Cap Kilmer de Souza e Silva
O Programa Espacial Brasileiro (PEB) é composto pelo Programa Estratégico de Sistemas Espaciais (PESE), gerenciado pelo Ministério da Defesa (MD), e pelo Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE), sob os auspícios da Agência Espacial Brasileira (AEB). Esses dois programas governamentais estão estreitamente relacionados, já que compartilham o objetivo comum de desenvolver e utilizar tecnologias espaciais para fins estratégicos. Juntos, eles representam os esforços do Brasil em explorar o espaço e suas aplicações, em benefício do País e de sua população.
O PNAE foi formalmente criado em 1994 e, desde então, passou por diversas versões, cada uma com objetivos específicos. A versão mais recente desse programa é o PNAE (2022-2031), lançado em agosto de 2021, que tem como meta centralizar as ações do programa em cinco áreas estratégicas: observação da Terra, comunicações, navegação, ciência e tecnologia espacial. Para alcançar essas metas, o programa trabalha em três dimensões: estratégica, tática e setorial. Na Dimensão Estratégica, o programa visa apresentar uma Estratégia Nacional de Espaço embrionária, que direcionará as ações e projetos do PNAE em todo o País.
Na Dimensão Tática, o objetivo é estabelecer os eixos de atuação que atenderão à Dimensão Estratégica, além de definir as diretrizes que nortearão as entregas e a organização dos Programas Setoriais. Quanto à Dimensão Setorial, essa representa o conjunto de entregas previstas pelo PNAE 2022-2031, que abrange uma ampla gama de benefícios para a sociedade. Além dos artefatos espaciais, como satélites e lançadores, o programa inclui programas, planos e iniciativas estruturantes que visam fomentar o desenvolvimento do setor aeroespacial nacional e contribuir para o avanço científico e tecnológico do País.
Um dos principais produtos do PNAE é o satélite Amazônia-1, um satélite de sensor óptico, que foi o primeiro objeto espacial desenvolvido integralmente pelo Brasil. O projeto foi liderado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) em colaboração com diversas empresas nacionais, e tem como objetivo monitorar a Amazônia e outras regiões do País. O Amazônia-1 foi lançado em fevereiro de 2021, a partir do Centro de Lançamento Satish Dhawan, na Índia, por meio do foguete Polar Satellite Launch Vehicle (PSLV).
O satélite Amazônia-1 é equipado com uma câmera de imageamento óptico capaz de capturar imagens com 60 metros de resolução espacial, as quais podem ser usadas para monitorar aspectos ambientais, agrícolas e desastres naturais. Ele foi projetado para operar em uma órbita solar síncrona, a uma altitude de 750 km, e é capaz de fornecer imagens da superfície terrestre com um tempo de revisita de até 5 dias. O satélite também possui capacidade de armazenamento interno para cerca de 700 imagens.
O PESE, por sua vez, é um programa mais recente, lançado em 2012 como parte da Política Nacional de Defesa. Seu objetivo precípuo é desenvolver e operar sistemas espaciais para fins de defesa e segurança nacional, incluindo satélites de observação, sistemas de comunicação e sistemas de posicionamento global. Assim, através de suas diretrizes, fornece subsídios legais para fortalecer a autonomia e a capacidade tecnológica do País no setor espacial.
O PESE visa promover a independência e a soberania nacional no setor espacial, além de contribuir para o poder dissuasório na América Latina. Destarte, o programa não apenas tem o objetivo de construir satélites de alta qualidade, mas também desenvolver tecnologias avançadas em áreas como sensoriamento remoto, comunicação por satélite e a capacidade de consciência situacional espacial, através de sensores para controle e monitoramento de objetos em órbita da Terra.
O Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC) é um dos principais projetos do PESE. Lançado em maio de 2017, ele tem um objetivo duplo: garantir a segurança das comunicações estratégicas do País em suporte às operações militares e ampliar o acesso à banda larga em áreas remotas para uso civil. O SGDC é considerado um marco para o setor espacial brasileiro, sendo o primeiro satélite geoestacionário totalmente controlado pelo País.
Operando em duas bandas de frequência, Ka e X, ele cobre todo o território nacional, incluindo a Amazônia e as áreas marítimas sob jurisdição brasileira. Desenvolvido pela empresa Thales Alenia Space e integrado pela empresa estatal Visiona Tecnologia Espacial, o SGDC foi lançado a partir do Centro Espacial de Kourou, na Guiana Francesa, por meio de um foguete Ariane 5. Desde então, ele tem fornecido serviços de internet de alta velocidade em áreas remotas do Brasil, bem como tem garantido a comunicação estratégica em operações militares.
Outra realização do PESE na área de sensoriamento remoto é a constelação Lessonia, que consiste nos satélites Carcará 1 e 2, lançados em maio de 2022. Esses satélites de baixa órbita foram equipados com um radar de banda X, permitindo a coleta de imagens em diferentes resoluções, em qualquer condição climática e com capacidade de penetração em coberturas de nuvens, além de operarem a qualquer hora do dia ou da noite, fornecendo imagens detalhadas da superfície terrestre.
Adicionalmente, o sistema possui tecnologia de processamento de dados avançada, possibilitando aos usuários acessar e analisar as informações coletadas de forma rápida e eficiente. Isso faz da constelação Lessonia um instrumento valioso para aplicações em áreas como monitoramento ambiental e marítimo, segurança nacional e mapeamento de superfície.
Para desempenhar as atividades de planejamento, comando e controle dos satélites do PESE, foi criado o Centro de Operações Espaciais (COPE). O COPE é operado pela Força Aérea Brasileira (FAB) em colaboração com a empresa estatal TELEBRAS. Com o objetivo de assegurar a redundância operacional, o COPE possui duas instalações: o COPE-P primário em Brasília e o COPE-S, uma instalação secundária na cidade do Rio de Janeiro. Ambos os centros são equipados com sistemas de computação e comunicação de última geração para gerenciar a posição dos satélites em órbita, garantindo seu funcionamento adequado e a operação eficaz de sua plataforma e carga útil.
No setor de lançamento de foguetes, o Centro Espacial de Alcântara (CEA) figura como um importante componente dos Programas Nacional de Atividades Espaciais (PNAE) e Estratégico de Sistemas Espaciais (PESE). Definido como um complexo de infraestruturas, bens e serviços necessários para atividades de lançamento de veículos espaciais, o CEA é parte das iniciativas estruturantes do PNAE que compreende toda cadeia de preparação, lançamento e rastreio. Referente ao PESE, o CEA figura como um elemento de capacitação e uma importante interface entre as operações civis e as atividades militares. Gerando assim uma dinâmica virtuosa de melhoria contínua das tecnologias e processos utilizados nos lançamentos militares.
Embora cada programa tenha sua própria missão e objetivos específicos, ambos têm em comum a busca pelo desenvolvimento e utilização de tecnologias espaciais para fins estratégicos. Além disso, os dois programas têm sido desenvolvidos em conjunto, com o PNAE, estimulando a base científico-tecnológica do setor espacial brasileiro, e o PESE, garantindo a operação de sistemas estratégicos, a proteção dos sistemas espaciais brasileiros e o controle dos objetos em órbita. Assim, apesar dos desafios enfrentados na busca do desenvolvimento espacial brasileiro, incluindo limitações orçamentárias, o País tem mostrado progresso significativo na área de tecnologia espacial e continua a trabalhar para desenvolver sua capacidade e posição no cenário internacional.
REFERÊNCIAS
– AGÊNCIA ESPACIAL BRASILEIRA. PNAE 2022-2031. Disponível em: <https://www.gov.br/aeb/pt-br/assuntos/noticias/pnae-2022-2031-esta-disponivel>. Acesso em: 31 mar. 2023.
– AGÊNCIA ESPACIAL BRASILEIRA. Política Nacional de Desenvolvimento das Atividades Espaciais (PNDAE). Disponível em: <https://www.gov.br/aeb/pt-br/programa-espacial-brasileiro/politica-organizacoes-programa-e-projetos/politica-nacional-de-desenvolvimento-das-atividades-espaciais-pndae>. Acesso em: 31 mar. 2023.
– ANDRADE, I. et al. O Programa Estratégico de Sistemas Espaciais (PESE) do Brasil. Revista Profissional da Força Aérea dos EUA, p. 133–154, 2021.
– ANTENOR, Samuel. Centro de Pesquisa em Ciência, Tecnologia e Sociedade. www.ipea.gov.br. Disponível em: <https://www.ipea.gov.br/cts/pt/central-de-conteudo/noticias/noticias/239-amazonia-1-primeiro-satelite-100-brasileiro-e-lancado-na-india>. Acesso em: 31 mar. 2023.
– ANTUNES, Eduardo. A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO PROGRAMA ESPACIAL BRASILEIRO. [s.l.: s.n.], 2016. Disponível em: <https://www.15snhct.sbhc.org.br/resources/anais/12/1470923711_ARQUIVO_AEvolucaoHistoricadoProgramaEspacialBrasileiro.pdf>. Acesso em: 31 mar. 2023.
– BRASIL, “Portaria Normativa nº 41 / MD de 30 de julho de 2018,” Programa Estratégico de Sistemas Espaciais (PESE), Ministério da Defesa, Brasília, 2018, https://www.gov.br/defesa/pt-br/arquivos/legislacao/emcfa/publicacoes/doutrina/md20a_sa_01a_programaa_estrategicoa_dea_sistemasa_espaciaisa_pesea_ed-2018.pdf.
– INPE / Misso Amazonia. www.inpe.br. Disponível em: <https://www.inpe.br/amazonia1/>. Acesso em: 30 mar. 2023.
– Conheça o SGDC. Disponível em: <https://www.telebras.com.br/telebras-sat/conheca-o-sgdc/>. Acesso em: 30 mar. 2023.
Sobre o autor
Cap Kilmer de Souza e Silva: É oficial do Exército Brasileiro, formado em Engenharia Eletrônica pelo Instituto Militar de Engenharia (IME). Foi membro da Comissão de Coordenação e Implantação de Sistemas Espaciais na Força Aérea Brasileira (CCISE/FAB), responsável pelo Programa Estratégico de Sistemas Espaciais. Atualmente, ele é chefe da célula de Acompanhamento e Otimização de P&D no Centro de Operações Espaciais do Comando de Operações Aeroespaciais (COPE/COMAE).