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General Villas Bôas assumirá o comando das operações terrestres na Copa 2014

Táis Seibt

São 11 mil quilômetros de fronteira com oito países, sendo três deles os maiores produtores de cocaína. Cerca de 5 milhões de quilômetros quadrados abrigam recursos naturais e biodiversidade. Áreas acessíveis apenas por água, outras somente por ar e algumas impossíveis de acessar. Tensões permanentes envolvendo indígenas, fazendeiros, madeireiros, garimpeiros e ambientalistas.

Some-se a isso a fraca presença do Estado nessa região, enormes vazios populacionais e uma estrutura de segurança dependente do fator humano e você tem uma ideia do tamanho da responsabilidade de estar à frente do Comando Militar da Amazônia (CMA).

Quem desenha o quadro acima é o general de Exército Eduardo Dias da Costa Villas Bôas, 62 anos, há dois anos e oito meses no cargo. Gaúcho de Cruz Alta e torcedor do colorado, o militar lembra com afeto da infância no noroeste do Estado, onde viveu até os 14 anos entre fazendas e plantações de soja da família.

Mas se inflama feito um nativo ao falar do território onde atuou nove anos como militar, entre idas e vindas em diferentes postos. Com esse histórico, considera-se "meio amazônico", embora mencione mais de uma vez que toma chimarrão em seu gabinete, em Manaus, enquanto conversa, por telefone, com Zero Hora.

Os pertences pessoais já foram despachados por alguma balsa a caminho de Brasília — a capital do Amazonas está sem ligação por terra com o restante do país desde 1988, devido à deterioração da BR-319 —, quando Villas Bôas fez um balanço crítico do que viu na Amazônia antes de assumir o novo desafio, no Comando de Operações Terrestres, tendo como primeira missão a segurança da Copa do Mundo.

A cerimônia de posse ocorreu no começo de abril, mas o desligamento do CMA será somente na próxima terça-feira. A comparação da Amazônia com uma colônia é a mais forte de suas declarações, fato que ele atribui não a um ou outro governo, mas ao que chama de "processo histórico".

Assume papel de mediador em momentos de tensão

O vazio institucional é outro ponto marcante no discurso do general, que se vale da dura que levou de um caboclo quando comandava o 1º Batalhão de Infantaria de Selva para ilustrar seu relato: "muito bonito, coronel, o Exército vem aqui com o Ibama para ver se eu faço pesca predatória e apreende a minha rede, vem aqui a Receita ver se eu vendo peixe sem nota e me multa.

Agora, para colocar posto de saúde, ninguém aparece, alguém para colocar uma escolinha não aparece, lguém para transportar minha produção, não aparece".

— Eu fiquei extremamente envergonhado, porque me dei conta que estava sendo a mão do Estado que chega para reprimir, sem que chegue antes a mão do Estado para apoiar, fomentar, desenvolver — reconhece o general.

Em pouco mais de uma hora de conversa, Villas Bôas contou como passou da vergonha à ação, assumindo o papel de mediador em situações de tensão. Falou, também, da necessidade de investir em tecnologia para melhorar a atuação do Exército na região e da preocupação com o avanço do narcotráfico. Da nova missão, limita-se a dizer que a experiência amazônica deverá lhe ajudar.

ENTREVISTA – EDUARDO DA COSTA VILLAS BÔAS – General de Exército do Comando Militar da Amazônia

"O narcotráfico está se agravando no Norte"

Entre um e outro gole de chimarrão em sua sala no Comando Militar da Amazônia, em Manaus, o general de Exército Eduardo Dias da Costa Villas Bôas descreve o que viu e aprendeu na região. Agora, o militar vai aplicar os conhecimentos obtidos nos tempos da selva e nas quatro décadas de Exército para assumir o Comando de Operações Terrestres.

Com sede em Brasília, o comando tem a missão de auxiliar forças de segurança pública no caso de necessidade, como ocorreu na recente greve da Polícia Militar na Bahia. Fica em regime de prontidão para entrar em ação, se for preciso, durante a Copa do Mundo e as eleições, em outubro. A seguir, confira os principais trechos da entrevista concedida por telefone.

Zero Hora — O senhor tem dito que o Brasil trata a Amazônia como uma colônia. Por que o senhor diz isso?

Eduardo Dias da Costa Villas Bôas — Essa imagem da colônia surgiu conversando com um coronel do Exército, o Jarbas Passarinho, e ele me contou que, quando era governador do Pará, ele havia recebido a visita do embaixador da França, que havia percorrido a Amazônia e depois foi visitá-lo. O embaixador disse: "governador, conhecendo a Amazônia, eu me dei conta que os países europeus têm colônias extraterritoriais ou extracontinentais, e o Brasil tem uma colônia no seu território".

Como o que nos chega aí no Sul relativo à Amazônia é incompleto, é estereotipado. Acaba a Amazônia ficando como área periférica. A Amazônia tem três importantes papéis a cumprir. O primeiro são os recursos naturais. São bastante divergentes os estudos nesse sentido, mas os mais abrangentes indicam que a Amazônia abrigaria

US$ 23 trilhões em recursos naturais. O segundo papel, um pouco além, quase uma questão de geopolítica, é que existe uma pan-Amazônia. São 7 milhões de quilômetros quadrados, dos quais nós detemos mais ou menos 70%. São nove países-condôminos da Amazônia e todos têm características muito semelhantes no processo histórico.

O terceiro papel decorre do fato de que a Amazônia abriga a solução para algumas das principais questões que afligem a humanidade. Estamos falando de produção de energia renovável, água, produção de alimentos, biodiversidade, mudança climática e outras questões. Quero destacar que isso não é culpa de ninguém, é decorrente de um processo histórico, mas as coisas que são feitas na Amazônia não têm como foco o benefício na Amazônia.

ZH — Situações tensas, como o recente caso da reserva de Tenharim, onde o senhor fez uma mediação, são frequentes?

Villas Bôas — Há uma tensão sempre presente, e isso é decorrente da fraca presença do Estado. As pessoas não têm atendimento de saúde, educação, transporte ou energia. Elas não têm acesso à cidadania, não têm como fazer uma identidade. Quase tudo que se faz na Amazônia tem caráter repressivo. Você delimita a terra, e o índio fica abandonado. É o pressuposto de que, colocando uma redoma na comunidade indígena, você vai preservar a cultura. Como você não atende às necessidades básicas, o próprio índio é levado ao ilícito, deixa que façam extração de madeira, garimpo ilegal.

Em Tenharim, eles foram estimulados a colocar um pedágio na Transamazônica. Mas isso foi gerando uma revolta entre fazendeiros, até que um índio sofreu um acidente de moto e morreu. Alguém estimulou os índios a pensarem que ele tinha sido assassinado. Em retaliação, três pessoas que passavam pela rodovia foram mortas. Houve um princípio do que poderia ser uma catástrofe. Não havia ninguém com capacidade de conduzir a situação, então fomos lá cumprir esse papel. Esperamos que isso tenha gerado um novo modelo de tratamento do problema indígena.

ZH —  O narcotráfico é uma das grandes preocupações?

Villas Bôas — Isso é um problema muito sério. Nós fazemos fronteira com os três países produtores de cocaína: Colômbia, Peru e Bolívia. O narcotráfico está se agravando no Norte. A coca do Peru, uma parte vai para a Colômbia e uma grande parte entra no nosso território ou para abastecer o mercado interno ou para ser mandada para o Exterior. O Brasil é o segundo maior consumidor de cocaína no mundo. Não somos produtores, mas essa tem sido uma preocupação muito grande, porque foi desenvolvida uma variedade de coca adaptada ao clima da Amazônia baixa, que já está vindo para a nossa faixa de fronteira, principalmente do lado peruano. E aí entra a questão dos nossos índios.

Às vezes, índios peruanos da mesma etnia de brasileiros plantam a coca, então eles vão lá visitar e trazem a coca para o nosso território. É o tráfico formiga. Nossa preocupação tem sido evitar que a plantação da coca passe para o nosso lado. Porque, a partir do momento que a gente se tornar produtor de cocaína, vai haver um adensamento de todas essas estruturas do narcotráfico, nós vamos ter a presença aqui de cartéis internacionais, uma participação muito maior das organizações criminosas das grandes cidades do Brasil.

ZH — O contingente e a tecnologia de que o Exército dispõe não são suficientes para essa área?

Villas Bôas — Desde a década de 1980, o Exército vem transferindo unidades para a Amazônia. Naquela época tinha 6 mil militares, hoje são quase 30 mil e continuamos num processo de transferência. Talvez a gente vá chegar a 2030 com 40 mil. Temos de ter sistemas modernos de comando e controle, satélites de comunicação, aumentar muito nossa mobilidade.

O Exército desenvolveu um grande projeto chamado Sisfron (Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras). Está sendo implantado em Mato Grosso, e, no próximo ano, vamos começar em Rondônia e no Acre.

É uma linha de sensores de radares de vigilância aérea, terrestre e com veículos não tripulados na faixa de fronteira. Esse sistema vai estar interligado ao sistema operacional, porque temos de ter essa capacidade de resposta. É um sistema de vulto, de R$ 10 milhões, e vai ser implantado num período de 10 anos. Com isso, nós teremos uma capacidade muito maior de monitoramento e vigilância do nosso território.

ZH — O senhor deixa o Comando Militar da Amazônia para assumir o Comando de Operações Terrestres, tendo de início  um grande desafio, que é a Copa do Mundo. Como o senhor encara isso?

Villas Bôas —  Eu levo daqui uma experiência que vai me ajudar muito. Este ano temos as eleições também e toda a atividade operacional do Exército fica a cargo desse comando de operações. No caso da greve dos PMs na Bahia, por exemplo, a presidente decretou estado de garantia da ordem, as tropas percorreram a cidade garantindo a segurança. Estamos garantindo a segurança de áreas indígenas no sul da Bahia e Maranhão, além das enchentes em Rondônia e no Acre. São todas atividades que estão a cargo deste órgão.

ZH — Durante a Copa, o Exército pode empregar tropas em possíveis protestos?

Villas Bôas — Usamos como exemplo a Copa das Confederações, em que os órgãos de segurança pública, com maior ou menor dificuldade, cumpriram suas funções. Mas só atuamos quando os órgãos esgotam sua capacidade. Então, na Copa do Mundo, nós só seremos empregados nesse tipo de ação caso seja necessário.

ZH — Qual será o foco da atuação do Exército durante a Copa?

Villas Bôas — Temos forças de contingência para atuar em casos de emergência e forças de segurança para pontos estratégicos. Chamamos de pontos sensíveis onde estaremos fazendo a segurança. Estamos em condições de atuar também em situações antiterrorismo, já estamos atuando na parte de inteligência, e na parte de alguma emergência química ou bacteriológica.

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