TC Alex Alexandre de Mesquita
Comandante do Centro de Instrução de Blindados
com a colaboração do 2º Sargento de Infantaria Gilmar Pinheiro Flores
Auxiliar da Seção de Doutrina do CI Bld.
O combate urbano também é um combate blindado¹
O tema combate em áreas humanizadas não é algo novo para a Doutrina Militar. Sun Tzu, há muito tempo, já se referiu à complexidade de realizar operações neste tipo de ambiente. Contudo, sabe-se que, invariavelmente, as cidades serão um objetivo militar importante, trazendo consigo inúmeras considerações, em particular a respeito do uso de força letal com grande poder de destruição, primazia dos blindados em geral.
A História Militar recente aponta algumas experiências em que blindados sobre rodas ou sobre lagartas foram empregados. Normalmente, este tema é debatido à luz dos acontecimentos em Grozny (1999-2000) e em Falujah (2004), onde ficou destacada a vulnerabilidade desses meios.
Contudo, a Operação Paz na Galiléia (1982), em Beirute, e a Operação Thunder Run (março de 2004), na Guerra do Iraque, ainda não foram estudadas com a devida atenção, embora apresentem iniciativas exitosas no emprego de frações majoritariamente oriundas de forças blindadas e mecanizadas.
Sobre Grozny, cabe deixar registrado que os russos empregaram tropas sem o devido preparo, contra forças revoltosas que conheciam a doutrina do atacante, prepararam o terreno com obstáculos e organizaram um complexo e eficiente emaranhado de vias de acesso.
Em Falujah, a missão visava investir, de forma sistemática, empregando predominantemente fuzileiros desembarcados. Na ocasião, a missão coube aos Marines, com viaturas Carro de Lagarta Anfíbio (CLANF), com mobilidade e a proteção inferior às viaturas Bradley da Infantaria Mecanizada norteamericana.
Ao estudar a Operação Paz da Galiléia, considerada pelo Exército dos EUA como um dosmelhores empregos de blindados em áreas humanizadas, percebe-se pela primeira vez a utilização agressiva, cirúrgica e simultânea das frações. Esta técnica ficou conhecida como enxameamento², e foi utilizada no Thunder Run, durante a Guerra do Iraque.
Durante o Thunder Run, uma brigada blindada, com Carros de Combate (CC) Abrams e Viaturas Blindadas de Combate para Fuzileiros (VBC Fuz), atacou Bagdá, por diversos eixos diferentes, com objetivos específicos a serem conquistados e sem a missão de realizar a limpeza da cidade. O símbolo desta operação é a derrubada da estátua de Sadam Hussein³.
Esses últimos empregos indicam que estes veículos blindados, sobre rodas ou sobre lagartas, possuem características únicas para o cumprimento de quaisquer missões de combate. O blindado oferece a rapidez nos deslocamentos, o poder de fogo para decidir o combate a proteção para as nossas tropas e o consequente efeito dissuasório.
A grande mobilidade fornecida pelas viaturas permite alcançar os objetivos tempestivamente, inviabilizando aos oponentes o tempo de reorganização, dificultando-lhes manobrar.
Apesar do descrito anteriormente, é importante sempre deixar claro que as frações blindadas e mecanizadas não foram concebidas, organizadas e adestradas para combater neste tipo de ambiente, mas as operações no amplo espectro dos conflitos acabarão por impor esta situação. Desta forma, nada mais prudente do que estar minimamente preparado para entender este paradigma e estar apto a realizar um adestramento eficiente.
Uma primeira observação importante é que as frações blindadas e mecanizadas devem, sempre que possível, se valer da agressividade. Após um detalhado exame de situação, com ênfase primordial na Inteligência, os planejadores devem considerar penetrar as defesas inimigas com rapidez, buscando conquistar pontos específicos da área humanizada, como aconteceu no Thunder Run.
Neste contexto, a organização de Forças Tarefas (FT) se revela uma necessidade imprescindível ao sucesso das operações, com destaque para a sinergia gerada pelo emprego.
Em áreas humanizadas, o inimigo normalmente utiliza armamento anticarro (AC), para danificar ou neutralizar os CC e outros meios blindados. Esta técnica pode dificultar e até inviabilizar o emprego de carros de combate, que estejam sem o apoio dos fuzileiros desembarcados.
A ação de atiradores de precisão, armas automáticas, metralhadoras leves e pesadas também se constitui em uma ameaça letal, pois estas ações forçam as guarnições a combaterem escotilhados, diminuindo a consciência situacional.
Como combater neste contexto totalmente hostil e pouco adequado às frações blindadas e mecanizadas?
A tropa empregada deve valer-se de procedimentos de proteção passiva, alcançada pela integração com os fuzileiros desembarcados, que devem proteger a progressão dos CC, neutralizando posições AC.
Os CC devem se valer de sua elevada precisão de tiro para engajar as posições inimigas a longas distâncias, desde que os campos de tiro permitam.
Aos CC cabe, também, prestar um apoio de fogo pesado e preciso para as equipes desembarcadas, de modo que elas consigam conquistar os objetivos o mais rapidamente possível. Esta precisão aliada à possibilidade de combater em locais de baixa luminosidade (quando dotados de equipamentos de visão termal) contribui para minimizar os danos colaterais e permitem a manutenção das edificações, para posterior utilização.
Dentre as organizações de combate existentes na Força Terrestre, as Brigadas Mecanizadas (Infantaria e Cavalaria) possuem boas condições para atuar em áreas humanizadas dentro dos conceitos supramencionados.
Isto decorre do fato de que as Bda Inf Mec possuem dois Batalhões de Infantaria Mecanizada (BI Mec) e um RCC, o que permite a organização de FT com predominância de Fuz.
Já as Bda C Mec possuem a flexibilidade de organizar frações provisórias com os seus Regimentos de Cavalaria Mecanizada (RC Mec) e, ainda, dispõe de um elemento de choque, com CC e Fuz, o Regimento de Cavalaria Blindado(RCB).
As Bda Bld também tem plenas condições de emprego em áreas humanizadas pois contam em sua organização com dois Batalhões de Infantaria Blindados e dois Regimentos de Carros de Combate, possibilitando a organização de FT equilibradas e poderosas.
A maioria dos textos, ou estudos, observam os meios blindados e mecanizados sob a ótica das Operações Ofensivas, desconsiderando as peculiaridades do emprego dos mesmos meios em Operações Defensivas.
Em 1982, na já mencionada Operação Paz na Galiléia, a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), apoiada pela Síria, empregou meios blindados em um exitoso dispositivo defensivo que custou muitas baixas às Forças de Defesa de Israel.
Durante a Guerra do Iraque, as imagens de blindados no coração de Bagdá desmistificaram as dúvidas sobre a eficiência de frações blindadas em áreas humanizadas. O Coronel Perkins, Comandante da Spartan Brigade, disse aos seus oficiais que “[..] a única maneira de se terminar rapidamente esta guerra seria colocar tanks nos terrenos dos palácios deSadam Hussein […]”. Ao que parece, ele tinha certa razão.
AÇO, BOINA PRETA, BRASIL!
¹ FM 3- 06, p 2-18
² Semelhante ao ataque de um enxame de abelhas, letal e aparentemente desordenado.
³ Para o ataque a Bagdá, o Comandante da 2ª Brigada Blindada, Spartan Brigade, utilizou dois batalhões blindados para criar o caos, atacar com violência e velocidade e o regime de Sadam Hussein seria incapaz de uma reação coerente.