Entre os Projetos Estratégicos Indutores da Transformação, responsáveis pela entrega de capacidades específicas para a Força Terrestre, o Projeto Guarani é aquele que impactará mais fortemente as armas base (Infantaria e Cavalaria), propiciando a geração de aptidões diversas para o cumprimento de uma variada gama de tarefas e missões. Esse importante vetor direciona esforços para a obtenção de uma Nova Família de Blindados de Rodas (NFBR).
A versão 6X6 já é uma realidade com a Viatura Blindada de Transporte de Pessoal Média de Rodas (VBTP-MR), desenvolvida pelo Exército Brasileiro (EB) e pela Iveco Latin America e conhecida como Viatura Guarani. Os entendimentos para a obtenção da plataforma 4X4 já avançaram com a definição dos Requisitos Operacionais Básicos da Viatura Blindada Multitarefa Leve de Rodas (VBMT-LR) nas várias versões que permitirão seu emprego em diversas atividades operacionais, de apoio ao combate e de apoio logístico.
Constam, ainda, itens como razoável proteção blindada, sistemas de armas de letalidade considerável e outros equipamentos de avançada tecnologia, sem comprometimento das características básicas de flexibilidade e versatilidade, e de peso e volume reduzidos.
Os estudos sobre a subfamília 8X8 estão em sua fase inicial, partindo da definição da torre e do sistema de armas para decisão sobre os requisitos da plataforma veicular que promova a melhor integração desses sistemas, visando à obtenção de uma nova Viatura Blindada de Reconhecimento Média de Rodas (VBR-MR).
Essa última plataforma permitirá acrescentar às viaturas de rodas maior potência de fogo e proteção blindada contra armas de maior calibre, com grande mobilidade estratégica e tática, além de incorporar novas tecnologias que já equipam os blindados pesados sobrelagartas mais modernos.
É importante ressaltar que o substancial da NFBR será sua capacidade de incorporar novas tecnologias em todos os campos do conhecimento que possam ser aplicados aos conflitos modernos. Softwares para gerenciamento do campo de batalha para obtenção da consciência situacional em todos os escalões, inclusive nas frações elementares de tropa; estruturas para tráfego de voz, dados e imagens integrados à estrutura eletrônica da viatura e do sistema de armas; equipamentos para operação noturna plena; elevadas velocidade e autonomia em estradas; sistemas de proteção ativa e passiva – baixas assinaturas térmica e radar, aviso de detecção por laser; proteção blindada, entre outros – serão apenas algumas das possibilidades que poderão ser incorporadas pelas plataformas. As exigências feitas até há pouco tempo serão expandidas. Não bastará aos novos blindados “andar, atirar e falar”, na linguagem corriqueira utilizada para definir a disponibilidade ou não de nossos meios blindados de rodas e sobre lagartas. Tudo isso implicará um novo pensar e novas formas de treinar e combater, resultando em nova doutrina e nova organização, além de ajustes na articulação da Força Terrestre.
Outro aspecto importante do projeto é a busca por de modernidade para esses novos blindados, sempre que possível, com independência tecnológica, adquirida por meio do desenvolvimento índices do setor de pesquisa e inovação, privilegiando a indústria nacional de defesa e a geração de empregos e de renda no Brasil. A estação de armas remotamente controlada, que já equipa as VBTP-MR, é exemplo disso, por possibilitar eficiência na realização do tiro e proteção à guarnição da viatura.
Além da busca por elevados índices de nacionalização em suas entregas, o Projeto Guarani poderá contribuir para alavancar a pauta de exportações e a estratégia da cooperação em defesa com nossos vizinhos, conforme preconizado pela Estratégia Nacional de Defesa.
É imprescindível ressaltar uma das ideias fundamentais da concepção de transformação, em geral, e do Projeto Guarani, em particular. O projeto não foca apenas a obtenção de novos materiais por aquisição ou por desenvolvimento. Não se trata de continuar a fazer o mesmo com um novo material; o que se busca, em última instância, é a obtenção de um fazer diferente, o desenvolvimento e a incorporação das novas capacidades exigidas pela guerra moderna.
A Modernização da Cavalaria Mecanizada
É inegável que a Cavalaria Mecanizada (C Mec) sempre foi o melhor exemplo da flexibilidade, adaptabilidade e modularidade agora preconizadas pelo documento Bases para a Transformação da Doutrina Militar Terrestre, com vistas à preparação do Exército para a Era do Conhecimento. Na conjuntura em que foi criada, na década de 1970, a tropa de natureza C Mec representou uma solução inovadora para uma grande quantidade de desafios da Força Terrestre. Entretanto, nos dias atuais, diversos aspectos que marcam o emprego desse tipo de tropa apresentam condicionantes bastante distintas.
No que concerne às operações de reconhecimento, parece óbvio que os dados sobre a região de operações e sobre o oponente são ainda mais importantes nos dias atuais, fazendo com que a busca pela superioridade das informações seja vital para o sucesso. Ocorre que a Era do Conhecimento disponibiliza vetores tecnológicos que permitem reduzir substancialmente o emprego de efetivos para obtenção dessas informações imprescindíveis. Radares de Vigilância Terrestre e Sistemas de Aeronaves Remotamente Pilotadas, dentre outros sensores, devem ser utilizados pelas tropas terrestres para as missões de reconhecimento, permitindo novas configurações menos intensivas em pessoal para respostas mais adaptadas aos desafios atuais. Tais meios, no entanto, não reduzem a importância das tropas terrestres especializadas em operações de reconhecimento físico no terreno, uma vez que não há perspectiva de domínio da tecnologia de sensoriamento por satélite em tempo real, com detalhamento e precisão adequados e sem qualquer tipo de ameaça à sua plena utilização.
Nesse aspecto, a importância, para a Força Terrestre, do tema da digitalização do espaço de batalha e da integração da informação em todos os níveis pode ser medida pela criação da 4ª Subchefia do Comando de Operações Terrestres para a Gestão das Informações Operacionais. A integração a esse novo sistema deverá ser um dos pontos de referência para a modernização que se pretende para a C Mec.
A matricialidade intrínseca ao tema da gestão da informação indica, também, diversas imposições que devem ser observadas pela nova C Mec nas operações de reconhecimento em função do Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (SISFRON), outro importante projeto indutor da transformação do Exército. Particularmente no que se refere a seu subsistema de sensoriamento, sobressai–se o potencial de contribuição da C Mec, não apenas em função da base doutrinária que já possui para esses tipos de operações, mas também em função de sua larga experiência com os Destacamentos de Fronteira atualmente em fase de rearticulação para Pelotões de Fronteira.
Os novos meios impactam também as missões nos graus de segurança “proteger” e “vigiar”, exigindo um repensar quanto à adequabilidade delas às concepções de emprego da C Mec atual. São grandes as possibilidades de ajustes na organização e no emprego da C Mec, em função da utilização dos novos sensores tecnológicos para melhor cumprimento de suas missões clássicas e ampliação das capacidades operacionais nas demais tarefas no amplo espectro.
Essa busca por novas concepções de emprego deverá, inclusive, considerar metas de longo prazo da Força Terrestre, tais como a obtenção da capacidade de lançamento de mísseis balísticos táticos e de defesa, bem como as entregas mais imediatas previstas pelo Projeto Astros 2020. Os novos sistemas de foguetes e mísseis proporcionarão à Força Terrestre maior alcance e precisão do apoio de fogo, exigindo ajustes na doutrina da C Mec.
Os desafios que se apresentam hoje para a C Mec são simples de formular e complexos de responder. Quais as possibilidades e as limitações dos novos vetores tecnológicos disponíveis para emprego no amplo espectro das operações? Como organizar e adestrar as frações elementares a partir dos novos meios e das novas condicionantes? Quais fundamentos e princípios de emprego ainda são atuais? O que deve ser abandonado, mantido ou ajustado? Quais os fatores que podem permitir a C Mec manter suas aptidões em um cenário prospectivo de permanente mudança? Como aproveitar o Projeto Piloto do SISFRON, implantado na 4ª Brigada de Cavalaria Mecanizada (4ª Bda C Mec), para buscar essas respostas?
Em síntese, a C Mec é obrigada a se modernizar para manter sua invulgar versatilidade, fator que a tornou imprescindível em todas as fases do combate e impôs sua articulação no território nacional nas principais áreas consideradas estratégicas, dentro de concepções condicionadas por dinâmicas regional e internacional já transformadas.
A C Mec modernizada será fundamental para que o Exército seja conduzido ao patamar de força armada de país desenvolvido e ator global, capaz de se fazer presente, com a prontidão necessária, em qualquer área de interesse estratégico. Será construída partindo da mesma base que se tem hoje, com ousadia e sem ansiedade, com foco nos resultados, vencendo, com respeito e tolerância, as resistências culturais que dificultam as mudanças e, principalmente, de forma escalonada, respeitando a realidade orçamentária da Força Terrestre.
A Mecanização da Infantaria
Alguns aspectos da transformação do Exército são de fácil comunicação e consenso. As reduzidas possibilidades da Infantaria Motorizada nos conflitos modernos não deixam dúvidas quanto à necessidade de profundas transformações nesse tipo de tropa, mesmo não sendo ainda viável financeiramente, em médio prazo, alcançar todas as organizações militares (OM) dessa natureza. As exigências de proteção mínima para o combatente moderno, mais do que reduzir perdas em vidas humanas e, consequentemente, angariar o apoio da opinião pública e a condução das operações militares, permitem efetividade das ações e maior aptidão para o cumprimento de uma variada gama de missões táticas.
O emprego pelas tropas brasileiras da VBTP Urutu nas missões do Haiti, com todas as limitações da idade do projeto da viatura e sem a incorporação de tecnologia mais avançada, demonstrou a importância da viatura blindada em missões dessa natureza, desenvolvidas em áreas humanizadas. Entretanto, constitui-se apenas parte da versatilidade que será oferecida pelos novos meios. A mecanização da Infantaria deverá resultar em um novo tipo de tropa capaz de atuar em operações ofensivas, defensivas, de pacificação e de apoio a órgãos governamentais, simultânea ou sucessivamente, em situações de guerra e de não guerra, e com elevada capacidade para emprego em operações conjuntas e interagências.
Permitirá a formação de um novo combatente de Infantaria, com alto grau de iniciativa que o capacitará a ser empregado em ações amplamente descentralizadas, sob o controle de seus superiores, mantido por meio do desenvolvimento da consciência situacional em todos os escalões de comando. Deverá resultar, ainda, em uma tropa preparada e com efetiva capacidade de pronta resposta para atuar, inclusive, como Força Expedicionária, para respaldar a Política Externa do País.
A nova Infantaria Mecanizada, juntamente com a nova C Mec, dotará a Força Terrestre com meios adequados ao espaço de batalha contemporâneo não linear e multidimensional, com desenvolvida capacidade de integração e sincronização. Poderá, também, obter apoio da opinião pública, em função das melhores condições de proteção e da mitigação de danos colaterais às populações e ao meio ambiente, em contraste com os pesados meios blindados sobre lagartas.
Considerações Finais
Embora a nova articulação da Força Terrestre seja objeto específico dos Projetos Estratégicos Estruturantes “Sentinela da Pátria” e “Amazônia Protegida”, as capacidades a serem entregues pelo Projeto Guarani constituem-se, também, bases importantes para o tema, devido ao aumento expressivo da mobilidade estratégica para a Força Terrestre.
Os estudos atualmente conduzidos para mudanças de sede, transformação e extinção de OM apresentam um grau de complexidade provavelmente único na história do EB. Em resumo, apoiam-se em análises de conjuntura e prospecção de cenários futuros, aspectos que hoje, mais do que em qualquer época, são marcados por agudo grau de subjetividade e incerteza, ainda que submetidos aos rigores de processos científicos de eficiência já comprovada. Além das implicações estratégicas que os orientam, esses estudos estão condicionados à criteriosa avaliação de fatores políticos e sociais, aspectos naturalmente controversos e de difícil acomodação.
O desafio que se impõe nesse sentido é adquirir a capacidade de “se fazer presente”, em virtude de não ser mais possível limitar áreas de interesse estratégico com precisão e estar presente antecipadamente onde se faça necessário, em um país de dimensões continentais e com recursos naturais e estruturas estratégicas terrestres a serem protegidos, espalhados por praticamente todo o território. Assim, o Projeto Guarani contribuirá para que parte substancial das tropas possa concentrar meios com rapidez e oportunidade, suplantando as inadequações da infraestrutura de transportes existentes no País, para cobrir todos os ambientes operacionais de provável emprego.
A nova articulação das OM mecanizadas no território nacional terá como desafio vocacioná-las também para outras regiões, sem necessariamente estarem nelas sediadas, contribuindo para a transição de uma dissuasão regional para outra extrarregional, em um ambiente de incertezas e de ameaças difusas. Por sua grande relevância operacional, os meios mecanizados não devem estar limitados às Regiões Sul e Centro-Oeste do País, fato que já demanda algum tipo de solução, principalmente em função das novas capacidades que serão oferecidas pelo PEE Guarani.