Dr. Vinicius Mariano de Carvalho
Quando, em dezembro de 2020, a Marinha do Brasil concluiu a sua participação na Força–Tarefa Marítima da UNIFIL (Força Interina das Nações Unidas no Líbano), no Líbano, era como se tivesse se encerrado um ciclo de participações brasileiras em Operações de Paz (OP) sob a égide das Nações Unidas. Este ciclo teve início em 2004, com a criação da MINUSTAH (Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti), na qual o Brasil foi, por mais de 13 anos, o país que mais contribuiu com tropas e também manteve por todo este período a liderança militar da missão.
Nestes quase 20 anos desde a criação da MINUSTAH até a retirada da Fragata brasileira da UNIFIL, as Forças Armadas Brasileiras, e o Exército Brasileiro em particular, desenvolveram grande experiência em diversos aspectos de uma OP. Dois Centros de Preparação (o Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil – CCOPAB e o Centro de Operações de Paz de Caráter Naval – COpPazNav) foram criados e pode-se dizer que o Brasil se inscreveu no campo das OP como referência tática, operacional e doutrinária.
Ao fim desse período, muitos analistas apontaram para o risco de que o Brasil tivesse sua influência e importância reduzidas no ambiente das OP em virtude da menor participação com tropas. Meu posicionamento então era de que o País deveria promover um reajuste da quantidade para a qualidade; que deveria compensar a redução do número de tropas com um engajamento qualitativo, colaborando globalmente com formação, experimentando o desenvolvimento doutrinário das experiências anteriores e articulando um maior envolvimento acadêmico e um desenvolvimento conceitual, bem como favorecer a participação em missões com grupos menores, em caráter formativo.
Tudo isso ao lado das missões individuais. Deveria, também, concentrar-se em proposições consistentes em áreas como proteção de civis, mulheres em OP e maior participação de civis nas missões.
E, o mais importante, manter-se com a capacidade de emprego para futuros desdobramentos de tropas. Para esse último fim, obviamente que o preparo ‘em casa’ é fundamental, mantendo unidades treinadas e atualizadas sobre os desenvolvimentos doutrinários no ambiente de operações de paz, sendo exercícios, simulações e cenários instrumentos fundamentais.
Neste contexto, a participação do Brasil no Exercício VIKING – promovido pelas Forças Armadas da Suécia – é de fundamental importância.
Estive na VIKING 2018 como Site Advisor Assistant para o Brasil, acompanhando todo o exercício, observando a dinâmica do treinamento para o gerenciamento de crise e a manutenção da paz em terra, mar e ar, atentando para a função crucial de proteção de civis.
Neste tipo de jogo de guerra de múltiplas dimensões, as complexidades contemporâneas de uma OP se tornam muito evidentes. Para além de aspectos táticos e operacionais, um exercício como este tem o potencial de apontar os desafios desse tipo de operação em lidar com domínios como o cyber, o das comunicações estratégicas e o das operações psicológicas, envolvendo não apenas atores militares, mas também civis, através de ONGs, agências de cooperação ou governos. Enfim, trata-se de um exercício que é também potencialmente político-estratégico.
Em minha perspectiva, participar de um exercício como o VIKING neste ano de 2022 trará muitos desafios e novas dinâmicas. Será um exercício que terá de incorporar a realidade da pandemia e explorar o quanto eventos como esse impactam na preparação e no emprego de forças em OP, especialmente no que tange à compreensão do que significa proteção de civis e proteção da tropa neste contexto.
Será também um exercício que acontece em um momento de extrema tensão global com a invasão da Ucrânia pela Rússia. Ainda que o exercício tenha sido todo preparado anos antes desse evento (desde 2019), os seus impactos não deverão ser ignorados. Deve-se especialmente olhar para o futuro, para um pós-conflito, e perguntar-se qual seriam os desafios para uma OP em um contexto semelhante a este em que estamos experimentando neste momento mesmo em que escrevo este texto.
Um outro aspecto que é, em minha perspectiva, fundamental diz respeito à maneira como CONSIDERAMOS a participação em um exercício como este VIKING – ou todo e qualquer jogo de guerra, ou outros tipos de ‘stress tests’ ou atividades de simulação e cenário. Exercícios como este não têm como objetivo confirmar que o que fazemos é bom.
Ao contrário, estes exercícios servem para nos preparar para o fracasso, mais que para o sucesso. Estes exercícios não são para validação de práticas, mas para imaginarmos futuros que testarão nossas capacidades de respostas e ajudarão a construir capacidades.
Em outras palavras, não é um jogo para se ‘ganhar’; ao contrário. Quanto mais as nossas respostas aos cenários forem testadas (e em muitas vezes fracassarem), mais poderemos nos preparar para operações de paz complexas, multidimensionais e contextualizadas em um ambiente geopolítico instável.
Qualquer que seja e onde quer que seja a próxima missão de paz para a qual o Brasil envie grandes contingentes, ou mesmo grupos pequenos e especializados, devemos estar conscientes e preparados para uma realidade tática, operacional e político-estratégica muito diversa do que foram os anos MINUSTAH.
Neste sentido, exercícios como o VIKING são de fundamental importância para que continuemos aptos para as operações de paz do presente e do futuro, e não do passado.
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Sobre o autor:
Dr. Vinicius Mariano de Carvalho Vice-Decano Internacional da Faculdade de Ciências Sociais e Políticas Públicas, Diretor do Brazil Institute e Professor no Departamento de Estudos de Guerra do King’s College London.