As aeronaves Boeing 747 da Panam Airways e da KLM se chocaram na pista de decolagem do aeroporto Los Rodeos, em Tenerife, nas Ilhas Canárias. Uma série de eventos infelizes causou a catástrofe.
O capitão Robert Bragg, copiloto do avião da Panam, foi um dos sobreviventes da tragédia.
Bragg morreu em fevereiro de 2017, mas em março de 2016, o programa Witness da BBC entrevistou-o sobre o desastre que mudou para sempre os procedimentos de segurança da aviação internacional.
Desvios
"Sempre achei que (o acidente) foi culpa do capitão da KLM, por tentar decolar sem autorização", disse Bragg à BBC.
No dia do acidente, Bragg era copiloto de um voo da Panam que ia de Los Angeles, nos Estados Unidos, à ilha de Gran Canária, na Espanha.
Mas o aeroporto de Las Palmas em Gran Canária tinha sido fechado pela explosão de uma bomba, detonada pelo grupo separatista Movimento pela Autodeterminação e Independência do Arquipélago Canário (MPAIAC).
Vários voos que se dirigiam para lá foram desviados para a ilha vizinha de Tenerife, cujo aeroporto era menor.
Quando faltava pouco tempo para aterrissar em seu destino original, o avião em que Bragg estava também foi desviado.
Assim, o aeroporto de Tenerife ficou cheio de aeronaves que esperavam a oportunidade de seguir para seus destinos.
Sem visibilidade
Outro avião que também teve que aterrissar em Tenerife foi um Boeing 747 da KLM.
A aeronave estava sob comando do capitão Jacob Van Zanten, um experiente piloto holandês.
"Naquele momento, ninguém sabia quanto tempo o aeroporto de Las Palmas ficaria fechado. Estávamos ali simplesmente esperando. O aeroporto abriu cerca de uma hora e meia depois e todo mundo começou a se preparar para decolar", lembrou Bragg há um ano.
"O KLM estava estacionado bem na nossa frente, e o piloto decidiu reabastecer quase ao mesmo tempo em que reabriram o aeroporto de Las Palmas", contou o sobrevivente.
Os registros mostram que Van Zanten e sua tripulação estavam próximo ao limite de tempo permitido para cada voo.
E lembrando-se do episódio, Bragg acredita que o piloto talvez estivesse com pressa para seguir em frente.
"Você não pode ter pressa; tem que esperar. Não pode se apressar para decolar ou aterrissar", comentou o copiloto ao Witness.
O avião da Panam estava estacionado atrás do da KLM quando os pilotos receberam a ordem de recuar na pista e dar a volta para a decolagem.
Mas justamente quando os dois aviões estavam se movendo, o clima mudou completamente.
O aeroporto de Tenerife foi construído em uma área propensa a nevoeiros do mar, explicou à BBC em 2014 Graham Braithwaite, professor de Pesquisa de Segurança e de Acidentes da Universidade de Cranfield, no Reino Unido.
"A pista ficou cheia de névoa e a visibilidade foi reduzida a uns cem metros. Já não era possível ver o avião da KLM", lembrou Bragg.
Mal-entendidos
As transcrições das gravações de ambos os aviões indicaram que houve confusão em suas cabines.
O avião da Panam recebeu a ordem de sair da pista para permitir a decolagem da KLM. Mas não ficou claro por onde a aeronave deveria sair, e por isso ela ainda estava na pista quando a da KLM começou a acelerar.
"Sabíamos que o avião vinha ao nosso encontro por causa das luzes de aterrissagem que estavam brilhando. A princípio, não ficamos assustados porque achávamos que eles sabiam que estávamos ali", contou Bragg.
Quando o copiloto da Panam viu claramente a KLM, o avião já estava a uns 60 metros de distância. "Estava vindo pela pista diretamente em direção a nós", lembrou.
Segundo a transcrição do que ocorreu na cabine da KLM, quando o piloto Van Zanten começou o processo de decolagem, ele foi interrompido pelo copiloto, que o lembrou que eles não tinham autorização para realizá-la.
Nos anos 1970, questionar um piloto era bastante incomum.
Minutos depois, quando Van Zanten retomou a decolagem, o engenheiro de voo do avião se mostrou preocupado. "O avião da Panam já desocupou a pista?", perguntou. "Sim", respondeu o piloto com confiança.
Escutamos um 'bum' muito curto'
"Não podia acreditar naquilo. Não podia acreditar que ele estava se movendo. Não podia acreditar que estava decolando", disse Bragg à BBC em 2016.
Bragg calcula que o piloto da KLM corria numa velocidade de 240 quilômetros por hora.
"Comecei a gritar 'sai da pista', 'sai da pista', 'sai'. Foi tão rápido que não tivemos tempo de pensar", contou o copiloto da Panam.
"Tinham passado uns 10 ou 15 segundos desde que o vimos até o momento do choque. Ele deve ter nos avistado ao mesmo tempo que nós o avistamos, porque tentou levantar o nariz do avião, e ergueu a roda de forma tão abrupta que arrastou a própria cauda (na pista) por cerca de 20 metros".
Parecia que o capitão Van Zanten estava desesperado para decolar e passar por cima do outro Boeing, mas como acabara de abastecer, o avião estava muito pesado.
"Escutamos um 'bum' muito curto. O ruído e o movimento não foram muito fortes. Pensei que não havia nos atingido", lembrou o sobrevivente.
Mas o avião da KLM tinha sido atingido e seguia pela pista quando explodiu em chamas, sem deixar nenhum sobrevivente.
Na aeronave da Panam, a parte superior da cabine havia desaparecido.
"Quando me dei conta do dano, eu pulei; havia uns quatro metros da parte superior da cabine ao solo", lembrou Bragg.
"Felizmente caí sobre uma superfície de grama. Se tivesse caído no asfalto, teria quebrado minhas pernas. Levantei-me e vi umas 50 pessoas sobre a asa esquerda do avião. Disse para pularem. As pessoas pularam, mas quebraram pernas e braços. Depois de uns cinco minutos, o avião explodiu; o avião se desfez".
Sessenta e uma pessoas escaparam do avião da Panam, mas o nevoeiro era tão denso que as pessoas no aeroporto levaram vários minutos para se dar conta de que havia aviões em chamas na pista.
Mais tarde, os investigadores disseram que terminologias não padronizadas levaram a confusões e que comunicações importantes dos dois aviões transmitidas à torre de controle não foram recebidas.
O operador de rádio falava ao mesmo tempo, então eles se bloquearam.
A cultura das cabines de pilotos mudou. Depois do acidente, todos os tripulantes da cabine passaram a ser treinados para se questionarem, independente de seu cargo.
"Se tivesse ouvido o copiloto e seu engenheiro, (Van Zanten) não teria decolado, porque as revisões prévias à decolagem não tinham sido concluídas", disse Bragg.
"Ele simplesmente ignorou todo o processo de decolagem. Ninguém nunca vai saber por que ele estava com tanta pressa e decolou da forma como fez", disse Bragg.
Robert Bragg continuou voando até 1997.