Rodrigo Pereira
No comando de mais de seis mil militares de 19 países, o General-de-Divisão Edson Leal Pujol, do Exército brasileiro, Force Commander da Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti – MINUSTAH, compartilhou com Diálogo suas expectativas sobre o futuro da missão e fez uma análise crítica da possibilidade da redução do efetivo da Força de Paz no país.
Diálogo: Poderia traçar um panorama da MINUSTAH, em especial quais as forças engajadas no Haiti hoje?
General-de-Divisão Edson Leal Pujol: A missão de estabilização do Haiti (MINUSTAH), hoje, possui basicamente três componentes, são eles: o componente militar, que talvez para o Brasil seja a parte mais conhecida, devido à constante presença das tropas brasileiras desde o início da missão em 2004; o componente policial, e o componente civil. Isso inclui não somente a parte administrativa da ONU, que também cuida dos outros braços da missão, que não estão relacionados diretamente com a parte de segurança, mas também, por exemplo, a parte política, a civil, a do processo legal do fortalecimento do estado de direito do país e também os direitos humanos, dentre outros. Também se faz presente no país com o objetivo de estabilizar e fortalecer as instituições haitianas, as diversas agências da ONU e outros integrantes da comunidade internacional e organizações não-governamentais. Isso tudo compõe um quadro geral, que junto com as Nações Unidas, busca auxiliar o povo haitiano a se restabelecer e se reestruturar.
Diálogo: Quais são as principais dificuldades enfrentadas hoje pela missão?
Gen Div Pujol: É muito difícil delinear e enumerar, mas acredito que a grande dificuldade que podemos observar hoje é a situação do país. Alguns índices que conhecemos indicam que o Haiti é o mais pobre do hemisfério ocidental. Dentro do contexto da comunidade internacional, isso leva a crer que o país passa por uma série de dificuldades, em diversas áreas, não só na área de governança e democracia, mas na área de infraestrutura, educação, saúde, saneamento, somado a uma economia extremamente incipiente. O orçamento do Haiti depende 80% de ajuda internacional. Esses dados, por si só, já mostram que o país passa por uma dificuldade muito grande.
Se olharmos diversos países, em particular o Brasil, é possível observar a dificuldade que é vencer a pobreza. Levar educação e saúde para toda a população e levar aquilo que é necessário para o Estado prover o básico para a população já é difícil, imagina se computarmos que o país é o mais pobre do hemisfério ocidental. Nesse sentido, as Nações Unidas têm um desafio de cumprir uma série de objetivos, dentre eles foi estabelecer um ambiente seguro e estável, para que os demais organismos da ONU pudessem ajudar o próprio governo haitiano a fortalecer as instituições democráticas do país, buscando melhores condições de vida para o povo haitiano e um futuro melhor. Portanto, esses desafios estão presentes hoje, na área de educação, infraestrutura, estabelecimento de um estado de direito e manutenção da segurança do país.
Diálogo: Quais são os objetivos já alcançados pela MINUSTAH?
Gen Div Pujol: Diria que, talvez, se nós olharmos nestes últimos nove anos, o único objetivo que efetivamente está assegurado até o presente momento foi um ambiente de segurança. Tudo isso devido ao fortalecimento das instituições haitianas e a presença das Nações Unidas, com um efetivo militar internacional de mais de seis mil homens e mais de dois mil policiais das Nações Unidas.
Diálogo: A missão hoje tem um caráter mais de polícia? Existe a necessidade de retirar parte do efetivo da ONU do Haiti?
Gen Div Pujol: Não vamos falar da necessidade de retirar, vamos falar da possibilidade de se reduzir o efetivo. Por quê? A missão foi dimensionada de acordo com as necessidades do país. Ocorreu todo um processo de estudo de situação e decisão, feito pelo DPKO – Departamento de Operações de Paz, e demais integrantes das Nações Unidas, que dimensionaram o tamanho da missão no Haiti em virtude dos problemas existentes. Ao longo desses nove anos a missão foi evoluindo, alguns objetivos foram alcançados e aqueles que não foram concretizados tiveram uma significativa melhora. Nesse contexto, existe a possibilidade da diminuição da presença internacional no Haiti, não só da parte militar, mas da missão como um todo.
Portanto, tendo em vista que os objetivos vão sendo alcançados, as necessidades vão sendo redimensionadas. Então, hoje, eu não digo que existe uma necessidade de retirada de tropas ou do efetivo da ONU, mas sim uma possibilidade de a missão ser diminuída, por conta daquilo que já foi alcançado e pelas necessidades que são observadas. Todo ano a missão é revista. Nesse momento, já na fase final de discussão do novo mandato para a MINUSTAH que, acredito, deva culminar no meio de outubro com a sua renovação. Esse novo mandato vai dizer qual o novo tamanho e se houve alguma modificação nos objetivos da missão. Já temos ideia de que começou o processo de redução a partir do ano passado, concretizado em junho desse ano. Esse processo continua e deve continuar, mas o tamanho e a velocidade com que essa redução vai ocorrer só o tempo vai dizer.
Diálogo: Como será a MINUSTAH no futuro?
Gen Div Pujol: O que se imagina para o futuro é que ocorra uma mudança de foco da presença da ONU no Haiti e que o processo deixe ter um peso maior da parte militar e policial e passe a ser muito mais da parte política, dos diretos humanos e fortalecimento das instituições. A tendência é que, no futuro, à medida que os objetivos vão sendo alcançados, se passe muito mais para uma missão civil que uma missão militar.
Diálogo: Como o senhor avalia o desempenho dos militares brasileiros no Haiti?
Gen Div Pujol: Completei cinco meses de missão e, durante o meu comando, não só o desempenho dos militares brasileiros, mas dos demais militares que integram o Corpo de Paz, tem sido de altíssimo nível. Todos são muito profissionais e tem desempenhado de maneira excepcional as missões que eles recebem. Por tudo que já foi relatado, não só pelos meus antecessores, mas da própria história da presença da missão da ONU no Haiti, os militares têm desempenhado um papel excepcional, profissional e com resultados concretos.
Particularmente os brasileiros, não só aqui na MINUSTAH, mas nas demais missões ao redor do mundo têm sido sempre apontados como referência pelo profissionalismo e pela maneira como têm alcançado os resultados das missões de paz. O soldado brasileiro é hoje uma referência, não só aqui no Haiti, mas para as Nações Unidas. Quando se fala em Brasil, nós somos muito respeitados pelo resultado do desempenho dos militares brasileiros.
Diálogo: O que de mais significativo o senhor poderia destacar no seu comando no Haiti?
Gen Div Pujol: O trabalho da missão já é por si só um trabalho significativo. O trabalho militar em ajudar o governo haitiano, a polícia haitiana e a UNPOL (Polícia da ONU) em manter um ambiente seguro e estável é muito significativo. Outro aspecto é a presença diária dos soldados das Nações Unidas, não só na capital Porto Príncipe como no restante do país, tentando dissuadir a criminalidade e também no trabalho de reconstrução do país e ajuda à população. Temos realizado trabalhos de ajuda humanitária, atividades de Ações Cívico-Sociais, ajuda às comunidades, trabalhos juntos nos campos de refugiados, ajudas a escolas e orfanatos, ajuda às demais agências da ONU como a UNICEF, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, UNESCO, Programa Mundial de Alimentação, no qual ajudamos distribuindo água e alimentos, prestamos também atendimento médico e odontológico, ou seja, provemos segurança para que essas agências possam trabalhar livremente no Haiti, em especial em áreas que são mais complicadas para o trabalho.
O trabalho de ajuda e reconstrução, aliado ao trabalho de prover a segurança ao país é muito significativo. Com relação ao terremoto, eu não vivi essa experiência diretamente, mas se nós reportarmos a janeiro de 2010 quando ocorreu a tragédia, a presença das Nações Unidas, em particular a dos militares, foi excepcional. O trabalho foi extremamente significativo e, com certeza, se as Nações Unidas não estivessem aqui, o número de vítimas seria muito maior, pois o trabalho de resgate tardaria mais e seria mais difícil o acesso da ajuda internacional no Haiti. Esse talvez seja o marco mais significativo da presença da ONU e da ajuda na reconstrução do Haiti.