Partindo de Manaus (AM), são quase três horas de voo em um C-98 Caravan, sob uma paisagem em que o verde só é interrompido pelos afluentes curvilíneos da bacia amazônica.
O destino é Tiriós, um povoado no extremo norte do Pará, na divisa com o Suriname, que desafia até o Google Maps no quesito localização. Isso porque o município mais próximo fica a, pelo menos, 300km de distância e nem está no Brasil, e o único meio de acesso é o aéreo.
Incrustado no meio da selva, compartilhando espaço com uma aldeia indígena, está o DTCEA Tiriós, um dos 26 Destacamentos de Controle do Espaço Aéreo (DTCEA) que estão distribuídos pela região norte, parte da centro-oeste e nordeste. Eles são responsáveis por manter equipamentos imprescindíveis à navegação e defesa aérea e controle meteorológico na região (veja o mapa abaixo). São unidades como essa de Tiriós, com desafios logísticos e operacionais iguais ou até mais complexos, que alimentam com informações o Quarto Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo (CINDACTA IV).
O Centro, localizado na capital amazonense, é responsável, há dez anos, por controlar uma fatia de mais de 60% do espaço aéreo brasileiro. Os voos que atravessam a região amazônica são acompanhados pelos radares e controladores de tráfego dali. Também é a partir dessas mesmas estruturas que são identificadas e monitoradas as aeronaves que estão demonstrando algum tipo de padrão irregular, como transponder desligado ou ausência de plano de voo – o que pode implicar em um acionamento das aeronaves de defesa aérea.
A complexidade da estrutura se justifica pela importância estratégica da região: além de ser rota de voos comerciais regulares para as américas central e do norte, e suportar um grande fluxo de aeronaves menores, como táxis aéreos, a região amazônica apresenta uma considerável faixa fronteiriça que a torna vulnerável ao tráfico ilícito, principalmente de entorpecentes. Para o Comandante do CINDACTA IV, Coronel Carlos Henrique Afonso Silva, a importância da unidade também está ligada ao desenvolvimento e à integração da região. “Nossa estrutura permite que saúde, apoio às comunidades indígenas, medicamentos e exercício do poder de voto cheguem a esses locais”, afirma.
As estatísticas também reiteram a demanda crescente na região: nos últimos dez anos, o número de tráfegos anuais controlados pelo CINDACTA IV mais que dobrou, passando de 350 mil voos em 2005, para 760 mil em 2015.
“Nossos relatórios indicam o crescimento no fluxo de aeronaves e a diminuição no número de acidentes relacionados aos serviços prestados por nós. Cada vez mais, conseguimos prover um volume de informações maior aos nossos usuários, o que impacta positivamente na segurança de voo”, diz o Coronel Afonso.
Segundo o Comandante, o grande desafio de se operar na região amazônica é o logístico. As distâncias são expressivas, os acessos são complexos e algumas localidades apresentam problemas específicos: Tiriós, por exemplo, assim como em Surucucu (RR) – onde também há um DTCEA – não dispõe de energia elétrica comercial.
A linha de transmissão mais próxima, aliás, passa a 600 km do local. O cenário criou a necessidade de desenvolver soluções inéditas: até dezembro do ano passado, todo funcionamento dessas unidades dependia de óleo diesel, uma média de 22 mil litros mensais, transportados a bordo de cargueiros como o C-130 Hércules e o C-105 Amazonas. A partir de então, um projeto de instalação de painéis solares diminuiu os custos de operação pela metade.
A localização dos equipamentos que compõem um DTCEA – radares, estações meteorológicas e antenas VHF, que servem para comunicação entre pilotos e controladores – é fruto de estudos que indicaram aquela coordenada como ideal para a cobertura de área necessária. Além do nosso próprio território, são monitorados, também, os territórios de países da fronteira. “Os equipamentos precisaram ser colocados onde os cálculos indicaram que deveriam estar, independentemente se havia estrutura ou apenas floresta a ser desbravada”, explica o Chefe da Subdivisão de Engenharia Especializada do CINDACTA IV, engenheiro Boris Brandão.
Outro aspecto importante é a redundância: a colocação dos equipamentos não só atende ao requisito de evitar áreas sem cobertura de radar, como também à necessidade de que a mesma localidade seja coberta por dois radares. Apesar da duplicação, mesmo os DTCEA alocados em regiões mais inóspitas têm pessoal qualificado, operadores e técnicos, que, além da manutenção diária, são responsáveis pela contrarresposta em tempo real para o caso de panes. É mais eficiente, mais rápido, mais barato e mais seguro manter militares nessas localidades – apesar de todas as atividades de apoio implicadas nisso – do que deslocá-los quando necessário.
Mais que dez anos – Embora o CINDACTA IV tenha completado uma década de criação em novembro de 2015, a história do controle de tráfego na região é mais antiga, inclusive, que a criação do Ministério da Aeronáutica. Em 1938, a Panair – companhia aérea que dominou o setor no país entre as décadas de 1940 e 1960 – já tinha um escritório à beira do rio Guamá, em Belém (PA), e controlava os hidroaviões que circulavam por ali.
Mais tarde, foram criados os Serviços Regionais de Proteção ao Voo de Belém e, em seguida, de Manaus. Entre as décadas de 1950 e meados dos anos 2000, implantaram-se os DTCEA; paralelamente a isso, as ações de defesa área funcionavam por meio de missões específicas que aconteciam, de forma intercalada, em diversos pontos da região.
A criação do CINDACTA IV significou, portanto, a integração e complexificação do sistema, segundo avalia o primeiro Comandante da unidade, Coronel da reserva Renato Luiz Scariot. Segundo ele, a aprovação da Lei do Tiro de Detenção, em 2004, que estabelece uma série de procedimentos a serem tomados pela Aeronáutica em caso de invasão do espaço aéreo brasileiro ou voos em situação irregular, catalisou o processo de ativação da unidade. “Precisávamos de uma estrutura organizada e integrada para atender à nova legislação”, explica o coronel.
Integração – O sistema de controle do espaço aéreo brasileiro é único no mundo: só ele utiliza a mesma estrutura para atividades de controle de tráfego aéreo e, também, de defesa aérea. “O que muda é a forma como essas informações são interpretadas”, explica o Tenente Onassis Ferreira dos Santos. Caso os controladores que trabalham no Centro de Controle de Área tenham dúvidas em relação aos dados de determinado voo, o questionamento é passado, imediatamente, para os profissionais do Centro de Operações Militares, que têm ferramentas para identificar a aeronave ou para acionar caças que vão realizar os procedimentos previstos em lei.
A integração provê, além da otimização de meios, uma resposta mais rápida a situações que possam colocar em risco a defesa do nosso País.
Energia limpa + economia – Com o intuito de economizar recursos e diminuir a dependência do óleo diesel, foram implantados, nos DTCEA Tiriós (PA) e Surucucu (RR), painéis solares.
Em funcionamento desde a segunda metade de 2015, o projeto já significou economia de 45% nos custos de geração de energia para a manutenção das unidades.
O investimento, na casa dos 2 milhões de euros, entre a compra dos equipamentos e a logística de instalação, deve ser recuperado em três anos. Para a desvinculação da necessidade de combustível, porém, ainda é preciso desenvolver uma solução que supra energia à noite, pois os custos do armazenamento energético são muito altos.
Opções como energia eólica e biomassa foram estudadas, porém, não se adaptam às condições geográficas e climáticas do local.
Tecnologia a serviço da defesa – Esse é um dos radares tridimensionais da FAB, que compõe o Destacamento de Controle do Espaço Aéreo de Cruzeiro do Sul (DTCEA-CZ), no extremo oeste do País – fronteira com o Peru. Diferentemente dos radares comuns, que ficam atrelados à necessidade de o transponder da aeronave estar ligado para identificá-las, esse equipamento é capaz de reconhecer aviões em que ele está inativo. Desligar o transponder é uma prática comum para pilotos que estão envolvidos em atividades ilícitas.