A preocupação com a defesa nacional está no centro da agenda brasileira. Nesta quinta-feira (15/12), a presidente Dilma Rousseff declarou, em mais de uma ocasião, que o país precisa pensar o reequipamento das Forças Armadas sob o ponto de vista da política industrial.
Durante encontro com o primeiro-ministro francês, François Fillon, a presidente argumentou que os acordos de cooperação com outros países, incluindo a França, devem fazer parte de um modelo de produção nacional.
"Expliquei ao primeiro-ministro que queremos construir uma verdadeira indústria nacional de defesa no Brasil. E as parcerias com a França, em todos os setores, devem se inserir nesse objetivo e na ampliação de nossas capacidades em tecnologia", ressaltou Dilma.
A afirmação faz referência à longa negociação, iniciada pelo Brasil ainda em 2009, de compra de caças para renovação da frota nacional. O Brasil também recebeu propostas da Boeing (Estados Unidos) e da Saab (Suécia), mas o ponto crucial das negociações é a transferência de tecnologia.
"Vim ao Brasil para reforçar nossa total determinação em prosseguir a parceria estratégica lançada em 2008 pelos presidentes Sarkozy e Lula", declarou Fillon.
Sem compradores no exterior
Antes de chegar ao Brasil, Fillon declarara ao jornal Folha de S.Paulo estar confiante de que o negócio em torno do Rafale vai sair. "Nosso melhor argumento é a qualidade das transferências que estamos realizando. Estamos confiantes, porque nossa oferta é a melhor possível", disse.
Os franceses estão tendo dificuldades para exportar o Rafale. Até hoje, nenhuma unidade do caça foi vendida para fora do país. O ministro da Defesa, Gerard Longuet, ameaçou recentemente suspender a fabricação do caça "a médio prazo" devido à baixa procura. As Forças Armadas francesas encomendaram 180 unidades, cuja produção se estenderá até 2018.
Segundo o especialista em relações internacionais Creomar Carvalho, das propostas recebidas, a da França é a que mais apresenta possibilidade de concretizar essa transferência de tecnologia, mas a decisão é complexa.
"O Rafale é um caça muito caro e a transferência de tecnologia não o torna mais barato. Isso gera um certo constrangimento, principalmente com a cúpula da Força Aérea, que não considerou este o melhor avião", afimou Carvalho à DW Brasil. Ele avalia, ainda, que, por outro lado, "a França parece ser o parceiro que teoricamente envolve o melhor custo-benefício na transferência de tecnologia".
Em outro momento, durante cerimônia militar, Dilma voltou a afirmar a importância da renovação nas Forças Armadas. "O robustecimento da indústria de defesa nacional e o domínio de tecnologias críticas por empresas brasileiras serão decisivos para que nossas Forças Armadas disponham de equipamentos e tecnologias compatíveis com suas funções de garantia da democracia e da soberania do nosso país", disse.
A compra dos caças foi discutida durante o encontro com o primeiro-ministro francês, mas o governo brasileiro manteve a posição oficial, adotada ainda no início do ano, de suspender as negociações depois do anúncio do bloqueio de R$ 50 bilhões do orçamento.
Constrangimentos e necessidade iminente
A escolha do vencedor vai trazer muita repercussão, tanto pela concorrência quanto pela resistência natural ao tema, conforme avalia Carvalho. "O gasto com defesa nacional ainda é visto com resistência por vários setores da sociedade brasileira, sobretudo por questões de ranço com o regime militar e outras questões do gênero", ponderou Carvalho.
Apesar da dificuldade que permeia a tomada de decisão, o Brasil não tem muito tempo de sobra, uma vez que hoje as Forças Armadas têm necessidades reais de troca de equipamentos para manter operações de segurança e patrulhamento. As regiões de fronteiras e a região amazônica pedem ações de alto nível técnico que só poderão ser implementadas com a renovação de certos equipamentos, diz Carvalho.
"As armas do crime organizado, por exemplo, passam pelas fronteiras, que são absolutamente porosas. Então precisamos que as Forças Armadas estejam prontas para fazer com que essas fronteiras estejam menos porosas e, a partir daí, criar os atributos necessários para se ter uma linha de frente de resistência ao crime organizado", avaliou.
Relações Brasil-França
Durante a visita do primeiro-ministro francês, os dois países anunciaram alguns acordos de cooperação nas áreas de ciência, tecnologia e educação. Entre eles está o compromisso de aumentar em 10 mil o número de estudantes brasileiros bolsistas na França, até 2014. "A França tem hoje 4.000 estudantes brasileiros bolsistas, e é o país que mais recebe bolsistas brasileiros no mundo", afirmou Fillon.
No âmbito dos investimentos, a França ocupa o quinto lugar entre os maiores investidores no Brasil, tendo sido responsável por 2,3 bilhões de dólares até setembro. O comércio entre os dois países moviment 9 bilhões de dólares anuais.
O primeiro-ministro francês veio ao Brasil acompanhado de três ministros e uma comitiva de cerca de 30 empresários.
Autora: Ericka de Sá, de Brasília
Revisão: Alexandre Schossler