Patrícia Comunello
O Exército Colombiano e o Exército Brasileiro (EB) estão trabalhando em conjunto no combate ao crime organizado, incluindo mineração ilegal e outros crimes ambientais, como parte de um amplo esforço de cooperação das Forças Armadas dos dois países para melhorar a segurança ao longo da fronteira comum.
Os Exércitos fizeram duas operações conjuntas no final de 2015 e planejam novas missões para 2016. Soldados colombianos e brasileiros cooperaram nas Operações Anostomus II (do lado colombiano) e São Joaquim (no Brasil), de 20 de novembro a 10 de dezembro.
“Vivenciei um dos momentos mais memoráveis da minha profissão, pois tive o privilégio de comprovar o potencial da efetiva realização de uma operação combinada entre Brasil e Colômbia contra crimes ambientais e ilícitos transfronteiriços”, afirma o General de Exército Guilherme Cals Theophilo Gaspar de Oliveira, comandante do Comando Militar da Amazônia (CMA), com sede em Manaus, capital do estado do Amazonas. “Foi a primeira de muitas operações combinadas na fronteira amazônica, o que fortalecerá a segurança e defesa dos dois países.”
O EB e o Exército Colombiano estão definindo áreas para “a próxima e maior ação” em 2016, de acordo com o Gen Ex Theophilo. O Brasil pretende propor iniciativa similar ao Exército do Peru.
“Temos uma guerra na fronteira. O narcotráfico só começa aqui, depois gera problemas sociais e chega às capitais das grandes cidades, onde destrói mais vidas”, afirma.
A recente ação combinada entre as tropas do Brasil e da Colômbia estabeleceu um novo capítulo para a história do Exército da Colômbia na luta contra o narcotráfico, a mineração ilegal e demais crimes nas fronteiras dos dois países. “Sem dúvida, esta primeira aproximação reforça a necessidade de apoio de outros países para acabar definitivamente com os crimes nas fronteiras”, diz o General de Brigada Adelmo Orlando Fajardo Hernández, comandante da 8ª Divisão do Exército Nacional da Colômbia, que liderou a mobilização pelo país andino. “Como a mineração ilegal gera graves danos ambientais e o narcotráfico é um delito transnacional, o esforço e o comprometimento coordenados com o Exército Brasileiro são de grande importância na luta contra esses crimes.”
Grupos ilegais como as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) estão envolvidos na mineração ilegal de ouro e outros minerais para financiar suas atividades criminosas, diz o Gen Brig Fajardo. “Os minérios viraram moeda de troca para obter armamentos, alimentos e meios de transporte de organizações criminosas estrangeiras.”
Um marco na cooperação
As operações Anostomus II e São Joaquim (no Brasil) foram realizadas entre 20 de novembro e 10 de dezembro de 2015, envolvendo unidades do CMA na região de São Gabriel da Cachoeira, a 840 quilômetros de Manaus, e Tabatinga, a 1.100 km da capital. Do lado colombiano, a 8ª Divisão do Exército liderou a ação nos setores de Cerro Tigre, Cerro Naquen e Campo Alegre nos departamentos de Guainía e Vichada.
Essas operações militares conjuntas partem do sucesso da missão Anostomus I, realizada em abril passado pelas Forças Armadas Colombianas em seu lado da fronteira. Durante a XXV Reunião Regional de Intercâmbio Militar Brasil-Colômbia (RRIM), realizada em setembro de 2015 em Tabatinga, o Gen Ex Theophilo propôs o fortalecimento da cooperação entre as tropas dos dois países através de missões conjuntas em ambos os lados da fronteira.
A RRIM ocorre anualmente, alternando a sede em cada país. O CMA planejou a Operação São Joaquim para novembro e dezembro, mobilizando unidades mais avançadas e que vigiam a fronteira com a Colômbia. Já as autoridades colombianas colocaram em campo a Anostomus II.
“O Gen Ex Theophilo propôs que seria importante ter, no mínimo, uma coordenação de ações simultâneas dos dois lados, pois não adianta fazer uma operação grande, empregar meios e os traficantes conseguirem atravessar um rio ou fugir pela selva”, explica o Tenente Coronel de Infantaria Francisco Nixon Lopes Frota, Chefe da Seção de Inteligência do CMA, que foi a ligação do Exército do Brasil com o da Colômbia.
O Ten Cel Nixon participou do planejamento e acompanhou as operações conjuntas no lado colombiano. “A proposta era de combate às FARC, mas o governo colombiano está em negociação com a guerrilha”, afirma. “O ataque seria, então, indireto em campo e direto nas finanças.”
A inserção do EB foi possível, pois a força militar brasileira tem poder de polícia para atuar na faixa de fronteira – 150 km da linha que separa o Brasil das nações vizinhas –, segundo a Constituição Federal do Brasil. “O Exército da Colômbia não tem atribuição de polícia para atuar na linha de fronteira, o que torna vital a sinergia com a gente”, diz o Gen Ex Theophilo.
O EB montou barreiras na selva, no lado do Brasil, para apoiar o cerco aos exploradores ilegais. “Geramos um prejuízo substancial aos grupos criminosos”, diz o Gen Ex Theophilo. As 18 minas ilegais desbancadas produziam 82 kg de ouro por mês, o equivalente a US$ 2,3 milhões.
Operações Anostomus
Um peixinho colorido encontrado nos rios Inírida e Guainía, na Amazônia colombiana, inspirou o nome da operação: Anostomus. Proteger essa espécie dos grupos de crime organizado, que traficam ilegalmente o peixe conhecido por suas escamas com detalhes em amarelo, é um dos objetivos da missão. Grupos criminosos usam produtos químicos como o mercúrio para extrair minerais que contaminam os mananciais e matam cardumes de Anostomus, de acordo com o serviço de comunicação do Centro de Educação Militar do Exército Colombiano.
Durante a Anostomus I, conduzida pelas Forças Armadas Colombianas em abril e maio de 2015, as forças de segurança prenderam 59 suspeitos – incluindo quatro brasileiros e um venezuelano. Soldados colombianos também interditaram 63 minas de ouro e tungstênio em Guainía.
Durante a Anostomus II, autoridades colombianas detiveram 24 colombianos por diversos delitos, incluindo danos a recursos naturais, contaminação ambiental, invasão de áreas e exploração ilegal de jazidas. As forças de segurança colombianas também inutilizaram 18 minas e 12 dragas, além de identificar seis garimpos a céu aberto que tinham toda a infraestrutura necessária para funcionar ilegalmente, segundo o Gen Brig Fajardo. “Não houve apreensão de droga ou mineral, pois na operação os elementos foram jogados no rio”, acrescentou.
A Anostomus II foi maior que a primeira operação, mobilizando 600 homens da 8ª Divisão e efetivos da Brigada contra a Mineração Ilegal, Força Aérea, Marinha, Polícia Nacional, Ministério Público e Corpo Técnico de Investigação (CTI) da Procuradoria-Geral da Colômbia. Os militares realizaram a operação em uma área de 72.238 quilômetros quadrados, onde não houve resposta armada dos grupos ilegais nem mortos ou feridos, segundo os militares. As Forças Armadas mobilizaram 15 helicópteros e 23 barcos para cercar as minas.
“O treinamento dos nossos homens e um planejamento detalhado geraram o elemento surpresa e a contundência decisivos ao sucesso da missão”, afirma o Gen Brig Fajardo. “A cooperação do Exército Brasileiro possibilitou resultados tangíveis, com capturas, apreensões de material de guerra e intervenção nas minas. As duas nações estão comprometidas com o combate aos crimes.”
Operações em áreas remotas
Os soldados da 2ª Brigada de Infantaria de Selva do EB, comandada pelo General de Brigada Antonio Manoel de Barros, cumpriram a missão no lado brasileiro dentro da Operação São Joaquim, com o apoio da 16ª Brigada de Infantaria de Selva, de Tabatinga. Desde o início de 2015, a inteligência do EB começou a mapear passagens no meio da selva, que podem ser usadas para ilícitos. Com base no mapeamento, os militares brasileiros foram posicionados a partir de outubro em 30 pontos – sendo que a distância máxima entre dois pontos chegou a 50 km – ao longo da fronteira com a Colômbia.
“Foram posições de bloqueio para cobrir 900 km onde não há estradas, mas apenas selva e rios, aonde só se chega de barco ou helicóptero”, informa o Gen Brig Barros. “Sincronizamos tudo com o Exército da Colômbia. Foi a primeira vez que fizemos isso.”
O CMA mobilizou efetivo total de 1.700 homens nos pontos e teve apoio logístico e de comunicações do 3º e 5º Batalhão de Infantaria de Selva, 4º Batalhão de Aviação do Exército, Destacamento de Operações Especiais e 3ª Companhia de Forças Especiais. Helicópteros Black Hawk, Pantera e Cougar fizeram o transporte de tropas, alimentos e combustível.
Lidar com as condições da selva foi um dos maiores desafios dos militares durante as operações. Mas os efetivos do EB treinaram no Centro de Instrução de Guerra na Selva, que fica em Manaus e é considerado o melhor do mundo, segundo o Ten Cel Nixon.
“É selva, selva e pura selva”, diz o Ten Cor Nixon. “Tecnologia e meios de transporte são importantes, mas de nada adiantam se o soldado não estiver adaptado à selva e apto a sobreviver.”