Search
Close this search box.

Repensando a Tropa Blindada do Brasil

MARCELO CARVALHO RIBEIRO*

Nosso país se aproxima de um momento ímpar de nossa história. As mudanças no campo político, causadas por uma demanda de maior eficiência do Estado, vão requerer uma transformação em todos os campos do poder.

É chegado o momento em que o Brasil requer uma completa revisão de nossa estratégia militar terrestre, norteada por critérios mais objetivos, perseguindo sua eficácia por meio de indicadores mais claros de eficiência operacional, no contexto de sua realidade geopolítica.

Momento adequado para iniciar estratégias de médio e longo prazo que visem a alcançar este novo patamar. Hora de repensar a tropa blindada do Brasil.

DA GRANDE ESTRATÉGIA AO BLINDADO – UM PANORAMA GERAL

“A mobilidade, como componente do imperativo de flexibilidade, requererá o desenvolvimento de veículos terrestres e de meios aéreos de combate e de transporte”(END-2012)

A tarefa de repensar a tropa blindada passa por algo mais complexo: uma necessidade de revisão de nossa grande estratégia. Para isso, faz-se necessário olhar criticamente nosso entorno, o contexto geopolítico em que nos encontramos. Traçar uma meta, um horizonte claro: Próximos 30 anos? Próximos 60 anos? Quais os desafios que nos aguardam? Quais as prioridades e metas? É necessário largar o imediatismo e pensar grande, que somos um país que tem um lugar relevante no contexto mundial. Como tal, teremos ameaças internas e externas, de naturezas tão distintas e em cenários tão caóticos que não estarão restritos ao território nacional.

Este protagonismo vai exigir de suas Forças Armadas a capacidade atuar em face de um amplo espectro de ameaças: convencionais, cibernéticas, de terrorismo, do crime organizado… É necessário estar pronto em qualquer contexto para as demandas apresentadas pela nação. Nosso Exército, neste sentido, vem demonstrando alto grau de flexibilidade, refletido no elevado conceito que goza, atualmente, perante a sociedade brasileira.

Contudo, os seus projetos estratégicos receberam fluxos inconstantes de orçamento e, em alguns casos, apresentam-se já fora do contexto requerido dentro do prazo para eles estipulado quando de seus escopos. Ou mesmo deixaram-se determinadas demandas relevantes para outro momento, em função da falta de apoio político para concretizá-las.

Neste ambiente incerto, é preciso estabelecer novos norteadores que apontem: o que realmente é relevante? por onde começar? com que dimensão? em quanto tempo? E, finalmente, a mais crítica das perguntas: com qual montante de recursos? A Estratégia para Modernização de Viaturas de Combate dos Estados Unidos da América (EUA,2015) lança uma luz sobre as tarefas necessárias para que um Exército realize sua modernização, e serve de modelo para países com alguma ambição na área:

“O Exército deve prover a sustentabilidade das frotas existentes, modernizar as viaturas existentes à medida que a ciência e a tecnologia proporcione novas capacidades, desenvolver novas viaturas para alcançar novos requisitos que se apresentem , substituir plataformas obsoletas para aumentar sua eficiência, e avaliar as organizações, seus requisitos e capacitações à medida que houver mudança de situação.”(EUA,2015)

Os cinco verbos, grifados no documento original, são exatamente as ações a realizar de um exército que quer continuar perseguindo a modernização de sua tropa blindada. Especificamente para a tropa blindada brasileira, e neste contexto incluo as brigadas blindadas e mecanizadas, é necessário considerar que será sempre parte de um núcleo de guerra convencional, apta a atuar em todo o espectro de operações. É o que há de mais nobre e caro em um exército. Requer, portanto, ações estratégicas de médio e longo prazo, além de vultosos recursos e investimentos em todos os cinco verbos desta ação.

A mecanização da infantaria, tarefa em andamento, é desejável. Inicialmente, pensou-se em realizar esta tarefa por brigadas completas, mas o surgimento de necessidades, como as operações no Rio de Janeiro, fez com que este modelo fosse repensado. Necessário se faz, contudo, retomar o antigo modelo, de reaparelhamento por brigadas, para que a logística e a instrução estejam adequadas às organizações. O Projeto Guarani, em andamento, vem executando esta tarefa, apesar das restrições orçamentárias impostas, sempre revendo metas e alocando coerentemente os recursos.

A cavalaria mecanizada deverá entrar agora num momento de importantes definições, dadas pelo Estado-Maior do Exército e pelo Comando de Operações Terrestres. No centro das discussões, estão as necessidades de substituição das Viaturas Blindadas de Reconhecimento (VBR) Cascavel, das Viaturas Blindadas de Transporte de Pessoal (VBTP) Urutu e de novas plataformas a serem agregadas, como a nova Viatura Blindada Leve (VBL) Lince. 

Importante é dotar a cavalaria mecanizada da capacidade de combate noturno e proporcionar a modernização de suas plataformas de tiro. Outra discussão importante seria definir se a atual constituição do pelotão de cavalaria mecanizado continua adequada, com sua multiplicidade de frações (Grupo de Exploradores, Seção de VBR, Grupo de Combate e Peça de Apoio). Talvez a adoção de um modelo mais uniforme cumpra melhor suas finalidades.

A substituição das VBTP Urutu pelas VBTP Guarani vem seguindo um cronograma estabelecido pelo Estado-Maior, no Projeto Guarani. A adoção dos Can 105 mm para uma nova VBR a ser adotada em substituição à VBR Cascavel deve ser uma discussão que voltará à tona.

Uma revisão de suas tarefas clássicas – o reconhecer, cobrir e combater – deve ser feita a luz dos modernos meios disponíveis no campo de batalha. Faz sentido empregar uma tropa valor regimento numa operação de reconhecimento, com os modernos Veículos Aereos Não Pilotados (VANT), Sistemas Aéreos Remotamente Pilotados (SARP), ou com o sistema de imagens por satélite, por exemplo? Qual o futuro papel de plataformas terrestres remotamente pilotadas no reconhecimento? São questões que poderão impactar profundamente o “como combater”.

A cavalaria e a infantaria blindadas precisam de novas plataformas em médio prazo. Abre-se novamente a discussão sobre a substituição das Viaturas Blindadas de Combate Carros de Combate (VBCCC) Leopard 1A5 e da VBTP M113 BR. A utilização de plataformas de uma mesma família poderia facilitar sobremaneira a logística e a desejável integração de meios de busca de alvos, principalmente no combate noturno. 

As VBTP não fazem mais sentido na guerra moderna, pois a infantaria precisa estar dotada das mesmas capacidades de combate noturno das VBCCC, sob pena de ser inservível ao fim que se destina. Portanto, devem ser substituídas por Viaturas Blindadas de Combate de Infantaria (VBCI), dotadas de equipamento de visão noturna e canhões com capacidade de perfuração, no mínimo de 25 mm.

A aquisição recente das Viaturas Blindadas Obuseiros Auto-Propulsaldos (VBOAP) M109 A5  PLUS BR vai dotar nossa artilharia blindada dos meios necessários para o apoio de fogo às nossas tropas blindadas. A aquisição de meios de simulação deve melhorar seu adestramento, mas as demandas logísticas por munição são um limitador relevante para seu adestramento.

A busca de alvos, e principalmente sua compatibilidade com as plataformas eleitas para a infantaria e cavalaria, é um tema que vai requer atenção especial. Ressalta-se, neste aspecto, a incompatibilidade do sistema GENESIS, de comando e controle da artilharia, com os rádios Falcon Harris, adotados pela tropa blindada.

 

Nota DefesaNet

A IMBEL enviou para ao editor de DefesaNet  a seguinte nota referente à citação acima. Com permissão do autor publicamos a seguir:

– O Sistema Gênesis de Direção de tiros e Controle de Fogos, da IMBEL, é composto de vários módulos de software (programas) executados por diferentes computadores e tablets que se intercomunicam via protocolo IP. O provedor do protocolo é indiferente, seja um Wi-Fi comercial ou um rádio digital de campanha que oferece rede IP via radiofrequência.

–  Nesse aspecto, a despeito dos rádios IMBEL Mallet II contarem com uma série de facilidades para a transmissão de dados em redes, portanto tornando-os mais recomendados para o Sistema Gênesis, isso não implica que os rádios Harris Falcon III não possam ser usados. A IMBEL já demonstrou essa compatibilidade.

– Como resultado, foi assinado um Termos de Execução Descentralizada, onde o EB contrata a IMBEL do Sistema Gênesis às VBC OAP M109A5+ BR, equipados com rádios Falcon. O Sistema Gênesis, portanto, será adotado pela artilharia das Brigadas Blindadas.

IMBEL C2 Division

Nossa engenharia blindada ainda está muito aquém dos meios necessários. A demanda por engenharia para emprego operacional em território brasileiro é enorme. Basta entender que nossos campos são terras aráveis, em geral, impedindo o tráfego através campo de viaturas que não sejam sobre-lagartas. 

Os cursos d’água, presentes a cada 8 Km ou menos no territótio nacional, e geralmente com uma rede viária sem pontes capazes de suportar a transposição por viaturas com mais de 20 toneladas, tornam a engenharia peça fundamental para viabilizar a mobilidade das nossas tropas blindadas. O projeto Leopard, ao adquirir algumas viaturas blindadas de engenharia, lançou alguma luz sobre o problema. Porém, é necessário um avanço mais eficaz.

Nossa logística operacional logrou uma considerável melhora, dada pela aquisição de inúmeros meios nos últimos 10 anos. Ressalta-se, porém, a baixa quantidade de plataformas móveis sobre lagartas, necessárias para apoiar logisticamente as tropas blindadas. A complexidade tecnológica dos meios aumentou, havendo uma demanda crescente de novos equipamentos e de capacitação de pessoal para operá-los.

As dificuldades técnicas levaram à terceirização de muitos serviços, com riscos consideráveis de dependência externa, principalmente por falta de prestação do apoio, em caso de conflito. A obtenção de munição continua uma limitação relevante, apesar dos esforços em busca de nacionalização de seus componentes.

POR ONDE COMEÇAR?

Defendo que o menos importante e último aspecto a ser pensado é o meio a ser adquirido. Estamos há tanto tempo comprando plataformas usadas de outros exércitos, sempre como compra de oportunidade, que creio termos aprendido muitas lições importantes. É preciso utilizar estas experiências para se pensar “fora da caixa”, entender que, no centro deste processo, está um soldado, um militar realmente apto a cumprir uma tarefa complexa a ele destinada, e que este deve ser verdadeiramente o foco.

Qualquer reestruturação deve ter como base:

1) O militar a ser capacitado e 2) A definição correta das tarefas para o qual deve estar capacitado. Desta análise, feita de modo coerente com o ambiente e as ameaças, deve-se repensar as organizações, a instrução e, por último, os meios a se adquirir ou modernizar para viabilizá-la. Estes últimos, dado o grau de evolução tecnológica por que passa o mundo, rapidamente tornam-se obsoletos. Mas há uma base fixa de meios e ensinamentos na arte da guerra que não passam… é necessário focar, proporcionando aos soldados um treinamento eficaz.

Dadas estas características de especialização e volatilidade de meios, os Comandos Militares de Área, deveriam ter um papel mais relevante na decisão sobre a aquisição e na gestão dos meios facilitando, desta forma, a preparação, a logística e  o adestramento. Sem prescindir da estratégia da presença, tão relevante para nosso país, é preciso compreender que a concentração destas tropas em áreas onde possa realizar um adestramento de melhor nível e com mais baixo custo torna-se mais relevante que a presença, o que talvez exija a realocação de unidades. Não é à toa que uma das diretrizes da END é o alcance da  mobilidade estratégica:

 

O imperativo de mobilidade ganha importância decisiva, dadas a vastidão do espaço a defender e a escassez dos meios para defendê-lo. O esforço de presença, sobretudo ao longo das fronteiras terrestres e nas partes mais estratégicas do litoral, tem limitações intrínsecas. É a mobilidade que permitirá superar o efeito prejudicial de tais limitações.(Brasil,2012)

As tropas blindadas deveriam estar constituídas como Forças-Tarefa no nível subunidade desde o tempo de paz. Isto implicaria, talvez, em repensar os Regimento de Carros de Combate (RCC), estes compostos por 4 subunidades de Carros de Combate, e dos Batalhões de Infantaria Blindados (BIB), compostos por 4 subunidades de Infantaria Blindada, fazendo de ambos Regimentos de Cavalaria Blindados (RCB), compostos por 2 subunidades de cada.

É uma quebra de paradigma cultural  importante, mas com impactos muito positivos na capacitação e adestramento. Os RCB poderiam ser reorganizados em Forças-Tarefa, realizando a mescla fuzileiro-carros no nível subunidade.

Considerando nosso sistema de serviço militar obrigatório,  viabilizaria a adoção de um ciclo bi-anual de instrução dentro dos RCB, aproveitando-se os soldados engajados para uma melhor capacitação em carros de combate, com a vantagem de se manter os atuais percentuais de soldados engajados para este tipo de tropa estabelecidos pelo Estado-Maior do Exército.

A simulação de combate deve exercer um papel central nas tarefas de capacitação da tropa. Em suas três vertentes – viva, virtual e construtiva  – precisa ser estabelecida no nível mais elementar de capacitação. A aquisição de simuladores poderia ser substituída a médio prazo por serviços terceirizados, uma vez desenvolvida esta capacidade por nossa Base de Defesa.

Aliviaria, com isto, indesejados investimentos em sistemas, manutenção e compra de equipamentos que rapidamente tornam-se obsoletos.

Cada Unidade deveria possuir um pequeno centro de simulação, num nível subunidade, que poderia ser conectado via rede com outros centros. Os softwares de treinamento baseados em computador (TBCs) devem ser elaborados em versão que possam ser lidos em celulares, além da clássica versão de computador. A simulação viva pode ser executada, no nível subunidade e batalhão, em centros como o Centro de Adestramento-Sul, que poderia possuir uma versão modular, móvel, apta a se deslocar até as unidades militares.

Os objetivos de adestramento poderiam ser eleitos por Comando de Área, com base nos desafios a que vão ser submetidos os soldados naquele biênio. Devem ser flexíveis, de modo a permitir um amplo espectro de atuação. No caso de demandas específicas, como determinadas operações ou missões, deve ser realizado um treinamento mais intensivo.

Ter uma subunidade, ou batalhão/regimento pronto e adestrado por determinado período de tempo pode ser uma opção, caso a conjuntura exija, mas não precisa ser regra.  Isto andaria lado a lado com a geração das capacidades desejadas, estabelecidas pelo Estado-Maior Conjunto (Ministério da Defesa).

SEGUNDA FASE: AS ORGANIZAÇÕES E AS ESTRUTURAS DE APOIO

Pensada a capacitação, deve-se partir para se repensar as organizações e as estruturas de apoio.  Em primeiro lugar, as organizações e estruturas fixas de manutenção e treinamento, no nível unidade, devem  estar em condições de cumprir suas finalidades. Os recursos humanos para estas organizações e estruturas deveriam ter uma qualificação diferenciada.

Se na área de simulação seria desejável terceirizar, nas de manutenção, ao menos no nível brigada (unidades de combate, apoio e  nos batalhões logísticos) deve-se buscar uma autonomia, capacitando-se os mecânicos e as guarnições orgânicas para as manutenções preventivas e aquelas corretivas de menor complexidade.

Seria desejável que os mecânicos recebessem uma qualificação diferenciada, preferencialmente por meio de cursos técnicos, que poderiam ser realizados em parceria com escolas técnicas federais, utilizando-se o professorado altamente qualificado disponível naqueles estabelecimentos de ensino.

A complexidade dos materiais exigirá a presença de engenheiros militares no nível batalhão. Visualiza-se a necessidade de ao menos três tipos de engenheiros: mecânico-auto, de eletrônica e de computação. Eles poderiam atuar também nos batalhões logísticos, mas o nível de complexidade dos equipamentos exigirá sua interação diretamente na rotina diária dos combatentes.

Atualmente no 4º Batalhão Logístico, em Santa Maria, responsável, dentre outros, pelo material GEPARD, isto já é uma realidade.  

A realocação de unidades militares poderia ser pensada nesta fase, em função dos custos e benefícios. Logicamente, a concentração de unidades facilita a administração e diminui o custo de estruturas, que poderiam ser utilizadas de modo centralizado. Porém, há aspectos políticos e culturais que precisam ser considerados nestas realocações, e precisam ser bem analisados e discutidos.

A avançada idade de alguns quartéis e sua inadequação para os meios mais modernos é uma realidade que deve ser pensada. Ainda a proximidade destes dos campos de instrução poderia economizar enormemente os custos do adestramento. Hoje, há inúmeras unidades blindadas situadas a mais de 100 Km de campos de instrução, e o custo elevado de novas construções poderia ser altamente compensador a médio prazo.

Há necessidade, ademais, de se investir qualitativamente em áreas de instrução, com rede viária adequada e áreas de tiro que permitam treinar as capacidades da tropa. Uma área de instrução tecnicamente adequada, ademais, minimizaria danos ambientais indesejados. Hoje, o Campo de Instrução Barão de São Borja, em Rosário do Sul, é o mais adequado que possuímos. Há uma demanda em se adquirir outras áreas, maiores e com possibilidade de realização de tiro real, desfazendo-se de campos de instrução menos adequados.

ÚLTIMA FASE: AQUISIÇÃO E MODERNIZAÇÃO DAS PLATAFORMAS E ANEXOS

Uma breve análise da história do desenvolvimento e evolução do material de guerra disponível nos últimos anos aponta para algumas premissas, a saber:

1 – As plataformas tem uma duração média de 20 a 30 anos, permitindo a modernização de seus componentes internos.

2 – O custo de manutenção, juntamente com a logística de aquisição dos suprimentos, supera em muito os investimentos feitos nas plataformas;

3 – O conceito de modularidade, podendo-se adaptar as plataformas mediante a aquisição de componentes diversos, diminui custos e aumenta a flexibilidade no emprego;

4 – Os sistemas de proteção (blindagens ativa e reativa, camuflagem, proteção anti-assinatura radar) tendem ser aplicados de modo modular;

5 – Sistemas de tiro (giro de torre, elevação e controle de armas) tendem a ser elétricos;

6 – Optrônicos estão cada vez mais acessíveis, reduzindo-se seu custo;

7 – Conjuntos de força e turbinas estão cada vez mais eficientes, e têm evolução tecnológica mais lenta que equipamentos eletrônicos;

8 – Meios de comunicações tendem para uma evolução rápida, com necessidade de troca num período máximo de 5 anos, tendendo a maximizar o uso de redes, integradas por um sistema gerenciador de campo de batalha (GCB).

Com estas premissas em mente, seria necessário pensar numa quebra de paradigma para a aquisição de novos blindados, ou mesmo para os processos de modernização.

Uma proposta seria adotar um modelo flexível, com o que a aviação está muito acostumada:  contratos que prevejam um gestor principal, responsável pela integração, modernização ou aplicação de subsistemas que, contratados por um período de tempo, fariam as manutenções principais ou as trocas e modernizações necessárias.

Os erros e acertos cometidos recentemente no Projeto Guarani, e a experiência adquirida com o Projeto Leopard qualificam nosso Exército a realizar, com apoio de nossa engenharia militar, projetos mais flexíveis e ambiciosos na área.  Deve-se avaliar o “custo x benefício” em cada caso, com vistas a superar o clássico dilema da existência de um carro de combate: o equilíbrio entre poder de fogo, mobilidade e proteção.

 

Seria desejável que os contratos de aquisição e manutenção migrassem para os Comandos Militares de Área enquadrantes das tropas, o que os tornaria principais gestores dos meios. Isto permitiria uma fiscalização maior dos contratos e permitiria maior fluidez nas decisões que lhe dizem respeito.

A lógica para que isto ocorra é perfeitamente compreensível: quanto mais o adquirente dos serviços está próximo aos usuários, melhores os resultados. Logicamente, as Regiões Militares seriam os entes mais adequados para esta gestão, podendo-se trabalhar para uma especialização em determinado meio, para uma única Região Militar. Assim o fazendo,  o gestor principal dos usuários (pessoas) torna-se o principal gestor dos meios, numa lógica que poderia proporcionar um maior nível de interação.

Outro problema importante a enfrentar seria o de rever as organizações. Possuir todo o Quadro de Dotação de Material (QDM) para cada uma das Unidades Militares seria um teto desejável, mas talvez nunca atingido, em função dos recursos disponíveis e das possibilidades de utilização. O relevante é ter o pessoal qualificado todo o tempo e, até determinado escalão elencado, realizar as manobras previstas, talvez  num sistema de rodízio de utilização.

E também qualificar a tropa em operações mais básicas – como maneabilidade e exercícios de adestramento – com blindados mais antigos, para reduzir custos.

Dimensionar o quantitativo minimamente necessário para o adestramento anual de cada uma das unidades blindadas é algo complexo. Depende do nível de ambição elencado pela Força Terrestre e, em última instância, pelo Estado-Maior Conjunto. Nos últimos 20 anos, o EB vem trabalhando no adestramento da tropa blindada com um quantitativo de uma subunidade mais apoio logístico por batalhão. Esta opção tem-se mostrado adequada para a nossa realidade, entretanto experimentações poderiam ser feitas para subir o nível de ambição para uma Força-Tarefa Unidade por Brigada, com base em uma de suas unidades operacionais.  

Para se elevar estes níveis de ambição, deve-se repensar o modo de como as organizações estão estruturadas, a começar pelo seu material. Mobiliar a tropa blindada com plataformas integradas exige projetos de médio prazo, de 10 a 20 anos, com uma produção anual mínima assegurada, variando para cima conforme as possibilidades de investimento do país, que poderia firmar, ainda, parcerias com outros países interessados.

O fato é que o Brasil tem hoje uma demanda imediata de cerca de 112 Viaturas Blindadas de Combate Carros de Combate (VBCCC) – as dos nossos 4  Regimentos de Cavalaria Blindados(RCB), sem, ainda,uma previsão de dotação. Soluções imediatas incluiriam a aquisição de mais VBC Leopard 1A5 de países interessados em diminuir suas frotas.

Se buscarmos atender aos Quadros de Dotação de Material, cada RCB necessitaria de 26 VBCCC , e cada Regimento de Carros de Combate (RCC) – num total de 4 –  de 54 VBCCC, um somatório total de 320 veículos. Caso consideremos uma produção mínima anual de 16 veículos – o que seria bastante razoável – poderíamos levar 20 anos para suprir toda a demanda da Força, com um custo médio aproximado de 5 milhões de dólares por VBCCC.

Já a demanda de Viaturas Blindadas de Combate de Infantaria – opção pensada para substituir as VBTP no combate moderno, como já citado – seria de 324 veículos, considerando a reutilização das VBTP M113 para as tropas de apoio. Em 20 anos, teríamos uma demanda equivalente às das VBCCC ,  com custo médio aproximado de 3 milhões de dólares por viatura.

O montante total para a aquisição de uma frota para a tropablindada sobre-lagartas somaria o custo aproximado de 2,5 bilhões de dólares, o custo um milhão de dólares menor que o de um submarino nuclear brasileiro, ao longo de 20 anos, para se ter uma visão aproximada do custo. Obviamente, com maior quantidade de recursos, os prazos poderiam ser bastante acelerados.

Não se pode, ainda, olvidar de se investir em modernização das plataformas atualmente utilizadas.  As modernizações fazem-se necessárias para preservar os investimentos realizados e para manter o estado de prontidão requerido para o Exército. Obviamente, os investimentos realizados em modernização precisam estar necessariamente conectados com o programa de aquisição de novas viaturas, dada a necessidade de investimentos para manter as plataformas ativas durante seu ciclo de vida. Exige, portanto, planejamento prévio.  

CONCLUSÃO

Manter um exército moderno e apto a enfrentar os desafios que se apresentam é uma tarefa complexa: exige um pensamento prospectivo, com os pés no presente sem perder o foco das realidades que se apresentam. Conquistar e manter um exército no estado da arte é um dos objetivos nacionais permanentes de qualquer nação, que nem sempre pode pagá-lo: é o velho dilema das espadas ou arados. Buscar um meio termo que permita uma avanço constante é uma virtude, que só pode ser obtida por meio de um exército de pessoas comprometidas com seu país, e por meio de minucioso planejamento.

O Exército Brasileiro possui em seu legado histórico esta busca incansável: ao longo de toda sua história, seus integrantes sempre perseveraram na busca de melhor qualificação para cumprir sua missão. Este objetivo continua a ser perseguido, mas deve ser, antes de tudo, eficaz em mostrar à sociedade brasileira as vantagens de se investir em seu exército.

Os meios blindados de um exército proporcionam a flexibilidade e a proteção necessária ao combatente e a letalidade precisa necessária para vencer as batalhas que uma nação elenca. Investimentos neste campo são como um seguro de vida, que trazem benefícios sociais imensuráveis, assegurando a segurança necessária ao progresso de uma nação. É preciso planejar bem este investimento em momentos de crise, para poder  executá-lo no momento mais adequado.

-x-

*(O Autor é coronel do Exército, atualmente chefiando a Assessoria de Pessoal do Gabinete do Comandante do Exército. Foi comandante do Centro de Instrução de Blindados, de Dez 2011 a Jan de 2014).

REFERÊNCIAS:

BRASIL, Estratégia Nacional de Defesa, 2012. Disponível em www.defesa.gov.br. Acesso em 19 Nov 18.

ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, The US Army – Combat Vehicle Strategy, 2015. Disponível em http://www.arcic.army.mil/app_Documents/CVMS_SEP_Master.pdf. Acesso em 19 Nov 18.

Série Recomendada por DefesaNet

 

Série Reflexões Teóricas Sobre

Conflitos Assimétricos, Acesse:

 

Parte I – Introdução ao Momento Atual Link


Parte II – o Grupo de Combate de Infantaria Blindada e seus Meios Link


Parte III – A Engenharia de Combate Blindada como parte integrante das Forças-Tarefa Link


Parte IV – Artilharia, a Arma Precisa Link 

Parte V – Cavalaria Blindada nos Espaços Confinados Link

Compartilhar:

Leia também

Inscreva-se na nossa newsletter