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Lições aprendidas do emprego da Artilharia de Mísseis e Foguetes no conflito em Nagorno-Karabakh

Cap João Paulo Ramos Serpa

A região de Nagorno-Karabakh, localizada em território azeri, tornou-se, desde fevereiro de 1988, alvo de disputa entre a Armênia e o Azerbaijão. A contenda se dá pelo fato de que nessa região montanhosa, internacionalmente reconhecida como parte do Azerbaijão, há uma maioria de armênios étnicos, estimados em 150 mil habitantes, que rejeitam o domínio azeri.

Em setembro de 2020, desencadeou-se uma nova escalada nessa disputa quando o Azerbaijão, de maioria muçulmana, e a Armênia, de maioria cristã, passaram a se acusar mutuamente sobre ataques do rival, utilizando-se, sobretudo, de meios de apoio de fogo e tendo como alvos posições próximas às fronteiras, bem como acampamentos civis na região. (ENTENDA, 2020)

Dessa forma, as operações militares na área, que tiveram 44 dias de duração, proporcionaram uma série de legados sobre o emprego de forças militares em um conflito moderno. Em particular, um aspecto sobressaiu-se: o emprego da Artilharia em combinação com aeronaves remotamente pilotadas (ARP).

Um primeiro aspecto observado relaciona-se à similaridade dos sistemas de mísseis e foguetes utilizados por ambos os países. Obviamente, tendo tanto a Armênia quanto o Azerbaijão integrado a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), torna-se simples compreender essa semelhança, uma vez que ambos herdaram significativa quantidade de MEM da URSS.

Contudo, especial atenção destina-se à longevidade da operacionalidade desses materiais e, principalmente, ao seu emprego como fator decisivo em pleno ano de 2020. Como exemplo, o sistema lançador BM-21-Grad, amplamente utilizado pela Armênia, tem seu início de período de produção datado de 1963.

Percebe-se, então, que o emprego judicioso e bem planejado dos fogos de saturação de área, típicos da Artilharia de Mísseis e Foguetes, mostra-se essencial em qualquer conflito moderno, particularmente entre forças parelhas, independentemente do grau de modernização do material.

Por outro lado, fez-se notório o emprego de um moderno arsenal de mísseis e foguetes pelos azeris, demonstrando que nas últimas duas décadas, sobretudo pelas receitas obtidas pela exportação de óleo e gás, o governo local investiu fortemente em poderio militar, certamente em preparação para esse conflito. (SHAIKH; RUMBAUGH, 2020).

Dessa forma, destaca-se o emprego de mísseis “Lora”, adquiridos nos anos de 2017 e 2018, e “Extra”, adquiridos entre 2005 e 2009, ambos de origem israelense com capacidades destacadas no cenário internacional, em particular o guiamento GPS/INS de alta precisão, permitindo que se obtenha um erro circular provável de 10 metros (LORA, 2022).

Ainda, sobressai-se a utilização de sistemas como o T-300 “Kasirga”, lançador de foguetes de 300 mm de origem turca, que contém um inventário estimado de 20 peças; o bielorrusso “Polonez”, também capaz de utilizar foguetes de 300 mm em alcances de até 200 km, com número estimado de 10 peças; e o lançador “Lynx”, de origem azeri em parceria com a indústria israelense, capaz de utilizar em uma mesma viatura base KamAZ (russa) lançadores de 122 mm, 160 mm e 200 mm. (SHAIKH; RUMBAUGH, 2020).

Ademais, além de artigos e publicações tratando sobre o conflito, houve ampla divulgação de conteúdo audiovisual, visando à vitória no cerne das operações psicológicas, que facilitou a visualização de alguns aspectos que se apresentaram como tendência nesse combate. Dentre eles, tornou-se evidente a ampla utilização dos meios de busca de alvos, particularmente por meio de aeronaves remotamente pilotadas. Essas aeronaves, consideradas as limitações da capacidade de proteção antiaérea, em especial da Armênia, tiveram relativa liberdade de atuação e mostraram-se meios valorosos de apoio ao combate.

Percebeu-se, também, a limitação de estabelecimento de medidas ativas e passivas de defesa da Artilharia de ambos os lados. Em diversos vídeos, pode-se observar sistemas de lançamentos de foguetes ocupando áreas descampadas por grandes períodos, aparentemente sem meio de defesa antiaérea ou camuflagem.

Nessa oportunidade, as técnicas, as táticas e os procedimentos relativos à Artilharia de Mísseis e Foguetes mostraram-se limitados e mal estabelecidos, sendo possível observar nas filmagens, por exemplo, lançadores BM-21 “Grad” armênios realizando disparos e, na sequência, retornando para uma posição de espera na qual se encontrava o restante da Bateria, deixando a posição facilmente identificável e tornando-se, assim, alvo para a contrabateria azeri.

Fica evidente que da mesma forma que há uma grande preocupação em relação à técnica para a realização dos disparos de mísseis e foguetes, não menos importante se mostra a necessidade de constante e exaustivo adestramento no que concerne ao emprego dos sistemas de lançamento, com ênfase à questão da capacidade de sobrevivência em combate.

A intensa utilização de drones de ataque contra posições de baterias, particularmente utilizando-se o modelo “Bayraktar TB 2” (SARP turco de média altitude com capacidade de controle remoto) pelo lado azeri, causou a destruição na Artilharia do Azerbaijão de cerca de 75 BM 21 “Grad”, 4 BM 30 “Smerch” e 2 WM-80 armênios. (MITZER, 2020).

Cabe ressaltar que, ao fim desse período de conflito, o Azerbaijão obteve uma vitória decisiva na região, retomando o controle político de boa parte da região em disputa.

Do exposto, conclui-se que as seguintes lições advindas desse conflito podem ser aplicadas para a Art Msl Fgt: a capacidade de sobrevivência em combate constitui uma prioridade no emprego destes meios do apoio de fogo; especial atenção deve ser dada à proteção antiaérea das posições de bateria, uma vez que o emprego de ARP, seja de reconhecimento seja de ataque, aparece como tendência nos conflitos atuais tanto pela eficiência de seus sistemas de armas quanto pelo seu relativo baixo custo (levando-se em consideração que em determinadas operações até mesmo ARP civis podem ser utilizadas como meio de vigilância e busca de alvos); e a Artilharia mostra-se como alvo de grande importância militar para a utilização desses meios.

Nesse escopo, pode-se perceber a ampliação decisiva da capacidade de apoio de fogo ao se combinar meios de observação eficazes, tais como as ARP, com sistemas de Artilharia, ponderando-se sempre o tempo adequado do ciclo de processamento de alvos.

Ademais, há de se atentar para os meios de camuflagem e as medidas passivas de defesas para as posições de bateria. No que tange à camuflagem, convém ressaltar que recentemente apareceram novas tecnologias no cenário, permitindo, por exemplo, se obter a capacidade de proteção contra localização termal, assim como a nanotecnologia, que permite o redirecionamento de ondas de luz através de um objeto. Essas tecnologias se apresentam como uma opção viável para a aquisição pelo Exército Brasileiro. (HUSSEINI, 2019).

Já em relação às medidas passivas de defesa, é importante que haja o contínuo treinamento para o emprego do shoot-and-scoot (processo que consiste em rapidamente ocupar uma posição, atirar e sair de posição), sempre levando em conta o tempo máximo de permanência em posição de uma Bateria de Mísseis e Foguetes.

Por fim, cabe ressaltar que a Artilharia se mostrou, também nesse conflito recente, essencial meio de apoio de fogo, particularmente com emprego de mísseis e foguetes, capaz de apoiar as operações pelo fogo sob quaisquer condições meteorológicas. Para tal fim, deve ser mantida sua capacidade operacional plena desde os tempos de paz por meio do adestramento, emprego eficiente de equipamentos de simulação, adequado grau de disponibilidade dos meios e constante desenvolvimento e aprimoramento de sistemas de armas e munições.

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REFERÊNCIAS

ENTENDA por que Azerbaijão e Armênia estão em conflito em Nagorno-Karabakh. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/entenda-por-que-azerbaijao-e-armenia-estao-em-conflito-em-nagorno-karabakh/. Acesso em: 07 abr. 2022.

HUSSEINI, Talal. Military camouflage technology: countering thermal imaging. countering thermal imaging. 2019. Disponível em: https://www.army-technology.com/analysis/military-camouflage-technology-us-russia/). Acesso em: 14 abr. 2022.

LORA: Long Range Artillery. Precision Strike Tactical Missile. Disponível em: https://www.iai.co.il/p/lo. Acesso em: 18 abr. 2022.

LYNX. 2020. Disponível em: https://www.military-today.com/artillery/azerbaijan_lynx.htm. Acesso em: 11 abr. 2022.

MILACIC, Slavisa. The Lessons for Armenia from the Defeat in Nagorno Karabakh. 2020. Disponível em: https://wgi.world/the-lessons-for-armenia-from-the-defeat-in-nagorno-karabakh/. Acesso em: 11 abr. 2022.

MITZER, Stijn. The Fight For Nagorno-Karabakh: documenting losses on the sides of armenia and azerbaijan. Documenting Losses On The Sides Of Armenia And Azerbaijan. 2020. Disponível em: https://www.oryxspioenkop.com/2020/09/the-fight-for-nagorno-karabakh.html. Acesso em: 18 abr. 2022.

REIS, Luiz Fernando Pinto dos. Entenda o conflito entre Armênia e Azerbaijão pelo território de Nagorno-Karabakh. 2020. Disponível em: https://www.politize.com.br/conflito-armenia-e-azerbaijao-entenda/?utm_source=pocket_mylist. Acesso em: 07 abr. 2022.

SHAIKH, Shaan; RUMBAUGH, Wes. The Air and Missile War in Nagorno-Karabakh: Lessons for the Future of Strike and Defense. 2020. Disponível em: https://www.csis.org/analysis/air-and-missile-war-nagorno-karabakh-lessons-future-strike-nd-defense. Acesso em: 08 abr. 2022.

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Sobre o autor
 

Cap João Paulo Ramos Serpa  – O Cap Art João Paulo Ramos Serpa é formado na AMAN/2015. Possui o Curso de Operação do Sistema de Mísseis e Foguetes e é pós-graduado em Gestão Pública e de Pessoas. Exerceu a função de Comandante da Linha de Fogo das 1ª e 3ª Bateria de Obuses do 32º GAC, em Brasília (DF), nos anos de 2016/2017. Foi instrutor do Curso de Artilharia da AMAN, em Resende (RJ), no biênio de 2018/2019. Foi, ainda, Adjunto-S3 e Comandante de Bateria no 5º GAC AP, em Curitiba (PR), nos anos de 2020/2021. Atualmente, é instrutor do Centro de Instrução de Artilharia de Mísseis e Foguetes, em Formosa (GO).

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