Cel Paulo Roberto da Silva Gomes Filho
“A mente não é uma vasilha a ser enchida, mas um fogo a ser aceso.”
Plutarco
Em maio de 2020, os Chefes de Estado-Maior das seis Forças Armadas norte-americanas (Marinha, Exército, Força Aérea, Corpo de Fuzileiros Navais, Guarda Costeira e Força Espacial) assinaram e divulgaram um novo documento denominado; Developing today´s joint officers for tomorrow´s ways of war. The joint chiefs of staff vision and guidance for professional military education and talent management¹.
No documento, os Chefes de Estado-Maior transmitem suas orientações e visões sobre as mudanças que devem ocorrer imediatamente nos sistemas de educação militar e de gestão de talentos das Forças Armadas norte-americanas.
No texto de doze páginas, destaco um aspecto como estímulo à nossa meditação. As expressões “pensamento crítico” e “pensamento criativo” aparecem no texto mais de uma dezena de vezes.
São duas habilidades que o documento descreve como cruciais para que “os líderes de todos os níveis” possam superar intelectualmente seus adversários”. Não é sem razão que as Forças Armadas norte-americanas estão preocupadas em estimular o pensamento crítico e criativo de seus oficiais.
O ambiente volátil, incerto, complexo e ambíguo no qual os líderes do século 21 atuam exige a capacidade de discernir, dentre um imenso turbilhão de dados e informações, quais são relevantes, quais verdadeiramente interessam e quais estão ali para intencionalmente confundir e desorientar.
Exige mentes treinadas na habilidade de pensar criticamente e sensibilidade para entender contextos. Demanda, ainda, um tipo de mentalidade aberta que permita realizar saltos criativos e obter insights. Isso ocorre porque a guerra moderna mudou a forma de tratar a informação.
Nos tempos em que era escassa, até as chamadas guerras de terceira geração, a informação era tratada como uma commoditie valiosa, assim como o combustível, a munição ou o alimento.
Adquirir e manter seguras as informações de alta qualidade era obter uma grande vantagem sobre o inimigo. Na medida em que uma grande quantidade de informação passou a ser digitalizada, tornou-se muito mais simples produzir, transmitir, coletar e arquivar dados e informações.
O desafio passou a ser a abundância, não a escassez de dados. Para lidar com essa abundância de dados e informações, separando-se o que realmente interessa do que é supérfluo ou mesmo prejudicial, aquilo que é verdadeiro do que é falso ou distorcido, exige-se um pensamento crítico, que tem por característica ser reflexivo e focado, constantemente preocupado em avaliar o processo de pensamento em si mesmo.
Trata-se de uma maneira de pensar que requer boa dose de ceticismo e de capacidade de julgamento, além de habilidade para se identificar e examinar hipóteses, influências e tendências. Quem emprega as premissas do pensamento crítico, busca entender o todo, de uma forma ampla, de modo a se assegurar de que os problemas sejam analisados a partir de uma perspectiva coerente e fundamentada.
Além disso, reconhece a diferença entre resultados de curto prazo e resultados sustentáveis de longo prazo. O Exército Brasileiro valoriza o pensamento crítico e criativo. O manual EB70-MC-10.211 – Processo de Planejamento e Condução das Operações Terrestres (PPCOT), publicado no corrente ano, dedica uma seção ao assunto em seu capítulo dedicado à Arte do Comando.
É fundamental que o comandante e seu EM, no desenvolvimento do processo de planejamento das operações, utilizem o pensamento crítico e criativo. Tal medida contribui para a compreensão das situações, para a tomada de decisões adequadas e para a orientação da ação com precisão
EB70-MC-10.211
As escolas do Exército Brasileiro, sempre atentas à evolução do combate, também já perceberam, há alguns anos, a importância do assunto. Na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, o pensamento crítico está inserido nos currículos, com carga horária nos Cursos de Altos Estudos Militares e de Política, Estratégia e Alta Administração do Exército.
Dessa maneira, uma massa crítica de oficiais superiores passou a ter melhores condições de assessorar e decidir, contando com essa poderosa ferramenta. Um dos mais frequentes erros cometidos por exércitos de todo o mundo, ao longo da história, foi preparar-se para as guerras que já haviam sido travadas, em vez de se preparar para as guerras do futuro.
O pensamento crítico e criativo é um antídoto ao dogmatismo que, em sua versão deletéria, impede a evolução do conhecimento e da arte da guerra. Por isso, é essencial aos líderes do século 21.
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1 “Desenvolvendo oficiais de hoje que atuem em Operações Conjuntas para os tipos de guerra do amanhã. A visão e a orientação da Junta de Chefes de Estado-Maior para a educação profissional militar e a gestão de talentos” em tradução adaptada. Disponível em:
https://www.jcs.mil/Portals/36/Documents/Doctrine/education/jcs_pme_tm_vision.pdf?ver=2020-05-15-102429-817
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Sobre o Autor:
Paulo Roberto da Silva Gomes Filho Coronel de Cavalaria do Exército Brasileiro, servindo atualmente no Comando de Operações Terrestres. Comandou o 11º Regimento de Cavalaria Mecanizado, em Ponta Porã – MS Serviu em Unidades de Cavalaria nas 1ª e 2ª Brigadas de Cavalaria Mecanizada Foi Oficial de Inteligência da 5ª Brigada de Cavalaria Blindada.
Foi instrutor dos Cursos de Cavalaria da AMAN e da ESAO Foi instrutor da ECEME Mestre em Estudos de Defesa e Estratégia, pela Escola de Estudos de Defesa do Exército da República Popular da China, em 2016 – Beijing – China. Mestre em Ciências Militares, pela ECEME Especialista em História Militar pela Universidade do Sul de Santa Catarina e em Liderança Estratégica pela Universidade Tsinghua (Beijing – China).