Maj Art CEZAR Augusto Rodrigues Lima Junior
O ano de 1957 viu o homem realizar um dos maiores feitos da história. O lançamento do Sputnik pelos soviéticos representou o início da Revolução Espacial. Se 61 anos antes Santos Dumont dava início à Era da Aviação, os cientistas da União Soviética haviam conseguido algo que modificaria completamente a vida das pessoas nos anos seguintes.
Os americanos também não ficaram atrás e 12 anos depois fizeram a humanidade pisar na Lua, outro “grande passo” na famigerada corrida espacial. Sabe-se que os programas espaciais americano e soviético eram fruto da bipolaridade do pós-guerra e estavam inseridos em um contexto militar. Não à toa, o desenvolvedor do famoso foguete Saturno V da Apolo 11, Wernher von Braun, foi o engenheiro que muitos anos antes havia participado do desenvolvimento da temida V2 alemã.
De fato, grande parte da tecnologia que utilizamos hoje é proveniente da área militar, principalmente da área espacial. O que seria das nossas vidas hoje sem o sistema GPS? Os aviões comerciais se orientam utilizando GPS e sistemas inerciais de ponta por meio da sua constelação de satélites. As nossas viagens de automóvel ficaram mais fáceis e rápidas, uma vez que podemos escolher os melhores caminhos e encurtar as distâncias. Até mesmo a televisão, a internet e a telefonia migraram para o domínio espacial, que o diga o bilionário Elon Musk.
Poderíamos aqui dissertar longamente sobre as benesses que nos foram legadas por meio dos programas militares, visto que suas tecnologias sempre encontram um uso dual e o mundo civil termina sendo o maior beneficiário, pois no intervalo dos conflitos inerentes à natureza humana, a civilização encontra caminhos de desenvolvimento. Ansiamos pela paz, no entanto, alguns dizem que não há paz, apenas períodos entre guerras.
A história é marcada por conflitos entre tribos, civilizações, ideologias, em que os Estados buscam desenvolver e aperfeiçoar as suas Forças Armadas de modo que tenham um argumento muito “sólido” para defender e garantir sua soberania e interesses nacionais. O autor não visa aqui tratar do realismo ou idealismo no campo das relações internacionais, mas sim reconhece que a guerra é um fenômeno real que cedo ou tarde pode bater a nossa porta.
Trazendo a discussão para o Brasil, será que estamos preparados? Somos um povo pacífico, não buscamos nos envolver nos conflitos alheios e sempre tivemos uma postura contrária à animosidade. No entanto, o Brasil é um gigante de 8,5 milhões de quilômetros quadrados que detém uma das maiores biodiversidades da Terra e uma das maiores quantidades de água doce do planeta, além de riquezas minerais incalculáveis. Isso desperta cobiça, sempre despertou. Ainda nos tempos coloniais, foram várias as tentativas de franceses, ingleses, holandeses e espanhóis de estabelecer domínio no que hoje é nosso território. Não só terra, mas também águas territoriais e a Zona Econômica Exclusiva, a qual é riquíssima em petróleo e pescado. Logo, o mundo deve chegar aos 10 bilhões de habitantes que precisam ser alimentados, hidratados e de muita energia. O Brasil tem tudo isso. Já somos o celeiro do mundo. Já somos um dos maiores produtores mundiais de proteína animal.
O brasileiro precisa ter ciência das nossas potencialidades. Precisa acordar para o fato de que a riqueza, mesmo potencial, gera inveja e cobiça. Eis que muitos estrangeiros verdadeiramente perguntam se nós somos capazes de gerir todo esse “legado para a humanidade”. A Amazônia brasileira, quase 60% do nosso território é mesmo nossa? Os povos que ali habitam podem ser cuidados pelo Estado brasileiro? Sabemos que sim. Esforçamo-nos todos os dias para gerir nossos recursos, mas em um mundo onde se projeta escassez de recursos, a narrativa pode se inverter contra os nossos interesses.
Por que, então, o Brasil precisa de mísseis e foguetes? Ora, se existe um armamento na atualidade que é capaz de dissuadir ameaças externas no campo militar, eis o míssil, eis o foguete. Toda a digressão anterior sobre a importância dual desses engenhos no campo científico-tecnológico é muito válida. Precisamos de satélites de comunicações civis, de monitoramento de queimadas, de geolocalização e de informação. Precisamos dar um passo definitivo no domínio espacial. O Brasil precisa lançar satélites se quiser garantir sua independência, sua soberania tecnológica. Temos cientistas de peso em São José dos Campos no Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA) e em tantas universidades. Temos base de lançamento com a melhor das localizações, Alcântara. Temos história no desenvolvimento de foguetes. A nação precisa acordar para essa necessidade. O investimento, apesar de alto, se reverterá em benefícios que, posteriormente, superarão em muito os custos.
Mas voltando ao campo militar, mísseis e foguetes foram e continuam sendo armas fundamentais nos arsenais dos principais países. São mísseis balísticos, mísseis de cruzeiro, mísseis terra-ar, ar-terra, ar-ar, mar-terra, mísseis anticarro, mísseis antinavio, foguetes guiados, foguetes balísticos. Muitos são os tipos, no entanto, se examinarmos os conflitos da atualidade, especificamente a atual guerra russo-ucraniana, veremos que são essas armas que têm feito a diferença. Em ambos os lados, foguetes lançados de plataformas Smerch, Uragan ou Himars, mísseis anticarro, entre outros, têm barrado avanços de blindados, destruído linhas e depósitos de suprimento, cortado comando e controle. Até navios de grande porte como o cruzador Moskva foram afundados por mísseis como alegam os ucranianos.
Os Estados Unidos e a China, os dois grandes “players” no concerto das nações, mas também Paquistão, Irã, Israel, França, Índia, Coreia do Norte, Turquia, todos desenvolvem mísseis e foguetes. E nós brasileiros, pacíficos e alegres, como nos colocamos nesse mundo “caótico”? Realmente queremos a paz. Queremos a nossa praia, o nosso carnaval, a nossa “cervejinha”, a nossa festa junina e agradecer a Deus todos os dias toda a majestade de se viver numa terra maravilhosa, onde tudo que se planta se colhe. Mas a guerra pode bater a nossa porta. Estamos preparados? Temos como garantir a nossa paz, aquela que “queremos com fervor”? Temos sim. Precisamos investir na nossa indústria bélica, nas nossas Forças Armadas e precisamos de armas que nos garantam poder de dissuasão, mísseis e foguetes.
Hoje, por diversas razões, a única fabricante brasileira de mísseis e foguetes, com anos de história, engenheiros e técnicos altamente qualificados, dona de diversos projetos importantes, se encontra em sérias dificuldades. A AVIBRAS é parte da história espacial e militar brasileira. O Brasil precisa de mísseis e foguetes para garantir sua soberania, tecnologia e desenvolvimento nacional. Não queremos nos envolver em guerras, no entanto, se tivermos que defender as nossas riquezas, não podemos ser dependentes, não podemos perder a capacidade de produzir armas de dissuasão. Não podemos dar um passo atrás.
Por conseguinte, nosso povo precisa aceitar o destino de grandeza do Brasil ante as nações. As conquistas que nos foram legadas pelos portugueses são de todos nós para que possamos nos desenvolver e delas usufruir pacificamente, com responsabilidade, mas de maneira soberana. Se quisermos garantir o usufruto de tudo isso sem sermos molestados por nenhum assaltante externo precisamos de dissuasão. É verdade que não se luta uma guerra somente com mísseis e foguetes, mas toda tecnologia dual agregada por este tipo de armas confere ao seu detentor o argumento “sólido” para que possa jogar com qualidade o “xadrez geopolítico internacional”.
Maj Art CEZAR Augusto Rodrigues Lima Junior
Mestre em Operações Militares pela ESAO. Foi instrutor do Curso de Artilharia da AMAN e da Escola de Capacitação e Aperfeiçoamento de Oficiais da República Oriental do Uruguai. Integrou a Equipe de Desenvolvimento do Simulador de Apoio de Fogo. Especialista em Artilharia de Mísseis e Foguetes, no Forte Santa Bárbara foi Comandante de Subunidade e Oficial de Doutrina do 6º GMF e Instrutor e Chefe da Divisão de Ensino do Centro de Instrução de Artilharia de Mísseis e Foguetes. Exerceu o Comando da Bateria de Comando do Comando de Artilharia do Exército naquele mesmo local. Atualmente é aluno do Curso de Comando e Estado-Maior da ECEME.