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Riscando Horizontes: Reflexões sobre a Tropa Blindada Brasileira

Após comemorar os 100 anos da adoção dos blindados na Força Terrestre e deparar-se com os embates ocorridos na Guerra da Ucrânia, a tropa blindada brasileira enfrenta um de seus maiores dilemas: que rumo tomar na sua reestruturação, diante da perspectiva de um mundo multipolar?

Gen Bda Ribeiro – Comandante da 6ª Brigada de Infantaria Blindada

De cima da torre de meu M113 BR, acompanhei atento à certificação da Força de Prontidão de minha Brigada no Campo de Saicã. Uma Força-Tarefa valor Regimento, composta por três subunidades mais os apoios necessários para cumprir um desafio tático estabelecido por meu Estado-Maior.

Para opor- se ao seu objetivo, uma Força-Tarefa um pouco menor que uma subunidade, numa proporção aproximada de 5 atacantes contra cada defensor. Todos instrumentados, quero dizer, com dispositivos laser e com observadores- controladores capazes de estimar e medir os resultados dos embates em tempo real, seja dos tiros diretos como dos tiros indiretos, capacidade provida pelo nosso Centro de Adestramento-Sul (CA-Sul).

Uma oportunidade ímpar proporcionada por nosso Comando de Operações Terrestres (COTER) para que a Brigada Niederauer olhasse para si e refletisse sobre seu futuro. E o que enxerguei?

Figura 1 – FORPRON da 6ª Bda Inf Bld em formação, em Saicã, em 09 Ago 22.

Fonte: 6ª Bda Inf Bld.

A trajetória que nos permitiu percorrer estes 100 anos da tropa blindada no Brasil e culminar com este adestramento de altíssimo nível foi repleta de feitos notáveis e de heróis anônimos. Afinal, não é fácil para um país da América do Sul acompanhar os conflitos que ocorrem no mundo e manter-se atualizado neste cenário de emprego de blindados em guerra convencional.

Os desafios foram imensos, sobretudo os logísticos, passando pela ciência e tecnologia, pela escassez de recursos orçamentários, pelas dificuldades de conciliar as missões da Força de um país-continente, de capacitação de pessoal, etc… Desta trajetória secular, tive a honra de testemunhar seus últimos 30 anos como oficial, sempre envolto no tema.

E o que atesto, sem sombra de dúvidas, foi o imenso avanço que tivemos, a cada momento proporcionado por situações que nem sempre foram compreendidas na sua plenitude por nossos soldados. O nascedouro da tropa blindada brasileira deu-se no contexto da 1ª Guerra Mundial. A nova capacidade foi rapidamente instalada em nosso território, por meio de líderes como o General Paiva Chaves e o Marechal José Pessoa, aproveitando-se do excedente criado na Guerra.

Na etapa seguinte, no contexto pré e pós Segunda Guerra e Guerra da Coréia, novamente fomos inundados por um excedente de blindados provido pelos EUA, do qual soubemos tirar proveito e seguimos até meados da década de 70, quando ocorreu a denúncia do acordo militar com aquele país aliado.

Passamos por uma fase interessante, na qual fomos lançados no desafio de criar nossa própria indústria nacional para prover nossos blindados, nos anos 70 e 80, onde modernizamos nossa frota com empresas nacionais e chegamos a desenvolver frota própria com a empresa ENGESA.

Após uma década perdida neste tema, fomos beneficiados com novo excedente de blindados, desta vez oriundo da Guerra Fria, os blindados alemães. Eu era um tenente em 1996 quando fui enviado à Bélgica para trazer os nossos blindados Leopard, na versão A1.

Nossas aquisições de blindados – os da Família Leopard , oriundos da Alemanha, no primeiro decênio deste século, lançaram a Tropa em outro patamar: melhoramos nossa infraestrutura logística para poder absorver tecnologias mais modernas, foi introduzido o uso de modernos simuladores – aplicados ao ensino e ao adestramento – e ainda efetivado um moderno sistema de suporte logístico por meio de empresa contratada, com o qual aprendemos muitos ensinamentos de sustentabilidade logística de materiais de defesa.

Passados 10 anos, com o material chegando ao fim da sua vida útil, a tropa blindada brasileira persegue o imenso desafio que será seu reequipamento. Desta vez, porém, o mundo não conta com excedentes, pois, com o término da guerra fria, nossos tradicionais aliados reduziram as suas forças de blindados, apenas mantendo programas de modernização bem menos audaciosos.

O conflito da Ucrânia lançou uma corrida desesperada de países europeus pelo reequipamento, e o Brasil ficou para trás numa fila de prioridades, dado que as indústrias de armas perseguem os negócios mais lucrativos, em termos de volume e de níveis de necessidade, impactando os tempos de entrega e a possibilidade de desenvolvimento de novos projetos. Atingiu-nos no momento em que lançamos o Projeto Estratégico Forças Blindadas.

Figura 2 – VBC Leopard 1A5 BR realizam tiro em uma Área de Engajamento, em 11 Ago 22.

Fonte: 6ª Bda Inf Bld.

A decisão a ser dada sobre o caminho a trilhar vai muito além da técnica do material ou dos recursos envolvidos. Exige, antes de tudo, criteriosa seleção de parceiros estratégicos, capazes de prover sustentabilidade logística a médio e longo prazo, e cujos objetivos possam estar alinhados com nossa Estratégia nacional de Defesa.

Neste cenário multipolar, esta escolha pode provocar algum tipo de represália em alguma outra iniciativa tecnológica ou mesmo nos campos político, econômico ou militar. Temos cinco projetos à vista: a modernização das VBR Cascavel, a modernização das Viaturas Blindada de Combate (VBC) Leopard, a aquisição ou desenvolvimento da nova VBC e da nova Viatura Blindada de Combate de Infantaria (VBCI).

Alea jacta est – a sorte já está lançada – dado que os dois primeiros projetos – o de modernização da Viatura Blindada de Reconhecimento (VBR) Cascavel e a aquisição da Viatura Blindada de Combate de Cavalaria (VBCCav) 8 x 8, já estão para serem implementados. Certamente nosso Estado-Maior buscará a melhor solução para integrar as soluções implementadas nos demais projetos que estão por vir, por critérios logísticos e de interoperabilidade.

Voltando à torre do meu blindado, a primeira vez que participei da Operação, denominada “Punhos de Aço”, já tradicional na Brigada Niederauer, era um major recém egresso da ECEME.

A operação ocorre sempre como coroamento do ano de instrução, no campo de Saicã. Mas este ano a Operação teve uma série de fatores especiais que a tornaram a mais efetiva já realizada pela Brigada.

Figura 3 – Força-Tarefa em progressão, contra força oponente, em 17 Ago 22.

Fonte: 6ª Bda Inf Bld.

Vínhamos nos preparando para ela desde o final do ano passado, com a Operação Imembuí, um exercício que envolveu todo o Comando Militar do Sul. Passamos pela capacitação individual dos quadros. A seguir trabalhamos dentro das frações mais elementares, com muita simulação virtual nos níveis pelotão e subunidade.

Depois passamos para a simulação construtiva no nível unidade e brigada, para culminar com a dita operação, que foi apoiada com os meios de simulação viva e oficiais controladores e observadores (OCA), conduzida com apoio do COTER por meio do CA-Sul.

Figura 4 – Observadores-Controladores atuando, em 17 Ago 22.

Fonte: 6ª Bda Inf Bld.

Tivemos ainda a sorte de contar, às vésperas da Operação, com um Seminário sobre o Conflito da Ucrânia, ocorrido em Brasília mas que pudemos acompanhar do campo por meio de videoconferência, juntamente com os oficiais e sargentos envolvidos no adestramento.

Meu Comandante de Divisão, Gen Tratz, percebeu a oportunidade de atualizar a tropa e proporcionou um ponto de transmissão na sede do campo de Saicã, que ocorreu às vésperas da emissão das ordens de operações. Todos saíram determinados a colher, à luz do que foi apresentado pelo nosso C Dout, os ensinamentos necessários e críticos para nosso aperfeiçoamento como tropa blindada.

Encontramos pela frente um Saicã implacável, no inverno gaúcho e solo bem encharcado, que permitiu testar ao máximo nosso material face a uma força oponente com material semelhante ao nosso. Os resultados foram tão interessantes que estão ainda sendo compilados para apresentação ao Comando Militar do Sul, em seminário que vai ocorrer no mês de outubro.

Entretanto, sem dar “spoilers”, aqui estão algumas das principais necessidades observadas por nossos soldados, de modo geral. São observações empíricas, mas embasadas no uso e trato com nosso material, na experiência dos quadros e nos resultados observados nos conflitos atuais.

A necessidade de melhoria da consciência situacional é praticamente uma unanimidade entre os quadros. A consciência situacional é o situar-se, e a fração ou unidade a que se pertence, no campo de batalha. Saber onde está o inimigo com a finalidade de colocar-se em posição vantajosa para vencê-lo.

A consciência situacional é algo inerente à arte da guerra, e sempre foi o motivo de vitória ou derrota nas batalhas. A partir do século XX, o uso das armas combinadas aumentou sobremaneira a necessidade de coordenação entre as diversas tarefas a serem executadas: entre os elementos de manobra, entre este e os de apoio de fogo, de engenharia e logística.

Figura 5 – Obuseiros M109A5 BR apoiando pelo fogo, em 17 Ago 22.

Fonte: 6ª Bda Inf Bld.

Saber sua posição é a necessidade mais elementar, mas outras são igualmente importantes: a troca de informações em tempo real, o compartilhamento de resultados de reconhecimentos, a visualização do ambiente ao seu redor, de dia ou de noite… O céu é o limite neste assunto, e os recursos envolvidos na obtenção de equipamentos mais modernos e robustecidos, adequados ao uso em combate, tão maiores quanto maiores forem as demandas.

É necessário fixar metas e ambições, mas romper definitivamente com o atual estado em que a tropa blindada está para um novo patamar. Iniciativas como o Projeto Proteus de nossa Diretoria de Fabricação poderão aportar importantes capacidades, mas ainda torna-se necessário a realização de experimentações doutrinárias mais elementares em cada um dos subsistemas de combate para se compreender a demanda e definir claramente metas e objetivos.

A ânsia pela integração dos SARP aos elementos de manobra é enorme, já sendo utilizado de modo rudimentar, com imensos benefícios em prol de reconhecimentos especializados. Fundamental seria acelerar este processo de integração. O adestramento de nossos elementos de apoio de fogo foi visivelmente notado.

Nos últimos anos, com o uso sistemático de nosso simulador de apoio de fogo do CA-Sul, nossas frações de morteiro e artilharia, juntamente com o trabalho dos observadores avançados e a aquisição de novos meios – particularmente os obuseiros AP M109A5 +BR e os morteiros pesados fabricados no nosso Arsenal de Guerra do Rio de Janeiro – apresentaram um salto em seu desempenho.

A busca, agora, é por agilizar o pedido entre os Observadores Avançados e as peças, preferentemente por meios eletrônicos. A solução visualizada poderia contemplar o emprego de um veículo especializado para a equipe de observação, ou mesmo a aquisição de meios portáteis e automatizados para esta tarefa.

Nossa IMBEL trabalha com o aperfeiçoamento de nosso Sistema Gênesis, que deve aportar boas capacidades neste sentido. Mas o tema ainda precisa melhor aperfeiçoamento e estudado.

Figura 6 – Bergpanzer prestando socorro, em 17 Ago 22.

Fonte: 6ª Bda Inf Bld.

Da mesma forma, sem engenharia eficaz a tropa blindada não vai a lugar nenhum. A esta conclusão chegamos após realizar ataques num Saicã encharcado. Em um país de terras aráveis, a mobilidade, contra-mobilidade e proteção precisa ser muito bem trabalhado, em particular nos escalões mais elementares.

Sentimos a necessidade de mais meios no escalão subunidade, que aportem maiores capacidades aos elementos de combate, desde ferramentas especiais até implementos a serem acoplados aos blindados. A demanda por trabalhos de engenharia, seja na ofensiva ou na defensiva, extrapola em muito as possibilidades de nossa engenharia. Mesmo gozando do privilégio de termos uma engenharia valor Batalhão – as demais brigadas do EB são apoiadas por subunidades – pudemos constatá-lo.

Figura 7 – Vtr Lança-Pontes apoiando à mobilidade, em 17 Ago 22.

Fonte: 6ª Bda Inf Bld.

A logística mais elementar, a ser aportada no 1º escalão das tropas, precisa de meios de mesma mobilidade da tropa. Fornecer água, combustível, munição, e proporcionar apoio de saúde e manutenção aos elementos mais avançados de uma Força-Tarefa que se desloca através campo é um imenso desafio.

Sem os meios adequados para realizá-lo, perdem-se rapidamente capacidades elementares. Precisamos conseguir meios que permitam realizá- lo. Durante a operação, tivemos um acidente com uma VBC Leopard.

O apoio foi rapidamente prestado por uma equipe bem treinada em APH embarcada numa VBTP M113 BR, que evacuaram os feridos para a área de retaguarda. Qualquer outro tipo de ambulância tornaria a evacuação impossível.

As viaturas de remuniciamento M992 usadas por nosso GAC foram eficazes em transportar toda a munição onde a demanda foi sentida, o que não aconteceu com nossos morteiros pesados, que dispunham de uma viatura 5 toneladas sobre-rodas para o transporte de munição.

O papel exercido por nossos Bergpanzers – viaturas blindadas de socorro – foi igualmente sentido por todos, rapidamente recompondo as frações após pequenas panes sofridas. São exemplos de sucesso que precisam ser expandidos.

Figura 8 – Vtr de Remuniciamento M992.

Fonte: 6ª Bda Inf Bld.

Nossa Infantaria precisa de um maior poder de fogo e melhor qualidade de armamento. Como fração, a falta de armamento mais potente torna o pelotão de fuzileiros uma fração extremamente vulnerável ao fogo inimigo. Ademais da potência de fogo da arma, atualmente uma metralhadora .50, seria necessário dotar cada um dos grupos de combate de um armamento com sistema de detecção de alvos que evite que o infante adentre em compartimentos do terreno em que possa ser destruído.

Dotar a VBTP M113BR de um armamento capaz de fazer isso é uma urgência. A função de proteção dos carros de combate se dá não só quando os fuzileiros estão desembarcados. Dotá-lo de meios de detecção e engajamento mais adequados, capazes de realizar o acompanhamento dos carros à noite, é uma deficiência operacional que reduz a capacidade de nossas Forças-Tarefa.

Adicionalmente, a função de proteção anti-drone, particularmente contra SARP de níveis mais elementares, poderia ser atribuída a esta fração, desde que disponha dos meios adequados. A solução pode estar num único equipamento, uma base que permita a detecção e engajamento desta ameaça e que também possibilite o engajamento de outros tipos de alvo.

Figura 9 – Infantaria Blindada atuando, em 17 Ago 22.

Fonte: 6ª Bda Inf Bld.

A infantaria precisa, ainda, ser melhor dotada de meios anti-carro. Acoplar mísseis em suas plataformas ou dotar grupos de combate de mísseis portáteis seria uma ótima solução. Ademais, a melhoria dos sistemas de pontaria dos fuzis, com dispositivos como mira holográfica, aumentaria sobremaneira a eficácia dos disparos de fuzis.

Os resultados obtidos na simulação viva deixaram-me preocupado por sua baixa eficácia, tanto que vamos incrementar as instruções de tiro durante o período de prontidão. Nossa Artilharia Anti-Aérea, dotada dos nossos GEPARD 1A2, mostrou sua eficácia.

Os GEPARD são uma arma fantástica, com mesma mobilidade e essencial para proteger o avanço de uma Força-Tarefa. As Bia AAAe AP poderiam aumentar suas capacidades acoplando mísseis anti-aéreos. Ademais, o aperfeiçoamento de seus sistemas de radar, integrando-os aos sistemas de busca já existentes, trariam ganhos ainda mais efetivos.

Figura 10 – VBC AAe Gepard1A2, atirando na Área de Engajamento em 09 Ago 22.

Fonte: 6ª Bda Inf Bld.

Concluindo nosso artigo, a tropa blindada do Brasil precisa seguir seu destino buscando sua efetividade a partir de sua gloriosa história, resgatando seu brilhante passado de inovação e ineditismo, sem perder de vista que somente poderemos ser senhores de nós mesmos por meio de parcerias estratégicas que permitam a sua sustentabilidade logística e autonomia tecnológica.

A qualidade dos adestramentos proporcionados permite enxergar nossas vulnerabilidades e os avanços que são necessários para alcançar sua efetividade. Sem o engajamento de outros entes (a chamada “Tríplice Hélice – academia, indústria e poder público) nesta busca constante, não seremos capazes de prosseguir riscando horizontes – como diz nossa canção da tropa blindada – em defesa do enorme patrimônio que nos foi legado.

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