Ten Iris Vasconcellos
Para o Comandante da Aeronáutica, a soberania do País também está ligada à autonomia tecnológica. Sediado em São José dos Campos, no interior de São Paulo, o polo de desenvolvimento científico e tecnológico da Força Aérea Brasileira tem mais de cinco mil pessoas trabalhando em 117 projetos de pesquisa. Os temas vão desde a geração de energia no espaço até a colocação de microssatélites em órbita.
Para navegar, localizar-se e enviar informações para equipes em solo, um drone, também conhecido como Veículo Aéreo Não Tripulado (VANT), ou uma Aeronave Remotamente Pilotada (ARP), depende de diversos sistemas – por exemplo, o GPS – alimentado por tecnologias que o Brasil ainda não domina. O que fazer se os detentores dessas informações deixarem de fornecê-las?
Reduzir a dependência de tecnologias e sistemas externos é um dos objetivos do projeto PITER, sigla para Processamento de Imagens em Tempo Real, que é desenvolvido pelo Instituto de Estudos Avançados (IEAv), subordinado ao Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA). A meta é instalar o sistema em drones, para que eles reconheçam o local sobrevoado e corrijam a navegação sem a intervenção humana. Na prática, se o drone for informado sobre os locais de saída e chegada, ele poderá fazer a rota sozinho.
Para a FAB, que possui um esquadrão composto por Aeronaves Remotamente Pilotadas – o Hórus (sediado no Rio Grande do Sul), o sistema é estratégico e determinante para as configurações de combate do futuro.
Esse é só um dos 117 projetos de ciência e tecnologia que estão em desenvolvimento nos institutos que compõem o DCTA. Estão sendo desenvolvidas pesquisas de acesso ao espaço, projetos que envolvem a propulsão – por turbina ou hipersônica – para os vetores aeronáuticos, inteligência artificial, que está sendo buscada por diversos países; e a produção de energia com dispositivos compactos em potência elevada.
“São tecnologias que quem sabe não ensina e, muitas vezes, os detentores do conhecimento não fazem nem parcerias. Cada um tem a sua”, destaca o chefe da divisão de projetos do DCTA, Coronel Maurício Pozzobon Martins.
Ele explica que os projetos podem surgir ou de uma necessidade operacional da Força ou de um vislumbre por inovação dos pesquisadores. Para ele, o diferencial da FAB é que a instituição possui um centro de pesquisa e desenvolvimento, enquanto Forças Aéreas de outros países são compradoras de tecnologias prontas. “Assim, em termos de soberania, a posição do Brasil é diferenciada, pois a tecnologia que nós não temos pode ser desenvolvida para a FAB pelo DCTA”, complementa.
Sistemas autônomos, capazes de tomar decisões independentes da ação humana, por exemplo, são tendências do mercado de tecnologia, que também investe na produção de materiais leves e resistentes. Já na área das Forças Armadas, o foco é o domínio do espaço aéreo e o desenvolvimento de sistemas espaciais, que são um diferencial para o cenário de guerra.
“A perspectiva é sempre de aumento dos projetos estratégicos para a FAB, pois a realidade e a desvantagem do poder aeroespacial são a rápida obsolescência tecnológica. E uma sociedade capaz de desenvolver tecnologia militar avançada, certamente, terá produtos na sociedade civil importantes, gerando renda, emprego e desenvolvimento para o país”, ressaltou.
Elio Shiguemori é o responsável pelo projeto PITER
Turborreatores nacionais
Como mísseis, alvos aéreos e drones adquirem velocidade e direção no espaço aéreo? Eles são propulsados por turbojatos considerados de pequeno porte. Um deles, o Turborreator de 5.000 N (TR5000), é um dos projetos desenvolvidos pelo Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE) com foco na área de turbinas a gás aplicadas à propulsão aeronáutica.
O projeto prevê o desenvolvimento de protótipos de um turborreator aeronáutico nacional, atendendo, principalmente, requisitos de instalação em veículos aéreos, de uso militar e civil.
Segundo o pesquisador Helder Carneiro, os turborreatores são artefatos que assumiram papel de destaque nos arsenais das maiores potências mundiais, tanto para treinamento de artilharia, quanto para qualificação de armamento, observação e defesa.
“No Brasil, os exemplos de aplicação são o uso de alvo aéreo fornecido por empresa estrangeira para as campanhas de teste do míssil MAAR, o alvo DIANA adquirido recentemente pelo Exército e, ainda, o míssil de cruzeiro em desenvolvimento pela Avibras”, destacou.
Segundo ele, o fornecimento de turborreatores (turbojatos e turbofans) desse porte é controlado pelas grandes potências. “O desenvolvimento de turborreatores de pequeno e de médio porte no País é de importância estratégica para a independência do Brasil nessa área”, complementou.
Turborreator TR5000 é um dos projetos desenvolvidos pelo IAE
Satélite em órbita
Imagine um veículo lançador de satélite, ou seja, um modelo de foguete que tem a finalidade de colocar satélites em órbita, composto principalmente por fibra de carbono. Esse é o diferencial do projeto VLM-1, que está sendo desenvolvido no Instituto de Aeronáutica e Espaço (IEAv). Com propelente sólido, ele está sendo projetado para colocar satélites de até 150 kg na órbita baixa da Terra, mais especificamente, a uma altitude de 2000 km com relação à superfície terrestre.
Se o VLM-1 for bem sucedido, o Brasil vai se tornar um dos dez países a conseguir tal feito. Segundo o gerente do projeto, Coronel Fábio Andrade de Almeida, o uso de estruturas em fibra de carbono aumentam a eficiência do veículo como um todo, diminuindo o peso da carga não útil.
“O desempenho esperado para o VLM-1 requer perfeita sincronia e funcionamento adequado de todos os sistemas do lançador. Para isso, motores, eletrônica embarcada, sistemas estruturais e módulo de carga útil precisam ser fabricados dentro dos mais rigorosos requisitos estabelecidos pelo IAE. O atingimento destes requisitos colocará a indústria nacional em um novo patamar de fornecimento de produtos altamente tecnológicos”, explicou o gerente.
Foguete VS-40 equipado com satélite SARA
Experimentos no espaço
Outro foco do IAE é a produção do Satélite de Reentrada Atmosférica. Denominado projeto SARA, o objetivo é desenvolver e fabricar dois módulos espaciais recuperáveis para o cumprimento de duas missões diferentes.
A primeira é a realização de experimentos de curta duração (aproximadamente 10 minutos) em local de microgravidade, ou seja, com a atuação mínima da força da gravidade. Nesse contexto, permite-se observar e explorar fenômenos e processos em experimentos científicos e tecnológicos que seriam mascarados sob a influência da gravidade terrestre.
“A condução de experimentos num ambiente de microgravidade possibilita o melhor entendimento, e o posterior aperfeiçoamento na Terra, de processos físicos, químicos e biológicos”, destaca o gerente do projeto, Major Élcio Jeronimo de Oliveira.
Já a segunda missão prevê a inserção e permanência do módulo em ambiente espacial, em órbita equatorial baixa (300km de altitude), por até 10 dias. Nesse período, poderão ser realizados diversos tipos de experimentos que necessitem das peculiaridades do ambiente espacial em um intervalo de tempo maior que o praticado pelo módulo suborbital.
Uma das diferenças entre as duas missões é a forma de chegada até o local pretendido. Na primeira, são utilizados foguetes e na segunda é necessário um veículo lançador de satélites que possui maior porte e é mais complexo.
Nos dois casos, após o término da missão, o SARA reentra na atmosfera, tem o sistema de paraquedas acionado e é recuperado em um ponto pré-determinado para ser reutilizado durante a sua vida útil. Veja como funciona o SARA no infográfico abaixo.
Infográfico explica as fases de lançamento do SARA
Energia em ambientes remotos
Já no Instituto de Estudos Avançados (IEAv) está sendo desenvolvido o projeto TERRA, com o objetivo de produzir um dispositivo gerador de energia elétrica com possibilidades de ser transportado para locais de difícil acesso. O dispositivo é baseado no princípio de geração de calor utilizando energia nuclear.
Os ambientes de difícil acesso podem ser locais variados, como o espaço, incluindo órbita da Terra e outros astros, a superfície de astros como a Lua, Marte, asteroides, etc. Também está incluso o leito oceânico (a 2000m de profundidade) para exploração do petróleo do pré-sal, regiões extremas (regiões polares) da Terra e locais de catástrofes ambientais que venham a ser isolados da malha elétrica.
O sistema possui como fonte térmica o calor produzido em um reator de fissão nuclear. Além de ser utilizado para fazer funcionar satélites, o sistema térmico também proverá propulsão ao dispositivo permitindo o controle da trajetória tornando-o um dispositivo exploratório.
“Eventualmente, o sistema poderá ser utilizado no espaço em satélites, naves espaciais, entre outros”, explica o gerente do projeto, Lamartine Guimarães.