Na área operacional, a Força Aérea Brasileira vive um momento de transformação, que envolve o desenvolvimento e a aquisição de aeronaves e equipamentos bélicos, além dos processos de modernização. Nesse contexto, enquanto se consolida como referência em missões internacionais, a FAB se prepara para receber novas aeronaves de caça e de transporte que colocarão o País em posição de destaque no cenário regional.
Quem avalia é o Comandante-Geral de Operações Aéreas, Tenente-Brigadeiro do Ar Gerson Nogueira Machado de Oliveira. Piloto de caça com 4.500 horas de voo, acumula experiências de ter estado à frente de unidades estratégicas para a FAB, como o Comando de Defesa Aeroespacial Brasileiro (COMDABRA) e o Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA). E afirma: “queremos dominar e incorporar tecnologias críticas que, normalmente, são negadas por aqueles que as detêm”.
Como o senhor avalia a atual operacionalidade da FAB?
Não basta somente ter a aeronave disponível na linha de voo. Muito antes disso, devemos ter pilotos e pessoal de apoio capacitados e treinados; e armamentos adequados, em quantidade e qualidade. Fazendo parte desse complexo sistema, mas não menos importantes, estão os auxílios à navegação e aeródromos de desdobramento, que determinam, também, o sucesso de uma operação.
As aeronaves e os processos de emprego são parte de um grande sistema que, em conjunto e sinergia, determinam a capacidade de se operar com eficiência ou não. Tudo isso influencia decisivamente na operacionalidade da Força Aérea.
Após a Segunda Guerra Mundial, vislumbramos que o Brasil poderia ser inserido no rol de nações que deveriam e teriam capacidade de se desenvolver. E foi isso que a FAB buscou fazer. A criação do então Centro Técnico Aeroespacial (CTA), atual Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), e do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), ambos em São José dos Campos (SP), possibilitou a capacitação de pessoas que fizeram e fazem a diferença no campo da tecnologia.
Um dos momentos de maior ganho tecnológico e operacional para o País foi o desenvolvimento do projeto AMX. Muito do que somos hoje, em termos tecnológicos, industriais, de gerência de projetos, logística e, logicamente, operacionais, devemos à incorporação do AMX na nossa frota. A assimilação de desenvolvimento de tecnologias próprias e independentes possibilitou, posteriormente, a criação das aeronaves Embraer 145 e Super Tucano.
A aquisição das aeronaves Mirage III e F-5 significou grandes saltos operacionais e doutrinários. Entramos, assim, no rol de países com capacidade de dissuasão contra qualquer nação que pudesse violar a soberania do Brasil.
Mas o ciclo de vida desses projetos estava se aproximando do seu final. Então iniciamos a concepção do projeto F-X que, na essência, iria substituir e incorporar todo o conhecimento adquirido até então. Para mantermos a capacidade operacional durante o processo, que culminou na escolha do sueco Gripen NG, foram adquiridas as aeronaves Mirage 2000 – que, embora tenham permanecido pouco tempo no acervo, causaram uma verdadeira revolução operacional, com a introdução de modernas táticas de emprego de armamento, dentre elas o combate BVR (siga em inglês para Beyond Visual Range, ou seja, além do alcance visual).
Sabíamos que seria um processo longo de escolhas e decisões, mas sabíamos também exatamente o que queríamos: dominar e incorporar tecnologias críticas que, normalmente, são negadas por aqueles que as detêm.
O Gripen será um daqueles sistemas que, novamente, colocará a FAB na vanguarda das modernas forças aéreas do mundo. Para avaliar a operacionalidade da Força, também não posso deixar de citar a grande evolução da Aviação de Transporte, com a modernização dos C-130 Hércules; a aquisição das aeronaves C-105 Amazonas; além da modernização dos aviões de transporte leve C-95 Bandeirante; e aquisição dos C-98 Caravan, complementados, ainda, com as aeronaves C-99 e C-97 Brasília.
Também destaco as evoluções das aviações de asas rotativas, que atualmente utilizam as mais modernas aeronaves do nosso acervo, os H-60 Black Hawk e H-36 Caracal; da Aviação de Busca e Salvamento, com os eficientes SC-105 Amazonas; da Patrulha, com a capacidade e complexidade da aeronave P-3AM Orion; e da Aviação de Reconhecimento com suas valiosas aeronaves E-99, R-99 e R-35.
Contudo, a grande e decisiva transformação pelas quais temos passado nos últimos tempos em termos operacionais foi a experiência adquirida na área de comando e controle. A inserção da FAB nas operações internacionais, como a CRUZEX (foto abaixo), Salitre, CEIBO, Red Flag, Mapple Flag (foto à direita), Blue Flag, Joint Warrior e outras, resultaram em capacitações importantes no contexto do emprego do poder aéreo.
Podemos dizer, sem medo de errar, que a vanguarda e o pioneirismo assumidos pela FAB em operações internacionais, liderando forças de coalizão, foram o fio condutor para a integração doutrinária das forças aéreas sul-americanas. Isso se traduziu em alta credibilidade perante as mais evoluídas forças aéreas no contexto mundial.
Há previsão de novos exercícios como a CRUZEX?
A Operação CRUZEX VIII seria realizada no ano de 2016. Porém, com o envolvimento de preparação e execução da FAB nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos durante dois meses, e com grande esforço aéreo a ser alocado, a CRUZEX será realizada somente em 2017. Estão sendo organizadas dezenas de operações e exercícios que serão executados pelas nossas unidades, com o propósito de manter a capacidade de emprego da FAB em nível elevado.
Há um crescente esforço no preparo e emprego de forças terrestres, como as forças especiais e a artilharia antiaérea. Como a FAB enxerga a integração entre o trabalho desenvolvido pelas aeronaves e as possibilidades vindas do solo?
Esse é um ponto primordial para potencializar as ações de Força Aérea. Esses atores são partes essenciais do sistema e devem trabalhar extremamente coordenados por um comando único, que realiza o planejamento centralizado e a execução das missões de forma descentralizada.
A chave do sucesso é o entendimento pleno do volume de responsabilidade de cada componente, já que ambas as armas, aérea e antiaérea, utilizam o mesmo espaço aéreo e, às vezes, no mesmo momento.
Com o objetivo de formar, adestrar e interagir, nós estamos inserindo os Grupos de Defesa Antiaérea da FAB nos exercícios e nas operações aéreas, em que cada um pode treinar e praticar suas tarefas dentro de um contexto tático próximo do real. As lições aprendidas ali têm comprovado a importância do conhecimento mútuo entre as tripulações e operadores; as particularidades das tarefas e a consciência de que ações sem coordenação podem levar ao insucesso de uma operação ou, pior, a perda de forças amigas que operem numa mesma área.
Há planos para ampliação ou revitalização das forças especiais e da artilharia antiaérea?
A Força Aérea ampliou sua capacidade de emprego da artilharia antiaérea por meio da criação dos três Grupos de Defesa Antiaérea, localizados em Canoas (RS), Manaus (AM) e Anápolis (GO), equipados com mísseis Igla-S, que dominam a arena de baixo alcance. Acredito que, num futuro próximo, a FAB poderá contar com a aquisição de equipamentos de defesa antiaérea de médio alcance. Esse passo foi iniciado há dois anos, com a negociação para aquisição e transferência de tecnologia das baterias antiaéreas de médio alcance Pantsir-S1, de origem russa, que integrarão o Sistema de Defesa Aeroespacial Brasileiro.
Quanto às Forças Especiais, temos dado uma atenção especial às ações sob responsabilidade do Esquadrão Aeroterrestre de Salvamento, o PARA-SAR, que é a unidade da FAB especializada nesse segmento. Nossos militares têm sido capacitados no Brasil e no exterior, além de contarem com uma nova sede, em Campo Grande (MS), que permite treinamento e adestramento da variada gama de missões que lhe são afetas.
O emprego dessa tropa nas operações conjuntas do Ministério da Defesa e nos grandes eventos tem mostrado a proficiência que foi adquirida nesse tipo de ação. Com certeza, as ações de responsabilidade do Comando da Aeronáutica (COMAER) durante os Jogos Olímpicos 2016 contarão com a participação efetiva do PARA-SAR, o que vai diminuir as vulnerabilidades dos pontos e áreas a serem defendidos.
Já em termos de aeronaves, além do Gripen NG, que outras aeronaves necessitamos ter no futuro próximo?
Embora a aeronave Hércules continue cumprindo sua missão, assumindo, inclusive, parte das missões que eram alocadas ao KC-137, sua desativação deve acontecer num futuro próximo. Dentro dessa programação, foi idealizado o projeto da aeronave KC-390, que suportará a FAB, nas missões de reabastecimento em voo e transporte aero-logístico, equipada com sistemas modernos de autodefesa, que, inclusive, já despertou interesse de compra por várias Forças Aéreas pelo mundo.
Outro projeto de grande importância para a FAB é o KC-X2, que vai permitir a retomada da realização de transporte aeroestratégico – capacidade reduzida em virtude da desativação do KC-137. Lembro-me do esforço que foi desenvolvido com a utilização do KC-137 na verdadeira ponte aérea montada entre o Rio de Janeiro e o Líbano, na evacuação de brasileiros que viviam naquele país durante a guerra contra Israel.
Hoje, missões desse tipo somente poderão ser realizadas com aeronaves do porte do KC-X2. Além disso, o requisito para que seja uma aeronave de transporte e de reabastecimento em voo aumentará consideravelmente as possibilidades de emprego na aviação de caça, principalmente pelo Gripen.
Até quando veremos em operação o helicóptero H-1H, o cargueiro C-130 e os caças F-5 e A-1?
A operação dessas aeronaves segue um rígido controle do ciclo de vida desde a implantação de cada projeto, sendo que a sua desativação também é parte desse ciclo. A aeronave H-1H está chegando próxima a sua fase de desativação que ocorrerá no final de 2016. Os C-130 aguardarão a implantação dos KC-390 e serão desativados na medida em que as novas aeronaves forem incorporadas. Já os F-5 e A-1 serão paulatinamente desativados quando entrar em operação o Gripen.
A FAB modernizou uma grande variedade de aeronaves da sua frota. Há previsão de mais aeronaves a serem modernizadas?
Praticamente todas as aeronaves que estão há mais tempo na frota foram ou serão modernizadas em maior ou menor grau de complexidade.
A última aeronave F-5 modernizada será entregue em fevereiro de 2016, encerrando o ciclo da modernização. As aeronaves A-1 estão em fase de modernização, o que permitirá o aumento de suas capacidades, com a inclusão de sistemas de autodefesa, radar de bordo e a integração de armamentos inteligentes e sensores mais modernos.
Os H-50 Esquilo terão melhorias de equipamentos aviônicos e incorporação de itens que facilitem a instrução de pilotos. Já nas aeronaves T-27 Tucano serão incorporados alguns equipamentos que possibilitem uma melhor consciência situacional dos instrutores. Os C-95 Bandeirante estão no final de modernização e já foi recebida a primeira aeronave P-95 modernizada, incrementando a capacidade de patrulha marítima da FAB. As aeronaves E-99 também se encontram em fase de modernização, o que permitirá um grande ganho nas capacidades de controle e alarme em voo, além do aumento da consciência situacional.
Após a modernização dos E-99, como ficarão os R-99?
O R-99 possui sensores sensíveis e complexos, e o planejamento da sua vida útil também vislumbra a modernização nos próximos anos. No cenário atual, para complementar a missão realizada pelos R-99, são utilizadas as aeronaves R-35 e as Aeronaves Remotamente Pilotadas (ARP).
Qual a visão do senhor sobre o emprego das ARP? Elas poderão incorporar todas as missões da aviação de reconhecimento? Poderão cumprir outras missões, como ataque?
As ARP são aeronaves de levantamento de inteligência, que disponibilizam dados em camadas de interesse para as necessidades da FAB e de outros órgãos. Nas operações conjuntas do Ministério da Defesa e nos grandes eventos sediados no Brasil nos últimos anos, as ARP permitiram o acompanhamento em tempo real da área de operações.
O equipamento incorporado até o momento na FAB, o Hermes 450 e 900, não é passível de utilização para fins bélicos, pois a concepção de emprego é somente para missões de reconhecimento aéreo.
As ARP adquiridas pela FAB não substituem integralmente as aeronaves tripuladas, mas são complementares umas das outras, dependendo do cenário onde serão empregadas. Cabe ao planejador a escolha daquela que ofereça melhores resultados, com menor risco, com economia de meios.
Quais as perspectivas do Comando-Geral de Operações Aéreas para atuação durante os Jogos Olímpicos de 2016?
A FAB desempenha suas ações em quase todos os eixos designados para o Ministério da Defesa em coordenação com a vertente de segurança pública.
Nossas unidades adquiriram bastante experiência na atuação em grandes eventos, desde a participação na RIO+20, em 2012. A operação nesses eventos mostrou-se complexa e exigiu planejamentos bastante detalhados, pois entrou um componente novo, que é a operação militar compartilhada com as atividades civis, principalmente a aviação comercial.
Vislumbro, também, a consolidação das operações interagências, pois, nesse tipo de operação não existe mais a possibilidade de a FAB operar de forma isolada, o que tem contribuído para o pleno entendimento das nossas possibilidades e capacidades de emprego do poder aéreo.