Paula Adamo Idoeta
A Copa do Mundo de 2014 provocará milhares de deslocamentos aéreos pelo Brasil, que ainda tem muitos problemas de infraestrutura para resolver. Mas existe o risco de um caos aéreo?
Nesta quinta-feira, a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) autorizou 1.973 voos extras para as companhias aéreas durante o período da Copa. As empresas áereas também terão mais flexibilidade para cancelar e remanejar voos nessa época.
A maioria dos observadores e profissionais do setor consultados pela BBC Brasil acha que haverá transtornos pontuais durante o Mundial, mas não tão graves a ponto de configurar um caos aéreo. Mas eles citam diversos desafios para o bom funcionamento do setor – sobretudo na segunda fase do Mundial, cujas partidas só serão definidas a partir dos resultados da primeira fase.
"Isso já é uma resposta à necessidade de passagens a preços menores, atendendo à alta da demanda", diz à BBC Brasil Guilherme Ramalho, secretário-executivo da Secretaria de Aviação Civil.
Ele diz que a experiência adquirida em grandes eventos recentes – Rio+20, Copa das Confederações e visita do papa – permitiu que o setor se preparasse e se planejasse para o fluxo de passageiros da Copa. "Temos toda a condição de sediar o evento com toda a competência", agrega.
Ao mesmo tempo, infraestrutura aeroportuária, eventos climáticos imponderáveis, pontualidade e mobilidade urbana estão entre as principais questões a serem enfrentadas pelas empresas aéreas, aeroportos e autoridades – e cujos efeitos respingarão nos clientes. Especialistas temem também pelas dificuldades de mobilidade urbana, em cidades onde o trânsito já é naturalmente caótico.
Confira, a seguir, alguns fatores que podem dificultar – ou aliviar – o setor aéreo brasileiro durante a Copa do Mundo:
Grandes eventos prévios
Para a Abear, associação que reúne as companhias aéreas brasileiras, "a Copa representa um desafio logístico de demanda concentrada, mas não é diferente de situações já familiares ao setor, como a sexta-feira véspera de carnaval" – quando brasileiros e estrangeiros vão em massa aos aeroportos, aproveitando o feriado para viajar, em geral para cidades com festividades carnavalescas.
Mas existe uma questão-chave que difere a Copa do carnaval: o horário da partida. "(Os viajantes) precisarão chegar ao destino final até 3 horas antes do jogo", lembra Respício do Espírito Santo Jr, especialista em transporte da UFRJ. Ou seja, atrasos em voos, que muitos tolerariam no carnaval, podem prejudicar seriamente o viajante na Copa.
Infraestrutura aeroportuária
Para Espírito Santo, o "calcanhar de Aquiles" atual do setor aéreo brasileiro são os pátios de aeronaves – ou seja, o espaço físico para abrigar os aviões nos aeroportos e para manter o fluxo de aeronaves pousando e decolando.
Ele diz que, na mais recente edição da Eurocopa, os países-sede Ucrânia e Polônia remanejaram as posições de pátio das aeronaves, para dar conta do maior fluxo de voos. Aqui, em aeroportos que sofram de sobrecarga de voos, Espírito Santo opina que será preciso "aumentar a agilidade" do fluxo de aeronaves, possivelmente adaptando pistas usadas para taxiar como "estacionamento" de aviões e gerenciando decolagens.
A Abear diz que a infraestrutura aeroportuária é um ponto importante, por haver "pontos saturados ou perto disso" em alguns aeroportos brasileiros.
Aeroportos menores (por exemplo, de Manaus e Cuiabá), pouco acostumados a grandes volumes de voos ao mesmo tempo, podem ter transtornos pontuais. "Será que a equipe em terra das companhias aéreas estarão preparadas para manejar 30 voos a mais, por exemplo? Há dúvidas", questiona um técnico da Anac que pediu para não ter o nome divulgado.
Ramalho, da Secretaria de Aviação Civil, diz que haverá posições de pátio suficiente, somando-se obras em parte dos aeroportos das cidades-sede e a permissão para que, em alguns casos, aeronaves façam o pernoite em aeroportos menores, próximos às cidades-sede.
Ele alega que essas as obras de expansão de aeroportos não foram feitas para a Copa, e sim para aplacar a crescente demanda por viagens aéreas – entre 2003 e 2012, o setor de aviação civil triplicou. "É um legado que ficará."
'Substituição' de passageiros
Para especialistas, um dos principais motivos pelos quais um caos aéreo na Copa é improvável é o fato de que os viajantes tradicionais vão evitar os aeroportos durante o Mundial – aliviando o sistema aéreo.
"Em países onde houve outros grandes eventos, há uma substituição de tráfego: as viagens de negócios caem muito e o turista tradicional se afasta", dando mais espaço aos fãs de futebol, explica Elton Fernandes, que acompanha o setor aéreo na Coppe (instituto de pós-graduação em engenharia na UFRJ).
Mas Ricardo Uvinha, professor de Lazer e Turismo da USP, cita pesquisa do Ministério do Turismo prevendo que 600 mil estrangeiros e 1 milhão de brasileiros pretendem transitar pelo país durante a Copa. "A intenção de viajar aumentou em 2014, e muitos vão querer viajar de avião. É um aporte enorme, e não sabemos se os aeroportos vão conseguir acompanhar."
Segunda fase da Copa
Com base em dados das compras de ingressos no site da Fifa, as companhias aéreas já conseguiram estimar a demanda de turistas e seus destinos na primeira fase da Copa. A segunda fase – cujas seleções participantes ainda não foram definidas – traz desafios maiores.
"As empresas terão de (remanejar sua operação) de uma semana para a outra", explica o técnico da Anac. Isso inclui programar a tripulação destinada a novos voos e obter autorização da Anac.
Para a Abear, a segunda fase ainda é "um exercício de adivinhação", mas, por outro lado o número de partidas será menor. E, para ter flexibilidade de atender a demanda da Copa, as empresas poderão, excepcionalmente, alterar voos com 24 horas de antecedência.
Eventos imprevisíveis
Mesmo que todo o planejamento do setor aéreo funcione, existe o perigo do imponderável: um nevoeiro no Sul que atrase os voos de toda a malha aérea, ou a queda de sistema de informática de uma companhia aérea, por exemplo.
"O fechamento temporário de um aeroporto por causa de névoa já atrapalha tudo", explica o técnico da Anac.
A Abear concorda: "Questões meteorológicas são uma suscetibilidade: se você pensa na malha aérea de forma integrada, há um efeito cascata (em voos por todo o país)", diz a assessoria de imprensa do órgão.