A venda de vários aviões de caça Rafale é um dos principais motivos para a previsão de uma venda recorde de armas de fabricação francesa em 2015. Conflitos, especialmente no Oriente Médio, também garantem o crescimento do comércio do setor.
A expectativa é que a indústria armamentista francesa venda este ano € 15 bilhões, quase dobrando o valor em comparação ao ano de 2014 (€ 8,2 bilhões).
Especialistas ouvidos pelo jornal Libération relativizam os dados, lembrando que as exportações francesas de armamentos foram 30% menores entre 2010 e 2014, em relação ao período de 2005 e 2009.
No entanto, o setor registra uma alta no pedido de encomendas de armas e equipamentos a partir de 2013 (€ 6,9 bilhões). O aumento das tensões em diversas regiões do mundo é um dos fatores que explica o sucesso de vendas.
Principais clientes
Os gastos com material militar aumentaram de maneira global, especialmente no Oriente Médio e na Ásia. Nestas duas regiões do mundo estão os principais clientes da França nos últimos anos. Arábia Saudita, Índia e Emirados Árabes Unidos estão entre os países que mais adquiriram produtos da indústria armamentista francesa.
No caso do Rafale, a empresa Dassault conseguiu finalmente exportar pela primeira vez seu modelo de caça, após fechar negócio com o Egito e o Catar. Cada um desses pâíses irá comprar 24 aparelhos. Um outro contrato está em processo de finalização com o governo indiano que deverá adquirir pelo menos 36 Rafale.
Outro segmento que seduz o mercado é o de helicópteros militares. Negócios com a Polônia e o Kuwait envolvendo a venda do modelo Caracal e também aeronaves para transporte de tropas e de material militar podem render de € 3 bilhões a € 4 bilhões, até o final do ano.
Nova política de exportações
Segundo reportagem do jornal Libération, outro motivo para o sucesso comercial da indústria armamentista francesa é um aspecto interno, traduzido em uma melhor colaboração entre o ministério da Defesa, o Palácio do Eliseu (sede da presidência) e os empresários do setor industrial.
O governo francês reformou sua política de apoio às exportações e criou uma unidade de acompanhamento dentro do ministério da Defesa, facilitando o trabalho de coordenação. No entanto, as decisões continuam com a presidência.
A orientação para investir no programa de exportações era considerada uma alternativa para compensar os cortes orçamentários devido à crise e garantir a performance da indústria armamentista francesa.
Entre 2010 e 2014, a França se manteve entre os cinco maiores exportadores de armamento do mundo com 5% da vendas globais, no mesmo patamar que China e Alemanha. Os Estados Unidos, com 31%, lideram o ranking, seguidos da Rússia com 27% do volume total comercializado.
Jornais analisam o que mudou para a França vender caças Rafale com mais facilidade¹
O resultado comercial do governo socialista surpreende, considerando os esforços em vão feitos anteriormente pelos governos de direita, como no caso das negociações entre o ex-presidente Nicolas Sarkozy e o Brasil. O jornal Les Echos questiona o que mudou nas propostas para se alcançar o objetivo tão rapidamente.
Uma das razões, segundo o diário, é a intensificação dos conflitos no Oriente Médio. Outro ponto levantado pelo jornal é que o governo Hollande cedeu a uma "chantagem do Catar": para comprar os Rafale, o emirado árabe exigiu que a França abrisse seu mercado interno de aviação à companhia Qatar Airways, o que o presidente Hollande aceitou, correndo o risco de criar um enorme problema financeiro para a Air France.
Les Echos considera perigoso a França ter aberto esse precedente. Enquanto o diário fala em "chantagem comercial", o governo socialista fala em "pragmatismo comercial".
O jornal La Croix evoca o aspecto político do negócio, lembrando que, depois do Catar, Hollande ainda vai à Arábia Saudita para assistir ao encontro de cúpula dos países árabes do Golfo Pérsico. "Hollande é o primeiro líder ocidental convidado para esse encontro", destaca o diário católico.
Ao assinar contratos de armamento com o Catar e dar apoio explícito à Arábia Saudita na luta contra o grupo Estado islâmico, a França se mostra uma aliada dos países sunitas inimigos do Irã xiita. Se posicionar claramente por um campo ou pelo outro pode ser complicado nessa região, nota o La Croix.
A sorte da França, de acordo com o jornal, é que o Irã também tem interesse em combater os jihadistas. La Croix incita Paris a se posicionar de forma mais contundente contra o excesso de rigor religioso na Arábia Saudita.
Em entrevista ao diário conservador Le Figaro, o presidente da fabricante Dassault, Eric Trappier, reconhece que o reforço da parceria estratégica do governo francês com o Catar foi fundamental para a conclusão do negócio. Todas as partes se adaptaram para fazer triunfar a relação político-militar-comercial, afirma o executivo.
¹Artigo publicado em 04 de Maio de 2015 – RFI