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Maria Quitéria e as Mulheres Guerreiras

Coronel R1 Carlos Daróz

Historicamente, os conflitos bélicos têm sido considerados um negócio de homens. A guerra, no entanto, trata-se de um fenômeno social, cultural e político, inerente à atividade humana, independente de gênero. Desde a Antiguidade, as mulheres desempenharam, em maior ou menor grau, dependendo da cultura ou da época, um papel de relevo na guerra. Divindades femininas, cujas origens antecedem os registros históricos, estão presentes nas culturas mais antigas, muitas vezes retratadas como guerreiras.  Por volta do século VIII a.C., as míticas Amazonas, mulheres guerreiras, já eram dignas de registro.  Governadas por uma rainha e não admitindo homens em sua cidade, senão como servos, elas descendiam do deus da guerra Ares e da ninfa Harmonia, razão pela qual suas predileções incluíam a guerra e a caça. De acordo com Heródoto, habitavam a região do Ponto (atual Turquia), perto da costa do Mar Euxino (Mar Negro). As Amazonas tinham grande veneração à deusa Ártemis, identificada mitologicamente com a caça.

Muitas mulheres guerreiras e vários governantes se destacaram durante a Antiguidade no ato de fazer ou conduzir a guerra. Débora, que foi juíza em Israel por volta do século XIII a.C. e que é considerada uma das primeiras mulheres comandantes documentadas, viajou com Baraque, que liderou seu exército em uma campanha militar em Kadesh, conforme descreve o livro dos Juízes da Bíblia. Por volta de 332 a.C., a rainha Núbia Candace intimidou Alexandre, o Grande, com seus exércitos e sua estratégia enquanto o confrontava, fazendo com que ele evitasse a Núbia e seguisse para o Egito, de acordo com relato de Calístenes.

No período medieval, outras mulheres se notabilizaram por pegarem em armas ou comandarem exércitos, embora a guerra continuasse a ser, predominantemente, um negócio de homens. Dentre todas as mulheres guerreiras da Idade Média, a mais notável foi Joana d´Arc, ainda que sua breve carreira militar durasse pouco mais de um ano. Camponesa adolescente do nordeste da França, segundo a tradição, teve visões de santos que lhe diziam para expulsar as forças inglesas de seu país, então envolvido na Guerra dos Cem Anos (1337-1453). Em 1429, ela conseguiu convencer o delfim (príncipe herdeiro) francês Carlos a lhe dar um exército para romper o cerco à cidade sitiada de Orleans, o que conseguiu fazer depois de apenas uns poucos dias. Nos meses seguintes, Joana liderou as forças francesas em diversas vitórias contra os ingleses, permitindo que Carlos VII fosse coroado como Rei da França em Rheims. Sua carreira militar, no entanto, entrou em declínio quando não conseguiu retomar Paris e, em maio de 1430, foi capturada durante uma pequena escaramuça. Um ano depois, Joana d´Arc foi julgada e condenada por heresia por um tribunal religioso. Foi queimada viva, em 30 de maio de 1431, com apenas dezenove anos de idade. Desde então, ela se tornou um símbolo nacional da França e uma das mais significativas representações da mulher guerreira na história.

Além das mulheres que tiveram chance, oportunidade ou pendor para combater, existem outras que foram compelidas a lutar por necessidade e pela própria sobrevivência, sendo que muitas, a partir da Modernidade, optaram por seguir os exércitos em campanha, participando, ainda que em caráter não formal, do apoio logístico às tropas. Embora não seja possível precisar a data exata em que esse processo de acompanhamento teve início, no século XVI, por toda a Europa, as mulheres estavam presentes nos acampamentos e campos de batalha. Conhecidas como vivandeiras ou cantineiras, forneciam alimentação e bebidas para os soldados durante os combates, assim como serviço de alimentação e lavanderia nos intervalos entre as batalhas. Muitas se casavam com os soldados, constituindo famílias militares em plena campanha.

No calor do combate, as vivandeiras, frequentemente, substituíam os soldados mortos ou feridos das unidades que acompanhavam em suas funções no exército. A lenda de Molly Pitcher, por exemplo, é uma composição de diversas vivandeiras que combateram durante a Guerra de Independência dos EUA (1775-1783). Uma das histórias que embasou o mito foi a de Mary Ludwig Hays, que acompanhou seu marido, William Hays, quando ele se alistou como artilheiro no Exército Continental. Em 28 de junho de 1778, eles se encontravam no condado de Monmouth, New Jersey, enfrentando os britânicos sob elevadas temperaturas. Submetida ao contínuo fogo inimigo, Mary transportou água de uma nascente para os serventes da peça de artilharia de forma a saciar sua sede e resfriar o canhão superaquecido. Quando seu marido desmaiou, devido ao calor intenso e ao esforço físico, ela assumiu seu posto e manteve o canhão disparando.

No Brasil, a jovem Maria Quitéria de Jesus é reconhecida como a primeira mulher a entrar em combate nas Forças Armadas do País, fato ocorrido por ocasião da Guerra de Independência (1822-1824). Vestindo-se como um homem, ocultando sua condição de mulher – subterfúgio comum na época em que  mulheres com sentimento patriótico encontravam uma brecha para lutar por seus ideais e por sua Pátria –, alistou-se no Regimento de Artilharia sob o nome de “Soldado Medeiros”, ali permanecendo até ser descoberta pelo pai, duas semanas mais tarde. Seu comandante, no entanto, reconhecendo seu valor, não permitiu que ela fosse retirada da unidade e ela permaneceu em serviço até o final do conflito. Foi condecorada por seus atos de bravura em combate com a Imperial Ordem do Cruzeiro pelo Imperador D. Pedro I e reformada com o soldo de alferes.

Quando o Exército Brasileiro (EB) resolveu introduzir o segmento feminino em suas fileiras, no ano de 1992, com a criação do Quadro Complementar de Oficiais, escolheu Maria Quitéria de Jesus para a patrono do Quadro. Atualmente, milhares de brasileiras integram as fileiras do Exército, atuando em diferentes campos como administradoras, professoras, mecânicas, profissionais de saúde, técnicas, advogadas, psicólogas, profissionais de tecnologia da informação, dentre outras.  Muitas já demonstraram suas capacidades em missões de paz sob a égide da ONU, no Haiti e em outros países.

Desde 2017, as mulheres também passaram a integrar a linha militar bélica, após terem seu ingresso na EsPCEx e na AMAN consolidado, com previsão de formatura das primeiras aspirantes-a-oficial de Intendência e Material Bélico no final de 2021.  As brasileiras, assim como os brasileiros, manifestam o seu patriotismo da defesa da lei e dos valores do País. Inspiradas no exemplo de Maria Quitéria, as filhas do Brasil renovam o compromisso solene de defender a Pátria, demonstrado por notáveis soldados ao longo da história, e, se necessário for, estão prontas para oferecer suas vidas em sacrifício em prol da sociedade brasileira.

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