Coronel R1 Carlos Eduardo De Franciscis Ramos
Impulsionada pela publicação da primeira edição da Estratégia Nacional de Defesa (END) em 2008, a criação do Instituto Meira Mattos (IMM), por meio Portaria do Comandante (Cmt) do Exército nº 724, de 6 de setembro de 2012, reforça as iniciativas de transformação do Exército desencadeadas na década de 2010, materializadas na própria Diretriz do Cmt do Exército, com o intuito de estreitar, ainda mais, os laços com a sociedade, especialmente com a comunidade acadêmica dedicada aos estudos dos assuntos de Defesa.
Por outro lado, no plano interno do Exército, vem reforçar as iniciativas nas áreas de Pós- Graduação e Pesquisa, já em evolução na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME) desde a década de 1960, e, mais sistemicamente, desde o ano de 2001 com seu Programa de Pós-Graduação, conforme estabelecido pela Lei de Ensino do Exército, Lei nº 9.786 de 1999 em consonância com a Lei de Diretrizes e Bases, Lei nº 9.394 de 1996.
Assim, conforme afirma Richard[2] (2012), ao incrementar as atividades de pesquisa e pós-graduação, o IMM amplia o nível de debates e estudos ao público interno da Escola, que conduz os cursos de mais alto nível hierárquico e com reflexos para todo Exército.
Ao reunir e transformar estruturas internas já existentes na ECEME, a organização do IMM privilegiava a racionalidade administrativa inovando ao aproximar a atividade de pesquisa dos estudos estratégicos, tendo a capacitação de recursos humanos como centro de gravidade e o aperfeiçoamento da gestão do conhecimento como premissa.
Em que pese sua portaria de criação ocorrer em setembro de 2012, efetivamente, o IMM já funcionava em caráter experimental na ECEME, desde meados do ano de 2011, o que permite algumas reflexões desses dez anos de trajetória exitosa e repleta de desafios e aprendizados.
Assim, de modo a ilustrar esta abordagem, identificam-se três fases distintas desse processo evolutivo: a criação, o desenvolvimento e a consolidação de suas atividades.
A primeira fase tem início no ano de 2011, caracterizada por três ações que marcaram de forma indelével essa trajetória. Inicialmente, a elaboração da arquitetura organizacional e proposta do IMM, com amplo trabalho de convencimento e aprovação em todas as instâncias do Sistema de Educação Militar, permitindo a inserção de diversos aperfeiçoamentos, além da pormenorização de pontos da proposta e seu consequente encaminhamento e aprovação pelo Comandante do Exército.
A segunda ação passa pela formação de um corpo docente composto por quadros de professores doutores civis e militares, nos moldes no Sistema Nacional de Pós-graduação.
A terceira e última foi a criação de um grupo de trabalho para elaboração e submissão da proposta do curso Mestrado Acadêmico em Ciências Militares à CAPES e ao Sistema de Educação Militar, sendo o primeiro dessa natureza no âmbito das Forças Armadas.
O desafio de um curso novo, em paralelo aos cursos corporativos tradicionais já em funcionamento na secular ECEME, que abrangesse a diversidade de assuntos de interesse afetos às Ciências Militares e voltado a um universo de discentes civis e militares trazia em seu bojo incalculável potencial inovador tanto para o Exército quanto para o setor de defesa e sociedade acadêmica em geral.
Ao final do ano de 2012, algo que poderia ser improvável foi materializado pela aprovação da proposta de mestrado encaminhada e recomendada pelo Conselho Técnico e Científico da CAPES, órgão colegiado responsável pela pós-graduação em seu mais alto nível, encerrando-se, assim, essa primeira fase envolvendo os estudos para criação e implantação do IMM.
A aprovação do “novo curso de mestrado” revelou uma nova dimensão para a pós-graduação na ECEME e no próprio Exército, implicando planejamentos e ações para atender à nova realidade a partir do ano de 2013 e prosseguindo até o final de 2016, caracterizando a segunda fase da trajetória do IMM, o desenvolvimento das Ciências Militares e demais atividades confiadas ao Instituto em sua portaria de criação.
Na comunidade acadêmica de Defesa, tal feito gerou forte impacto pela relevância e simbologia em ter um Programa de Pós-graduação conduzido de forma autônoma por uma Força Armada, algo ainda sem precedentes no país e objeto de interesse observado em outras nações amigas.
Como resultado dessa fase, destacam-se os primeiros números da produção científica[3] docente e discente, a participação em projetos de pesquisa interinstitucionais[4] e individuais com recursos de agências de fomento, bem como, as entregas de mestres[5] formados no curso aprovado.
Estes aspectos foram relevantes no processo decisório à proposição do novo curso de Doutorado em Ciências Militares, no final de 2015, seguindo trajetória análoga ao processo de submissão do curso de mestrado, sendo reconhecido, aprovado e homologado pela CAPES em 2016.
Superando expectativas, óbices e antecipando prazos, em menos de quatro anos, a ECEME, por meio do IMM, possuía o primeiro programa de pós-graduação acadêmico das Forças Armadas, o Programa de Pós-graduação em Ciências Militares (PPGCM), inclusive, com estágio pós-doutoral em Ciências Militares, conforme o Plano Nacional de Pós-Doutorado (PNPD, 2014).
Insere-se ainda nesse esforço a participação do IMM na condução dos cursos de especialização6 promovidos pela Escola, contemplando uma média de cerca de 200 trabalhos concluídos anualmente, versando em temáticas afetas às Ciências Militares.
Uma nova dimensão de desafios é apresentada por ocasião do resultado da primeira avaliação quadrienal, publicado em meados do ano de 2017. Este momento marca o início da fase de consolidação do IMM, de seus processos e das Ciências Militares, estendendo-se até a atualidade, concomitantemente com o período de avaliação do PPGCM referente ao quadriênio 2017–2020.
Destaca-se nesse período a formação de um corpo docente próprio, estável e contextualizado com a proposta do Programa, por concurso público, combinando professores contratados e professores cedidos por termo formal de cessão de docente.
Tal feito tem reflexo considerável na produção científica, perfazendo um total de 2.089 produtos reportados na produção docente e discente do programa. Observa-se a ampliação da capacidade docente em propor e participar de projetos de pesquisa e grupos de pesquisa, produzindo conhecimento relevante, inovador e com capacidade de impacto, transbordando ao corpo discente, cada vez mais aderente em sua pesquisa às Ciências Militares e dos Estudos de Defesa.
Somente nos últimos quatro anos, o PPGCM/IMM participou, ou ainda está no desenvolvimento, de 13 projetos de pesquisa financiados por órgão de fomento à pesquisa e pelo DECEx.
Quanto à capacitação de recursos humanos, com uma média anual em torno de 100 discentes distribuídos nos cursos de mestrado, doutorado e estágio pós-doutoral, cabe assinalar que foram diplomados pelo PPGCM nos últimos quatro anos o efetivo de 56 mestres, 23 doutores e 13 pós-doutores.
No tocante aos estudos estratégicos, desde sua criação, o IMM planejou e conduziu 14 Ciclos de Estudos Estratégicos[7], promovendo debates sobre temas atuais e de interesse do Exército e da Defesa.
O esvaziamento de quadros de analistas estratégicos e a carência de estruturas inovadoras capazes de realizar o acompanhamento da conjuntura na área de Defesa, leva à criação, em 20 setembro de 2017, no âmbito ECEME, do Observatório Militar da Praia Vermelha (OMPV), estrutura matricial capitaneada pelo IMM e organizada em ambiente “web”, que busca estudar assuntos, por áreas temáticas, que tenham relação direta à atuação das Forças Armadas, mormente do Exército Brasileiro.
Desde sua criação, o OMPV já publicou 334 artigos, dentre outros produtos, registrando cerca de 204.866 acessos em sua página da “internet”[8]. Outra tônica de extrema relevância foram as aproximações com instituições de ensino superior, de pesquisa e de estudos estratégicos realizadas em seu diagrama de relacionamento.
Nesse sentido, o IMM é partícipe em instrumentos de parcerias[9] acadêmicas com universidades nacionais e internacionais, elevando a projeção do conhecimento produzido na Escola, bem como, ligando-se a centros de excelência em estudos de Defesa nacionais e internacionais.
Tais iniciativas são fundamentais ao enlace com a comunidade acadêmica nacional de Estudos de Defesa, ao mesmo tempo que confere uma projeção internacional condicionante para sua evolução institucional e acadêmica.
Ao completar uma década em funcionamento efetivo, observa-se que o IMM muito realizou na direção dos propósitos firmados à sua portaria de criação, inspirado no exemplo de seu patrono, General de Divisão Meira Mattos, oficial de escol e notável acadêmico, aliando a experiência das armas à reflexão acadêmica sob uma ótica singular para estudar as Ciências Militares.
Entretanto, muito além de alguns números apresentados em sua história recente e todo o esforço institucional dos profissionais e alunos envolvidos, muito ainda pode ser feito pelo IMM em prol da educação e da Defesa.
Hoje consolidado e muito mais conhecido, certamente nesta segunda década de existência trará contribuições para o meio acadêmico e militar, alavancando futuras gerações de pesquisadores e produzindo conhecimento da excelência com impactos no plano nacional e internacional, consoantes com os interesses do Exército, da Defesa e da Sociedade brasileira.
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Coronel QEMA R1 da Arma de Infantaria formado na Academia Militar das Agulhas Negras no ano de 1990, Pró-reitor de Pesquisa e Pós-graduação da ECEME.
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NUNES, R. F. O Instituto Meira Mattos da ECEME e o processo de transformação do exército brasileiro. Coleção Meira Mattos: revista das ciências militares, n. 26, 20 nov. 2012. Disponível em: < http://www.ebrevistas.eb.mil.br/RMM/article/view/232 > Acesso em 05 dezembro de 2021.
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A produção científica dos corpos docente e discente do PPGCM alcançou o número de 429 produtos durante o primeiro quadriênio de avaliação do Programa.
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O PPGCM obteve participação em 16 projetos de pesquisa interinstitucionais.
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Foram diplomados mestres em Ciências militares um total de 26 discentes do PPGCM no período considerado da primeira avaliação quadrienal.
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Especialização em Ciências Militares, com ênfase em Defesa Nacional, com ênfase em Política e Estratégia e com ênfase em Estudos Estratégicos, respectivamente CAEM, CPEAEx e CIEE.
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Foram temas dos Ciclos de Estudos Estratégicos dos últimos anos “Guerra do futuro, Inovação e Indústria de defesa”;
“Ciberespaço: a nova dimensão do campo de batalha”; “Perspectivas Geopolíticas e suas implicações para a Defesa Nacional”; “A Comunicação Estratégica no século XXI: novos paradigmas”, dentre outros.
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Observatório Militar da Praia Vermelha. Disponível em: < http://ompv.eceme.eb.mil.br/> Acesso em 5 de Dezembro de 2021.
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A DESMil, por meio da ECEME/IMM possui acordos de cooperação firmados com a UFRGS, UFPE, USP e UFRR; bem como Memorando de entendimento internacional com Kings College London, Universidade Complutense de Madrid e ESPE(Equador).
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Sobre o autor:
Coronel R1 Carlos Eduardo De Franciscis Ramos – Bacharel em Ciências Militares pela Academia Militar das Agulhas Negras (1990), Bacharel em Direito pela Universidade Estácio de Sá (2005), Mestre em Operações Militares pela Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (1998), Doutor em Ciências Militares pelo Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (2008), Pós-doutorado em Administração Pública pela EBAPE / FGV (2012) e Pós-graduação em Estudos Superiores em Política e Estratégia pela Escola Superior de Guerra (2016). De 2009 a 2012, coordenou o Programa de Pós-Graduação da ECEME (2009 a 2012), tendo desenvolvido pesquisas na área de Ciências Militares, especialmente em Logística e Mobilização Nacional, participando de grupos de trabalho para elaboração de documentos e legislação afetos a área em conjunto com os órgãos do Poder Executivo, em especial o Ministério da Defesa.
Participou como professor visitante do Curso de Gestão e Defesa Internacional da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UFRJ (2012) e do Curso de Logística e Mobilização da Escola Superior de Guerra (2013). Foi comandante do 2º Batalhão de Infantaria Motorizada – Regimento Avaí “O Dois de Ouro”, mais antigo e uma das mais tradicionais Unidades Militares do Exército Brasileiro (2013/2014), quando participou do planejamento e execução das atividades de segurança dos grandes eventos ocorridos na cidade do Rio de Janeiro, como a Copa das Confederações (2013), Jornada Mundial da Juventude (2013), Operação Leilão de Libra (2013), Copa do Mundo (2014) além da Operação São Francisco II, como Força de Pacificação nos Complexos de Maré (2014).
Em 2018 prestou assessoria técnica para a elaboração e relatoria do Plano Estratégico e do Plano de Gestão do Conhecimento relativos às atividades do Gabinete de Intervenção Federal em Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro. Foi Chefe do Instituto Meira Mattos (IMM) e Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da ECEME de 2017 a 2020. Foi Coordenador Geral do Observatório Militar da Praia Vermelha (OMPV) de 2018 a 2020. Tem sua agenda de pesquisa, em especial, na área de Segurança Pública, Planejamento e Gestão, Mobilização Nacional. Atualmente é Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da ECEME.