ideia inicial é atrair jovens talentos diversificados para os quadros do Exército. No futuro, o projeto deve ser expandido para tentar aumentar a integração com todos os segmentos da sociedade.
Ação nas redes sociais
O Exército começou a utilizar redes sociais como o Facebook e o Twitter há cerca de 10 anos. Esse foi um dos principais aspectos de modernização da política de comunicação do Exército. Após o regime militar, a instituição seguia um modelo também adotado em outros países apelidado de "política do grande mudo": não comentar nenhum assunto, com o objetivo alegado de não contribuir para a divisão da sociedade.
Mais recentemente, o Exército ampliou sua participação no Instagram e no YouTube. A maioria das publicações fala sobre realizações da instituição, como exercícios militares, treinamentos e compra de equipamentos.
Questionado se as redes sociais não podem iniciar ou ampliar crises políticas, o general respondeu:
Há sempre possibilidade de uma provocação, de um desvio do assunto. Temos uma posição tranquila sobre o assunto, temos uma máxima que faz parte da própria ética da profissão militar: cada um fala da sua cadeira. As mídias sociais vão falar da cadeira do Exército, o que interessa à instituição, os temas da instituição"
General Richard Nunes
É possível separar a imagem do Exército do governo Bolsonaro?
Richard Nunes disse que isso é um desafio. Segundo ele, a sociedade brasileira tem que ter maturidade para entender que o Exército é uma instituição de Estado e não de um governo, porém, no momento atual, é difícil avaliar a percepção da sociedade.
Ele afirmou que o aumento de militares participando no governo federal (seis ministros são militares da reserva ou ligados às Forças Armadas) e nos governos estaduais "é uma demonstração do grau de credibilidade que a nossa instituição alcançou. E muito líderes também enxergaram que a sociedade demanda pessoas comprometidas com valores e isso aí as instituições militares representam muito bem", disse.
O general afirmou que pretende manter a política de comunicação desenvolvida por seu antecessor, o general Rêgo Barros, que inclui campanhas voltadas ao público interno e externo para deixar claros quais são os objetivos e pautas do Exército – sejam eles similares aos do governo ou não.
Críticas à intervenção no Rio não afetam imagem
Ex-secretário de Segurança Pública do Rio, Nunes afirmou que as críticas feitas à intervenção federal não afetam a imagem do Exército. Na opinião dele, a intervenção teve um impacto "altamente positivo" na segurança pública do Rio.
O processo realizou mudanças na estrutura das polícias do Rio, reordenando cadeias de comando e desativando Unidades de Polícia Pacificadora (que se propunham estreitar o contato da polícia com moradores de favelas) consideradas ineficientes. Também foram criadas rotinas de treinamento de policiais, manutenção de carros de polícia e equipamentos foram comprados, entre outras ações.
"Nós não estávamos ali para fazer nenhum tipo de ação midiática de buscar um populismo, um apoio popular puro e simples das ações. Nós tivemos uma grande preocupação a médio e longo prazo de deixar um legado de caráter estruturante e extrapolamos sim a cultura organizacional do Exército para esse processo", disse.
Um dos aspectos criticados por organizações não governamentais e ativistas foram os índices de criminalidade – que a intervenção propôs diminuir. Os homicídios caíram 6%, os roubos diminuíram 7%, mas o número de mortos pela polícia aumentou 38%, segundo dados do Instituto de Segurança Pública. O aumento de confrontos foi atribuído na época pelos interventores à iniciativa do crime organizado de resistir às ações da intervenção.
Na semana passada, uma organização chamada Observatório da Intervenção, ligada a uma universidade, disse que a intervenção não era um modelo a ser seguido e criticou a violência praticada pela polícia.
Richard Nunes não nomeou críticos, mas disse que algumas organizações praticaram "omissões intencionais" de dados em suas análises. Ele afirmou que a principal delas foi uma comparação recorrente de estatísticas criminais do ano de 2018 (período da intervenção) com o ano de 2017, quando a Polícia Civil ficou em greve por três meses e não registrou uma série de crimes, que não entraram para as estatísticas, gerando distorções.