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RPAS – Tráfego não Tripulado no Radar


Eduardo de Vasconcellos
Especial para DefesaNet

evasconce@uol.com.br

MSc. em engenharia de sistemas, consultor de empresas, certificado em gestão de
projetos de cooperação técnica internacional, membro da Association for Unmanned Vehicles International e do International Council for Systems Engineering, atua em defesa, aeronáutica, MRO, operações de RPAS e sistemas distribuídos avançados, civis e militares

 


Enquanto debates mais amplos e multistakeholder não ocorrem no país e ANAC, DECEA e ANATEL ainda devem à sociedade brasileira um plano de voo para a regulamentação da exploração comercial e da operação segura de serviços aéreos baseados em RPAS (Remotely Piloted Aircraft Systems), outros países e atores internacionais evoluem na direção da integração destes aos seus espaços aéreos.

As principais iniciativas ocorrem nos âmbitos europeu, Programa SESAR/eATM, Single European Sky ATM Research/European ATM Master Plan, EASA, e norte-americano, Programa UTM, Unmanned Traffic Management, NASA/FAA.

Na esfera da OTAN/STANAG, ocorre ainda a iniciativa FINAS, Flight In Non-Segregated Air Space, visando também o uso do espaço aéreo civil controlado, por RPAS de 150 a 20.000 Kg de origem militar.

Participar da UTM Convention 2016, organizada pela ATCA, Air Traffic Control Association, em Syracuse, NY, no período 8-10 de novembro, com mais de 600 congressistas, foi experiência de enorme valor, em particular, no que toca à aquisição de uma visão integrada da grande quantidade, complexidade e entrelaçamento dos temas, experiências, áreas de conhecimento, tecnologias, organizações reguladoras, empresariais e acadêmicas e, o mais importante, das pessoas envolvidas.

O ponto alto do evento, já no primeiro dia, foi a demonstração, no Aeroporto Internacional de Griffis, Rome, NY, antiga base da USAF e um dos 7 Campos de Teste de UAS da FAA, da operação coordenada de 4 aeronaves não tripuladas, de pequeno a muito grande  porte, em missão de combate a incêndio e resgate de pessoas, empregando conceitos, procedimentos e ferramentas derivadas e aderentes ao Programa UTM, sob execução e coordenação da NUAIR Alliance, da Lockheed Martin e de equipe de controle de tráfego aéreo avançado da base de Griffis. Grande sucesso.

Muito provavelmente, a operação mais complexa e mais cara já realizada para apagar um foco de incêndio simulado, atingindo plenamente o objetivo de demonstrar em detalhes o conceito e sua materialização no espaço aéreo.

Video: Autonomous Firefighting, Rescue Demonstration: the K-MAX helicopter, Sikorsky Autonomy Research Aircraft (SARA), Desert Hawk 3.1 fixed wing unmanned aircraft, and Indago quadrotor.

O tema principal da convenção foi a divulgação oficial e a discussão do UTM/TCL2, o segundo estágio de capacidades técnicas do Programa UTM, conduzida pelo Dr. Parimal Koperdakar, Diretor do Programa UTM, NASA, o qual esteve anteriormente e por anos à frente da concepção e do desenvolvimento do Programa NextGen, hoje em fase de implementação.

Informações oficiais sobre o Programa UTM, seus conceitos, 4 estágios de desenvolvimento e cronograma previsto podem ser encontrados em www.nasa.gov . O foco do UTM/TCL2 são as operações além da linha de visada (visual), BVLOS, utilizando a vigilância por radares de baixa altitude e o padrão ADS-B para o compartilhamento de informações entre as aeronaves e o centro de ATC.

NASA’s concept for a possible UTM system would safely manage diverse UAS operations in the airspace above buildings and below

Diversos painéis plenários e sessões paralelas, com a presença de especialistas e representantes das entidades mais diretamente ativas e potencialmente interessadas nas respectivas temáticas, trataram, entre outros, dos seguintes temas:

Como NASA e FAA estão atuando em conjunto no Programa UTM?, com NASA, FAA, Global UTM Association e AirMap.

– Resultados de testes de campo com UAS, com NUAIR, Griffis Test Range, Mid Atlantic Aviation Partnership e Nevada Institute for Autonomous Systems.

Considerações de segurança UTM e tecnologias veiculares para voos autônomos em baixa altitude sobre áreas urbanas, com equipe de especialistas da NASA, Ames Research Center e  Langley Research Center.

Considerações sobre espectro para comando e controle, coleta de dados, detetar-e-evitar e controle de tráfego aéreo em baixa altitude, com Precision Hawk, Qualcomm, Harris e Ligado Networks.

O futuro da inovação na indústria para viabilizar o conceito UTM, com Association for Unmanned Vehicle International, Insitu, DJI, Raytheon, Precision Autonomy e Vigilant Aerospace.

Acesso seguro e identificação para operações em baixa altitude, com Air Traffic Control Association, AirMap, Thales, Gryphon Sensors e AeroVironment.

NUSTAR – Avaliação de desempenho padronizada para UAS: conceito, planos, capacidades atuais e próximos passos em testes e certificações, com NASA, Syracuse University, American Society for Testing and Materials International e National Association of Mutual Insurance Companies.

Segurança cibernética: os desafios para viabilizar a implementação do UTM, com AT&T, NASA, IBM, Intel e National Institute of Standards and Technology.

Abordagens e questões internacionais do UTM, com NATS UK, IATA, Ministry of Economy, Trade and Industry, Japan, NAV Canada, Instytut Techniczny Wojsk Lotniczych, Poland, e UAC Consulting.

DAC, Drone Advisory Committee FAA/RTCA : progresso, prioridades e próximos passos, com CNN, Amazon Prime Air, Facebook, American Airlines e Helicopter Association International.

Conceitos e tecnologias anti-UAS, com US Department of Defense, Gryphon Sensors, Dentons e Defense Research and Development Center, Canada.

Como as comunidades e autoridades locais podem ajudar, enquanto preocupadas com privacidade e outras questões relacionadas?, com Hogan Lovells, Duetto Group, AirMap, Katie Thompson, Morrison & Foerster, K&L Gates e New York State Department of Economic Development.

Chamam a atenção a diversidade dos participantes e a interdisciplinaridade dos debates, nos quais se ouviram declarações do tipo:

– “O objetivo do Facebook é conectar ainda mais as pessoas ao redor do mundo com drones. Esperem novidades envolvendo drones de mais de 500 Kg à frente”, Martin Gomez.

– “A American Airlines tem mais de 100 mil colaboradores que ´respiram´ segurança operacional. Nossa cultura, assim como a das demais linhas aéreas, é de tolerância zero ao risco”, Howard Kass.

– Como avaliar e quantificar riscos e coberturas de uma combinação de aeronave, hardware e software de controle, sensores diversos, enlaces de comunicações, fatores humanos e vulnerabilidades a ataques cibernéticos?, Tom Karol, National Association of Mutual Insurance Companies.  

– “Segurança cibernética de UAS, para a IBM, nada mais é do que segurança cibernética de dados, é só aplicar os conceitos e as ferramentas”, diz o evangelista Westley McDuffie.

Apesar do entusiasmo geral com a entrada em vigor, em 29/08 deste ano, da 14 CFR Part 107 da FAA, com regras para a operação comercial de RPAS de até 25 Kg, controvérsias e debates acalorados estiveram presentes em diversos painéis e conversas mais descontraídas.

Destaque para discussões atinentes aos aspectos de segurança de voo, segurança operacional e avaliação de riscos, severidades e probabilidades de ocorrência de falhas e acidentes, treinamento e experiência dos pilotos, requisitos de certificação e testes, seguros e coberturas, disponibilidade e resistência a interferência dos enlaces de comando e controle e resiliência a ataques cibernéticos típicos a sistemas desta natureza.

Cabe ressaltar que dados da FAA relativos ao final de outubro indicam a aprovação de 117 petições de dispensa de regras/limites previstos na Part 107, enquanto 925 foram negadas, por incorretas, incompletas ou não aplicáveis. Poder-se-ia inferir e afirmar algo sobre perfil, capacidade técnica e conhecimentos em aviação dos requerentes, com base nesta amostra inicial? Reflexo do enorme gap cultural entre os setores da aviação e o de empreendimentos de base tecnológica e de capital de risco a la Silicon Valley, para citar apenas um exemplo?

Entre as grandes questões relativas a tendências e à evolução do setor, estiveram presentes nos painéis e debates:

– utilização de espectro licenciado (aeronáutico, LTE, 5G) versus não licenciado (ISM, telemetria), dados a escassez, o custo, os interesses privados e o crescente interesse militar neste novo domínio de operações, o espectro eletromagnético, EMS.

– privatização e descentralização dos serviços de controle de tráfego aéreo, hoje, pela FAA, e dos provedores de serviços de informação e navegação aérea, AISP/ANSP, conforme discussões congressuais em curso sobre escopo e papel da FAA e propostas apresentadas por empresas como Amazon e Google, entre outras.

– conflitos de competência crescentes entre legislações estaduais e municipais e regulamentos emitidos pela FAA, relativos à observância da Part 107 e ao próprio alcance destas normas, em particular, no que tange ao sobrevoo em baixa altitude e à coleta de dados de propriedades de terceiros, privadas ou públicas, tendo em vista suposta sobreposição de normas ou regulamentos aplicáveis.

– discussões sobre a necessidade de os pilotos de drones comerciais serem pilotos experientes, habilitados, com conhecimentos de aeronáutica, meteorologia e segurança operacional e com treinamento complementar nestas aeronaves, ou a possibilidade de que os próprios operadores de drones, aprovados em teste de conhecimentos como o UAG, Unmanned Aircraft General, da FAA, se tornem pilotos. Neste quesito, muito se debateu considerando que o espaço aéreo tem se tornado cada vez mais congestionado e sujeito a decisões de risco.

Como se pode verificar, é extensa a gama de aspectos, questões e perspectivas envolvidas no conceito e na implementação progressiva do UTM, de técnicas a fatores humanos e políticas públicas, passando por modelos alternativos de controle e exploração do espaço aéreo e do espectro eletromagnético, e por uma série de implicações e questões legais relacionadas com a privacidade e a proteção de dados dos indivíduos, a propriedade intelectual, riscos, seguros e coberturas, responsabilidades e imputabilidades, entre outras.

Apesar das profundas crises econômica, política e institucional pelas quais passa o país, acredito que nossas autoridades reguladoras responderão à altura, na determinação, via debates com amplos setores da sociedade civil organizada, do ponto de partida e da trajetória do Brasil rumo a este futuro que já bate à nossa porta.

Diga-se de passagem, desde 2008, no contexto da Estratégia Nacional de Defesa, temos à frente esse desafio, tendo ocorrido em 2009/2010 a realização da prova de conceito, a contratação internacional e a entrada em operação do sistema não tripulado de vigilância e proteção de fronteiras, SisVANT, do Departamento de Polícia Federal, posteriormente seguido de iniciativa similar por parte da Força Aérea Brasileira.

O Brasil poderia muito bem articular a criação de entidades como o Drone Advisory Committee, a RTCA, a NUAIR Alliance e a NUSTAR, além de um ou dois Campos de Teste de RPAS acreditados e instrumentados, visando a aumentar a superfície de contato com a sociedade, as comunidades industrial, técnico-científicas, jurídicas e acadêmicas, fabricantes, pilotos e operadores de serviços aéreos.

Ainda, a formalização de organizações dedicadas ao tema poderia ampliar, dar maior transparência e legitimidade, além de acelerar os esforços de regulamentação, sem abrir mão da questão fundamental na aviação – a segurança operacional e a prevenção de acidentes, hoje, e em especial no domínio dos RPAS, em muito, vinculadas e dependentes da segurança cibernética e das comunicações sem fio, em ambiente de novos paradigmas de consciência situacional e de tomada de decisões sob risco, por pilotos, operadores e agentes de  ATC/ATS, entre outros eventualmente envolvidos.

Por fim, e talvez não menos importante, cabe aqui ressaltar que, a despeito das declarações de diversas autoridades de aviação civil, relativas à utilização do princípio dos Níveis Equivalentes de Segurança, ELOS, a afirmativa de que a operação de RPAS de 0 a 25 Kg é de “baixo risco”, resta ainda ser demonstrada.

Dispensar em tal contexto, como fez agora a FAA com a Part 107, e como propôs fazer a ANAC em consulta pública de 2015, certificados de tipo e de aeronavegabilidade, assim como, os devidos registro (constitutivo) e a autorização para exploração comercial dos serviços aéreos associados, ainda que no envelope básico da regra (400 ft AGL, VLOS, diurno, 160 Km/h), não parece decisão necessariamente acertada.

A inclusão de uma faixa de peso de decolagem inferior, seja de 0 a 2 Kg, como estabelece o DECEA na ICA 100-40, ou de 0 a 5 ou 7 Kg, a se determinar por metodologia de avaliação de risco conhecida, conforme sugestão de certos fabricantes e encontrada em diversos países europeus, sugere a criação de uma espécie de “malha fina” para uma categoria de nível de risco mais tolerável ou aceitável, e dos consequentemente mais brandos controles e requisitos regulatórios.

Da mesma forma, tratar e regulamentar os RPAS, ou os drones e seus variados sensores, como mais uma “coisa” a ser conectada, aos milhões, à “internet das coisas”, IoT, também não parece objetivo ou encaminhamento acertado para a questão.

Há enorme quantidade de trabalhos à frente. Vamos a eles, quae sera tamen.

*Próximo artigo no DefesaNet tratará dos desafios da regulamentação dos RPAS no Brasil.

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