1 º Sgt Antonio Vagner Machado Pires
No fim de 2009, o Exército Americano atualizou sua doutrina, substituindo o Command and Control (CC) pela atualmente utilizada Mission Command (MC). Enquanto em CC, o comandante emitia uma ordem detalhada e esperava que essa ordem fosse cumprida da maneira especificada, em MC o comandante emite diretrizes e delega autoridade para líderes subordinados, para que estes, com liberdade de ação, tomem iniciativa.
Basicamente, o comandante declara qual o desejado estado final de uma operação, mas não determina como os líderes subordinados empregarão suas unidades para alcançar esse fim.
Essa nova doutrina veio ao encontro das necessidades atuais do Exército Americano, que nas últimas duas décadas vem sendo empregado em irregular warfare (guerra irregular) no oriente médio, mais recentemente contra o estado islâmico.
Este tipo de combate requer diversas operações descentralizadas em que os líderes, em todos os níveis, se deparam com diversos dilemas e devem ter autoridade para rapidamente tomar a iniciativa e rever os cursos da ação.
Os manuais militares americanos ADRP 3-0 Operations e ADP 6-0 Mission Command definem MC como uma filosofia e um dos elementos do poder de combate:
MC como filosofia: exercício de autoridade e direção por parte do comandante, usando ordens de operações, possibilitando a iniciativa disciplinada, de acordo com a intenção do comandante, e delegando autoridade a líderes ágeis e adaptáveis para a condução de operações terrestres unificadas.
MC como elemento do poder de combate: são tarefas e sistemas relacionados que desenvolvem e integram essas atividades, permitindo que um comandante equilibre a arte de comando e a ciência de controle, a fim de integrar os outros elementos do poder de combate.
O Sergeant Major of the Army Daniel a. Daily (funcão análoga ao Adj Cmdo EB) define MC como: “push the authority down and pull the risk up” (baixe o nível de autoridade e eleve o de risco, em tradução livre).
Ou seja, o comandante delega autoridade para os líderes subordinados e, em contrapartida assume os riscos. Claro que para chegar a esse nível de aplicação, os manuais supracitados destacam seis princípios em MC: construir equipes coesas por meio de confiança mútua; criar uma compreensão compartilhada do ambiente operacional; prover a intenção do comandante de maneira clara; exercitar a iniciativa disciplinada; utilizar as ordens de operações; e aceitar riscos prudentes.
Outro fator importante destacado pelos manuais é que, apesar do MC ressaltar o papel central do comandante, o MC é uma responsabilidade de todos os líderes, inclusive dos Non-Commissioned Officers (graduados no EB).
Uma mudança de paradigma sempre enfrenta certa resistência, o que nem sempre é ruim, pois isto alerta para possíveis lacunas e incoerências no novo paradigma.
Em 2017, o Maj Amos C. Fox, do Exército Americano, escreveu um artigo para a Military Review entitulado Cutting Our Feet to Fit the Shoes (Cortar nossos pés para que se ajustem aos sapatos, em tradução livre), argumentando que o Exército está encarando essa nova doutrina como uma mudança do paradigma CC para MC, quando a melhor abordagem seria a mudança de paradigma de controle detalhado para o diretivo.
O Maj Amos sustenta, ainda, que o Exército deveria manter as duas abordagens, uma vez que certos ambientes operacionais requerem uma ação com controle mais detalhado enquanto que, em outros casos, o comandante pode utilizar um controle mais diretivo.
Ele conclui o artigo sugerindo que essa nova doutrina precisa ser revista, pois foi inspirada na doutrina do Exército da Alemanha, conflitando com a cultura americana, e com o que ele define como american way of war (maneira americana de guerra).
Essa análise sobre a nova doutrina militar americana é realmente sucinta, mas é suficiente para refletirmos: estaríamos nos preparados para “push the authority down and pull the risk up”?
Legendas:
ADR – Army Doctrine Publication
ADRP – Army Doctrine Reference Publication
CC – Command and Control
EB – Exército Brasileiro
MC – Mission Command
Referências:
Ancker, C. J., Colonel. (2013). The evolution of mission command in U.S. army doctrine, 1905 to the present. Military Review, 93(2), 42-52. Retrieved from https://search.proquest.com/docview/1348588721?accountid=46682
Department of the Army. (2012). Operations (ADRP 3-0). Retrieved from https://armypubs.army.mil/ProductMaps/PubForm/Details.aspx?PUB_ID=1003105
Department of the Army. (2017). Mission Command (ADRP 6-0). Retrieved from https://armypubs.army.mil/ProductMaps/PubForm/Details.aspx?PUB_ID=102808
Eger, D. (2014). Noncommissioned officers and mission command. Military Review, 94(5), 5-11. Retrieved from https://search.proquest.com/docview/1659760046?accountid=46682
Fox, A. C. (2017). Cutting our feet to fit the shoes: An analysis of mission command in the U.S. army. Military Review, 97(1), 49-57. Retrieved from https://search.proquest.com/docview/1861028131?accountid=46682