Entrevista com o Comandante do Exército – Gen Ex Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva
Revista Da Cultura nº 42 – Junho de 2024
Base – Diretriz do Cmt EB 2023-2026
Natural da cidade de São Paulo, incorporou-se às fileiras do Exército, no ano de 1975, ingressando na Escola Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEx), em Campinas (SP). Na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), foi declarado Aspirante a Oficial da Arma de Infantaria, em 12 de dezembro de 1981. Além do curso de formação na AMAN, cursou a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO) e a Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME) e, ainda, os Cursos Básico Paraquedista, Mestre de Salto, Salto Livre Básico e Avançado e Comunicação Social.
No meio civil, frequentou o Curso de Especialização em Gerenciamento de Projetos pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e foi nomeado Professor Honoris Causa da Academia de Guerra do Exército do Equador, tendo recebido o Distintivo de Comando e Estado-Maior daquelepais. Foi palestrante em diversos estabelecimentos de ensino civis e militares, com destaque para o Instituto Rio Branco, do Ministério das Relações Exteriores, e para o Colégio Interamericano de Defesa. Ao longo da carreira, serviu em diversas organizações operacionais do Exército, foi instrutor do Curso de Infantaria da AMAN, Subcomandante da Companhia de Precursores Paraquedista, Ajudante de Ordens do Presidente da República, Assessor Militar do Brasil no Exército do Equador e Subcomandante do Batalhão de Infantaria de Forca de Paz do 7º CONTBRAS (Haiti).
Assumiu o Comando de Exército Brasileiro em 21 de janeiro de 2023, após ter exercido comandos e chefias em unidades como o Batalhão da Guarda Presidencial (BGP), o Corpo de Cadetes da AMAN, a EsPCEx, a 2ª Subchefia do Comando de Operacões Terrestres (COTER), a 11ª Brigada de Infantaria Leve (Bda Inf L), a AMAN, o Gabinete do Comandante do Exército, a 5ª Divisão de Exército (DE), o Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx) e Comando Militar do Sudeste (CMSE).
Dentre as principais missões operacionais desempenhadas, destaca-se o comando da Força de Pacificação da Operação Arcanjo VI, no Complexo da Penha e do Alemão, no Rio de Janeiro. Foi agraciado com diversas condecorações nacionais e estrangeiras, como a Ordem do Mêrito Militar (grã-cruz); a Ordem do Mêrito da Defesa (grã-cruz); a Ordem do Mérito Naval (grande-oficial); a Ordem do Mérito Aeronáutico (grande-oficial); a Ordem do Mérito Judiciário (grã-cruz); a Ordem do Mérito do Ministério Público Militar (grande-oficial); a Medalha das Nações Unidas (MINUSTAH); a Medalha de Corpo de Tropa (bronze); e Medalha Marechal Trompowsky com passador de ouro. Por fim, seguem as perguntas pelas quais os caríssimos leitores tomarão conhecimento do empenho que o nosso entrevista do vem realizando para conduzir o nosso Exército.
De que maneira o Exército Brasileiro tem atuado para aprimorar a Estratégia de Presença da Instituição, algo que o Sr destaca no caderno de Diretriz do Comandante do Exército?
A Estratégia da Presença está contemplada pela Concepção Estratégica do Exército, norteia o planejamento estratégico da Força e se caracteriza pela presença militar em todo o território nacional e suas extensões. A Estratégia é efetivada não só pela criteriosa articulação das organizações militares em todos os estados da Federação, como também, pela possibilidade de rápido deslocamento para qualquer região do País, proporcionada pela capacidade de mobilidade estratégica da Força Terrestre, em especial das Forças de Emprego Estratégico. Essas Forças estão aptas a atuar em qualquer parte do território nacional e em outras áreas de interesse estratégico do Estado brasileiro, com alto grau de flexibilidade, sustentabilidade e mobilidade, bem como a capacidade de organizar ou receber módulos e de executar grandes deslocamentos estratégicos.
Chegada de viaturas via fluvial a Manaus como reforço da defesa da fronteira Norte Foto CMA
Como exemplos da implementação da Estratégia da Presença, pode ser mencionada a presença de 669 organizações militares, não somente nos grandes centros urbanos do país, como também no litoral e no interior, com destaque para as unidades que guardam os 16.886 km de fronteira terrestre do Brasil, desde Jaguarão, no Rio Grande do Sul, até Clevelândia do Norte, no Amapá, com forte presença na Amazônia.
Além dos Batalhões e Regimentos situados junto à fronteira, o Exército possui 2 Companhias Especiais de Fronteira (CEF), 32 Pelotões Especiais de Fronteira (PEF) e 3 Destacamentos de Fronteira em localidades isoladas, como o PEF de Forte de Coimbra-MS, no Comando Militar do Oeste, o PEF de Pacaraima-RR, no Comando Militar da Amazônia, e a CEF de Clevelândia do Norte-AP, no Comando Militar do Norte.
Muitas dessas unidades de fronteira materializam, por si só, a presença do Estado brasileiro, e além de suas missões peculiares, por vezes, são o único apoio às populações na Amazônia e na fronteira oeste.
A Estratégia da Presença permite que a Força esteja articulada em todo o território nacional, em especial nas áreas mais isoladas e de difícil acesso, e possibilita o cumprimento das missões constitucionais e legais do Exército em todos os rincões do País, desenvolvendo a mentalidade de Defesa e fortalecendo a integração com a sociedade.
Como o Exército Brasileiro trabalha a racionalização e, ao mesmo tempo busca o aumento da capacidade operativa da Força Terrestre?
A estratégia do Exército Brasileiro (EB) para trabalhar a racionalização e, ao mesmo tempo, buscar o aumento da capacidade operativa da Força Terrestre se fundamenta em várias iniciativas estratégicas chave.
As Diretrizes Estratégicas de Transformação (DET) indicam aos diversos macrossistemas da Instituição a necessidade de adoção de medidas para tornar o EB apto para enfrentar as demandas vislumbradas no cenário operacional futuro, bem como viabilizam o planejamento à luz do Conceito Operacional do Exército Brasileiro (COEB).
O Sistema de Planejamento do Exército (SIPLEX) deverá estar alinhado ao Processo de Transformação do EB. Para isso, é essencial manter atualizado o SIPLEx, pois ele é a ferramenta que nos permite planejar, coordenar e controlar a execução das nossas ações estratégicas, projetos e atividades, e por meio do Plano Estratégico do Exército (PEEx) assegurar que estejamos sempre alinhados com nossos objetivos de longo prazo e com a previsão de recursos orçamentários disponíveis. Este alinhamento nos possibilita tomar decisões baseadas em informações precisas e atualizadas, garantindo que os recursos sejam empregados de maneira eficaz e eficiente.
Manobras no Comando Militar do OESTE
A racionalização é uma parte integral do nosso processo de tomada de decisão. Através dela, buscamos otimizar nossos recursos, tanto humanos quanto materiais, identificando áreas onde podemos melhorar nossa eficiência sem comprometer nossa eficácia. Isso inclui a modernização e a manutenção de equipamentos, a reestruturação de unidades para maximizar suas capacidades operacionais e a implementação de tecnologias avançadas que aumentam nossa prontidão e capacidade de resposta.
O aumento das capacidades operacionais é constantemente perseguido através do reequipamento das forças, modernização da infraestrutura e fortalecimento da nossa capacidade de dissuasão. Investimos em sistemas de armas avançados, veículos de combate, tecnologias de comunicação e informação, e na capacitação do nosso pessoal, garantindo que o Exército Brasileiro permaneça capaz de enfrentar os desafios contemporâneos à segurança nacional.
O alinhamento com o planejamento estratégico de longo prazo e a respectiva previsão de recursos orçamentários são essenciais para assegurar a prontidão logística, operacional e tecnológica da Força Terrestre. Este alinhamento estratégico nos permite antecipar necessidades futuras, planejar a aquisição de novas capacidades e gerir de forma proativa os desafios que possam surgir, garantindo que o Exército Brasileiro continue a cumprir com excelência sua missão de defender a nação.
Ação na Terra Indígena Ianomany
Quais são as áreas de interesse prioritário da Instituição?
A Política Nacional de Defesa (PND) e a Estratégia Nacional de Defesa (END) definem que “do ponto de vista da Defesa, além das regiões onde se concentram os poderes político e econômico, deve-se dar prioridade à faixa de fronteira, à Amazônia e ao Atlântico Sul.”
Por isso na Diretriz do Comandante do Exército 2023-2026 foram estabelecidas estas três áreas de interesse prioritário para o Exército: a faixa de fronteira terrestre, a Amazônia e o litoral brasileiro. A responsabilidade pela garantia da defesa da pátria, da lei e da ordem e dos poderes constitucionais é compartilhada com a Marinha do Brasil e com a Força Aérea Brasileira, de forma coordenada no âmbito do Ministério da Defesa.
O Exército, pelas suas características de emprego e pela sua capilaridade, hoje e historicamente, tem levado a presença do Estado Brasileiro a todo o nosso território, em prol de nossa população e em defesa dos interesses nacionais.
Caso consideremos áreas temáticas, além da defesa de nossa soberania, razão de ser de nossa instituição, cooperamos permanentemente com a construção da infraestrutura nacional, no desenvolvimento tecnológico do país e somos catalisadores do desenvolvimento fabril da maneira como, por meio do nosso portfólio estratégico, estimulamos a produção de equipamentos militares no nosso país.
Como o Exército tem se preparado para a Defesa da Amazônia Brasileira?
A Amazônia é nosso grande desafio geopolítico, uma vez que representa grande parte do nosso território, encontra-se pouco integrada à economia nacional e apresenta baixos índices de desenvolvimento humano, razões estas que representam um desafio para a integração e a coesão nacionais e, portanto, para a própria concepção da Segurança e Defesa nacionais.
A Defesa da Amazônia Brasileira é garantida pela manutenção e aprimoramento das ações de preparo e emprego das tropas vocacionadas para a defesa da região e para sua integração ao restante do País. Nesse sentido, as capacidades operacionais necessárias para atuar nesse ambiente operacional, vêm sendo constantemente incrementadas, por intermédio de estratégias, ações e iniciativas contempladas pelo Plano Estratégico do Exército e pelos Programas do Portfólio Estratégico do Exército.
O Programa Estratégico Amazônia Protegida é um exemplo de programa estratégico voltado à ampliação da capacidade militar terrestre na Amazônia brasileira, fundamental à defesa e à segurança nacional. O programa impulsiona a estruturação e a presença do Exército ao longo da fronteira daquela região, como condição necessária para a conquista de objetivos de estabilização, preservação e promoção do desenvolvimento integrado na área.
O Programa Obtenção da Capacidade Operacional Plena (OCOP), voltado à recuperação e/ou obtenção de novas capacidades da Força Terrestre, também obtém sistemas e material de emprego militar que agregam poder de combate às organizações militares dos Comandos Militares da Amazônia (CMA) e do Comando Militar do Norte (CMN).
O Programa Aviação, por outro lado, tem ampliado a mobilidade estratégica na região, destacando-se as ações complementares à implantação do Destacamento de Aviação do Exército no CMN (Belém/PA). O Programa Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (SISFRON), cujo propósito é fortalecer a presença e a ação do Estado na faixa de fronteira terrestre, potencializando a atuação dos entes governamentais com responsabilidade sobre essas áreas, possui meios de sensoriamento desdobrados ao longo dos 16.886 quilômetros da linha de fronteira, monitorando uma faixa de 150 quilômetros de largura. Esses e outros programas do Portfólio Estratégico do Exército atuam, sinergicamente, aprimorando e ampliando as capacidades militares terrestres com vistas à defesa e à manutenção da soberania brasileira na Amazônia.
Além disso, o Plano Estratégico do Exército, alinhado à Concepção Estratégica do Exército, possui estratégias, ações e iniciativas voltadas, no contexto da Região Amazônica, ao objetivo estratégico de aprimorar a capacidade de dissuasão, como, por exemplo, a Ação Estratégica “Rearticular e reestruturar a Força Terrestre na área estratégica da Amazônia”. Podemos citar a recente transformação do 12º Esquadrão de Cavalaria Mecanizado em 18º Regimento de Cavalaria Mecanizado, na cidade de Boa Vista-RR. Neste contexto, o Estado-Maior do Exército iniciou estudos para o aumento do efetivo e do poder de combate na Amazônia, ainda dentro do ciclo estratégico de 2024 a 2027.
De que maneira a Instituição tem atualizado sua doutrina?
A elaboração, o desenvolvimento e a atualização da Doutrina Militar Terrestre (DMT) no EB seguem um processo dinâmico e sistemático, fundamentado na constante avaliação do ambiente operacional e na incorporação de inovações tecnológicas.
Peça central desse processo, o Sistema de Doutrina Militar Terrestre (SIDOMT) garante a agilidade necessária para adaptar a DMT diante das mudanças rápidas e constantes no cenário de defesa e segurança, já que a doutrina orienta desde a forma como as forças combaterão até as estratégias para organização e equipamento da tropa, adaptando-se para incorporar novas técnicas e materiais adquiridos para garantir a eficácia e a relevância operacional.
Nesse contexto, há um planejamento de atualização permanente, definindo ciclos para avaliação dos manuais em vigor, comparando-os com o que há de mais moderno no campo de batalha atual e, para assegurar a atualização e relevância da DMT, o EB se apoia em diversas Fontes do Conhecimento Doutrinário.
Tais fontes incluem pesquisa doutrinária, trabalhos de natureza profissional elaborados por militares, conhecimentos decorrentes de missões no exterior, além de outras atividades especiais como seminários, simpósios, intercâmbios e visitas.
Essas fontes permitem a incorporação contínua de experiências, melhores práticas e lições aprendidas que enriquecem a doutrina em vigor com novas perspectivas e conhecimentos adquiridos, tanto no âmbito nacional, quanto internacional.
Para tanto, o Exército conta com um Centro de Doutrina, que é uma das chefias do Comando de Operações Terrestres, de maneira a permitir que a doutrina produzida norteie o preparo da tropa e seja referência para o emprego desta e, a partir daí, seja reavaliada constantemente.
Além disso, o Centro de Doutrina se utiliza dos militares que estão distribuídos nos corpos docentes dos diversos estabelecimentos de ensino do Exército, bem como de oficiais de ligação que permitem que o Brasil esteja doutrinariamente nos mesmos níveis dos exércitos mais desenvolvidos do mundo.
Com isso, vale ressaltar que o Exército Brasileiro possui uma doutrina militar terrestre própria, viva e capaz de evoluir, adaptando-se às dinâmicas do ambiente operacional moderno e às exigências da defesa nacional.
Como o Exército tem aprimorado sua capacidade de pronta resposta? Como a Instituição se prepara o futuro?
Por intermédio do Sistema de Prontidão Operacional (SISPRON), o Exército tem buscado aumentar e aprimorar a capacidade de pronta resposta da Força Terrestre (F Ter). As Forças componentes do SISPRON dividem-se em Forças de Prontidão Operacional (FORPRON), Força Expedicionária (F Expd) e Forças do Sistema de Prontidão de Capacidades de Manutenção da Paz das Nações Unidas (UNPCRS, sigla em inglês).
Preparar-se para o futuro, para os conflitos futuros, é, talvez, a principal preocupação de uma força armada. Nos dedicamos em estarmos preparados, em permanente evolução. Para tal, em 2023, o Exército aprovou o seu Conceito Operacional – Operações de Convergência 2040, o qual descreve como a F Ter combaterá, em contextos conjuntos, combinados e interagências, nos cenários traçadas para 2040. Esse esforço conceitual tem nos permitido antever as capacidades que deveremos possuir para continuarmos sendo uma força que produza dissuasão.
Trabalhamos para implementar, manter alinhados e sempre atualizados nossos programas estratégicos, ferramentas fundamentais para a obtenção dessas capacidades, como já mencionado na resposta à 2ª pergunta. Nos dedicamos a estudar e a atualizar nossa doutrina de emprego e temos, por fim, nos esforçado em formar o melhor militar, dedicado, capaz, responsável e profundamente comprometido com a nossa Pátria.