Ten Cel Fernando Augusto Valentini da Silva
Prof. Dr. João Marcelo Dalla Costa
O Exército Brasileiro realizou uma transformação em sua força blindada na década de 90, iniciando com a aquisição de Viaturas Blindadas de Combate Carros de Combate Leopard 1 A1, M 60 A3 TTS e, posteriormente, já nos anos 2000, com o Leopard 1 A5BR.
Junto com este último, chegaram algumas viaturas da sua família, como as de engenharia e socorro.
Essa família de blindados trouxe grande desenvolvimento nas forças blindadas. Entretanto é fundamental contemplar o final do ciclo de vida dos atuais Leopard e pensar soluções futuras. O presente artigo busca debater as principais questões atinentes à adoção de uma família de blindados sobre lagartas para a Força Terrestre.
Introdução
O Exército Brasileiro (EB) realizou uma transformação em sua força blindada a partir dos anos 1990. Em 1996, iniciou a aquisição de Viaturas Blindadas de Combate Carros de Combate (VBCCC) Leopard 1 A1 das Forças Armadas Belgas.
O aprendizado do uso da poderosa plataforma Leopard levou a posterior compra, no período de 2006 a 2013, de considerável frota de viaturas blindadas das Forças Armadas da Alemanha.
A compra destas viaturas e o aprendizado no seu uso e manutenção ao longo de mais de 20 anos consolidou a família de blindados[1] Leopard como espinha dorsal da tropa blindada sobre lagartas do EB.
A criação do Centro de Instrução de Blindados com a incorporação de simuladores fixos e portáteis de alto nível e o fortalecimento das Brigadas Blindadas – e consequentemente dos Regimentos de Carros de Combate – foram consequências imediatas e visíveis derivadas do Projeto Leopard.
Os erros cometidos na compra do Leopard 1 A1 com a falta do adequado suporte logístico para fornecimento de peças de reposição e apropriada assistência na manutenção da viatura foram sanados com a assinatura de um contrato de Suporte Logístico Integrado (SLI) sob medida para os Leopard 1 A5[2].
O contrato de SLI assinado com a empresa alemã Krauss-Maffei-Wegmann GmbH&KG (KMW, fabricante da VBCCC) contemplava a prestação de serviços de assistência técnica para a execução da manutenção preventiva e corretiva assim como o fornecimento de peças de reposição necessários para sua execução.
O mencionado contrato foi finalizado em 2016 e um novo contrato de suporte logístico foi assinado com a KMW em 2017 com validade até 2027. A aquisição dos Leopard fortaleceu sensivelmente a força blindada do Brasil e a experiência dos últimos 20 anos utilizando a plataforma Leopard permitiu ao EB aprimorar processos burocráticos, aperfeiçoar a doutrina e aumentar a capacidade tecnológica e conhecimentos relacionados à família de blindados Leopard.
Entretanto é fundamental contemplar o final do ciclo de vida dos atuais Leopard e pensar soluções futuras. O presente artigo busca debater as principais questões atinentes à adoção de uma nova família de blindados sobre lagartas para a Força Terrestre.
Breve panorama da tropa blindada sobre lagartas
O Projeto Leopard
Dando continuidade à modernização feita na década de 1990 com a compra das VBCCC Leopard 1 A1 e M60 A3 TTS, o Projeto Leopard contemplou a aquisição de VBCCC Leopard 1 A5BR[3], Viaturas Blindada Especial de Engenharia (VBE Eng), Viatura Blindada Especial Lança-Ponte (VBE L Pnt), Viatura Blindada Especial Socorro (VBE Soc) e, em um segundo momento, Viaturas Blindadas de Combate Antiaérea (VBC Aae) Gepard, assim como a contratação de um SLI – que inclui fornecimento de componentes e serviços de manutenção terceirizados – e o fornecimento de suprimentos, e pacotes de serviços diversos, como instrução de pessoal e entreposto de importação de peças[4] .
A expressiva frota adquirida foi destinada às brigadas blindadas (Bda Bld), sendo a capacitação de operadores feita pelo Centro de Instrução de Blindados (CI Bld) e sua manutenção incluída nos termos do SLI.
Não obstante os óbices enfrentados desde a chegada do primeiro lote de VBCCC Leopard 1 A5BR até a atualidade, o Projeto Leopard foi implantado de maneira exitosa, consagrando a família Leopard nas Bda Bld brasileiras.
A formação de excelência de pessoal – tanto operadores quanto de manutenção – e os excelentes índices de disponibilidade dos meios evidenciam o êxito do Projeto, que contribuiu para elevar ainda mais o moral da tropa blindada, perceptível pelo orgulho e motivação ostentados por esses militares.
Frota de VBCCC dos Regimentos de Cavalaria Blindados
A frota de VBCCC adquirida no Projeto Leopard foi destinada aos Regimentos de Carros de Combate (RCC) das Bda Bld, sendo distribuída aos 16 esquadrões existentes, mais 4 carros para o CI Bld, perfazendo o total de 220 carros.
Dessa maneira, os Regimentos de Cavalaria Blindados (RCB) orgânicos das Brigadas de Cavalaria Mecanizadas (Bda C Mec) – então dotados com M41C – não foram contemplados com os novos carros. Inicialmente, foi decidido pelo Estado-Maior do Exército (na 4ª Reunião Decisória das Viaturas Blindadas de Combate, de 19 de agosto de 2009) que a frota seria dividida entre os RCC e os RCB, sendo que os M 60 A3 TTS que dotavam o 5º RCC foram destinados ao 20º RCB, com sede em Campo Grande-MS, de maneira a manter os carros Leopard no Comando Militar do Sul (CMS).
No entanto, tal decisão foi revista e os RCB do CMS receberam os Leopard 1A 1 do 1º e 4º RCC, tendo sido mantida a transferência dos M 60 para Campo Grande.
A carência de peças de reposição – o Leopard 1 A1 foi uma versão modernizada pela empresa belga SABCA nos anos 1970 e o M 60 um carro cuja produção foi encerrada na década de 1980 – e outros fatores contribuíram para que a atual frota de carro dos RCB tenha um baixo índice de disponibilidade e mesmo de confiabilidade, com a compreensível repercussão para a capacidade operativa de tais unidades, sem mencionar a heterogeneidade da frota de carros do EB (Leopard 1 A5BR, Leopard 1 A1 e M 60) e seus inconvenientes para a logística, para a formação de pessoal e mesmo para fim de mobilização de reservistas.
Heterogeneidade/insuficiência de Viaturas Blindadas Especiais (VBE)
Ainda que as VBE adquiridas no Projeto Leopard tenham suprido parte da carência da tropa blindada em viaturas especiais, faz-se necessário assinalar que tal carência ainda é crítica para a Engenharia Blindada, posto que cada Batalhão de Engenharia de Combate Blindado (BE Cmb Bld) recebeu apenas duas viaturas especiais de engenharia (VBE Eng e VBE L Pnt), quantia inferior à sua dotação doutrinária, destacando a elevada dependência da tropa blindada de apoio de Engenharia para a função de combate Movimento e Manobra, particularmente no que diz respeito ao movimento.
Quanto às VBE Soc, a distribuição para os RCC, Batalhões Logísticos(4º e 5º B Log, orgânicos da 6ª Bda Inf Bld e 5ª Bda C Bld respectivamente) e CI Bld atenuou a carência de meios das Bda Bld, porém não modificou a situação atual das Bda C Mec, onde as viaturas dessa natureza disponíveis ainda são os antigos M 578, fato que não apenas configura os mesmos inconvenientes logísticos e de instrução com relação à heterogeneidade da frota de viaturas especiais dessa natureza, mas reduz a capacidade dos B Log orgânicos de Bda C Mec apoiar seus RCB – por natureza seu meio mais nobre – dotados de VBCCC Leopard 1 A1 e M 60.
Possíveis Soluções
Dentre as alternativas para implantar a uma nova família de blindados sobre lagartas, foram destacadas algumas soluções possíveis, esboçadas no quadro 01.
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Uma proposta
Das alternativas acima destacadas, os autores propõem a adoção de uma solução híbrida das soluções de “fabricação sob licença” e “nacionalização”, sendo a plataforma Leopard o padrão proposto da família a ser adotada (considerando-se a quantidade de blindados da família já em operação, a experiência e capacitação de pessoal já adquiridos e a confiabilidade do equipamento), nos termos descritos a seguir.
Descrição sumária
Adoção de uma solução que combinasse um pacote de atualização, fabricação sob licença e nacionalização de outros itens, buscando-se o desenvolvimento de tecnologias sensíveis (blindagem, sistema de controle de tiro – SCT, comunicações, sistema de gerenciamento do campo de batalha – GCB), fabricando sob licença dos itens de tecnologia não negada (canhão; motor; transmissão; trens de rolamento; sistema CANBUS, etc.) e nacionalizando outros componentes.
Considerando-se que, de toda a frota em uso, os Leopard 1 A5BR seriam os blindados com menor necessidade imediata de mudança e maior confiabilidade, uma atualização da frota de CC poderia ser feita por meio de um pacote de atualização de meia vida – mid life update (MLU) – que ampliaria o tempo de vida útil da frota e já poderia ser uma oportunidade de projetar e nacionalizar alguns sistemas, como o substituto do EMES 18 (sistema de controle de tiro do Leopard 1 A5BR), podendo tal substituto ser tanto uma cópia fabricada sob licença quanto um modelo nacional.
Mencione-se ainda que o MLU poderia ser aplicado também aos Leopard 1 A1 remanescentes, reduzindo ou suprimindo o problema da heterogeneidade da frota de VBCCC dos RCB. Em razão da grande carência de VBE na frota blindada brasileira, propõe-se que mais VBE fossem adquiridas por meio de fabricação sob licença, valendo-se da BID nacional, com todas as vantagens já expostas sobre a fabricação sob licença e a nacionalização da fabricação de partes dos componentes.
Sobre as Vtr Bld M 113 BR e M 109 A5, ponderando-se a extensão do projeto de recuperação/modernização dos M 113 BR e os recursos demandados na aquisição das VBCOAP M 109 A5+, os autores entendem que seria contraproducente, no atual momento de grande austeridade orçamentária, realizar em curto prazo a substituição de tais meios por plataformas da nova família.
Ainda, seria altamente desejável que o Exército, os centros de pesquisa e a iniciativa privada atuassem de maneira coordenada na busca da aquisição de autonomia nas tecnologias sensíveis previamente mencionadas, de maneira que os MLU e demais atualizações fossem progressivamente inseridas com tecnologia autóctone.
Vantagens e desvantagens
As vantagens e descrições da solução proposta se encontram descritas no quadro 02.
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Considerações Finais
No presente artigo, os autores expuseram uma proposta de adoção de uma família de blindados sobre lagartas derivada da já existente família Leopard. A proposta baseia-se no objetivo final de desenvolvimento da capacidade de fabricação de blindados sobre lagartas com tecnologia e meios nacionais por parte da BID.
Esse é um objetivo ambicioso, custoso e demorado, cuja consecução e êxito se relacionam em grande medida com as seguintes considerações: – é recomendável que tais ações sejam estreitamente concertadas com o Projeto Guarani, sendo tal coordenação uma excelente oportunidade de obtenção de sinergia entre os dois projetos;
– dadas as cifras e dimensões envolvidas, há que se traçar metas realistas e prioridades, o que significaria que algumas unidades e até brigadas teriam que esperar mais que outras (“pulverizar” a entrega de viaturas seria contraproducente para a consolidação da mudança);
– é mister reiterar que o mais adequado seria concentrar e priorizar o desenvolvimento e nacionalização das chamadas tecnologias sensíveis (SCT, blindagem, GCB, comunicações etc);
– tal empreitada deveria mandatoriamente contar com os esforços da iniciativa privada e da academia, sendo inviável que sua realização seja feita exclusivamente pelo EB; e
– sugere-se ainda que seja aberto um canal técnico oficial e permanente – hoje o canal é ad hoc e esporádico – com uma equipe multidisciplinar composta por CI Bld, CAEx, CTEx e CA – Sul.
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REFERÊNCIAS:
BRASIL. Exército Brasileiro. Estado-Maior do Exército. 4ª Reunião Decisória das Viaturas Blindadas de Combate, de 19 de agosto de 2009.
_____.Exército Brasileiro. Comando Logístico. Contrato no 96/2011.
_____._____. Departamento Logístico Q/T$§B/60062/6 B135/0001/2006 – Dlog/EB – Externo.
Notas:
[1] O conceito de família de blindados remete à concepção de produção em série de dois ou mais modelos com elevado grau de similaridade e de intercambialidade entre peças e componentes em geral. São exemplos de famílias de blindados a família Leopard e a família Stryker.
[2] Contrato de n. 96/2011 – COLog/DMat.
[3] Nomenclatura conferida à padronização feita nas VBCCC adquiridas pelo Brasil (nota dos autores).
[4] Ver: Acordo de compra e venda n. Q/T$§B/60062/6 B135/0001/2006 – DLog/EB – Externo.