Revista Pesquisa Fapesp
Via Notimp – Agência Força Aérea / FAB
Terceira maior fabricante de aviões comerciais do mundo e líder no segmento de aeronaves com até 150 assentos, a Embraer deve entregar em abril deste ano o primeiro modelo de sua nova geração de jatos E-Jets E2.
Batizado de E190-E2, o avião vai integrar a frota da norueguesa Widerøe, principal companhia aérea regional da Escandinávia. Com capacidade para 114 passageiros, o jato apresentou uma performance acima da esperada durante a campanha de certificação, etapa que precede o início de sua operação comercial.
Os testes em voo mostraram que o novo avião tem maior alcance de voo, emite menos poluentes, é mais econômico e silencioso do que originalmente especificado pela Embraer.
O bom desempenho obtido pelo E190-E2 é resultado do trabalho de pesquisa e desenvolvimento (P&D) realizado nos laboratórios da Embraer, da experiência de seus engenheiros em projetar e desenvolver novas aeronaves e de parcerias realizadas com pesquisadores de universidades.
“Nos últimos 17 anos nenhuma indústria aeronáutica desenvolveu tantos aviões como nós”, conta Rodrigo Silva e Souza, vice-presidente de Marketing da Embraer Aviação Comercial. “Nesse período, criamos a primeira geração de E-Jets para aviação comercial, vários modelos dos jatos executivos, como os Phenom e os Legacy, o cargueiro KC-390 para a área de defesa e, finalmente, os E2.”
De acordo com a Embraer, o E190-E2 chegará ao mercado repleto de inovações – na fuselagem, desenho das asas, trem de pouso, motores, interiores, aviônicos etc. –, o que faz dele o mais eficiente jato de corredor único do mercado, categoria que inclui os tradicionais Boeing 737 e Airbus A320, além dos modelos da família C Series da Bombardier, rival da brasileira no mercado de aviação regional.
“Nosso novo jato foi projetado para ter uma performance em consumo de combustível 16% menor do que a geração atual de E-Jets, mas superou essa meta e atingiu 17,3%”, informa Souza. Segundo ele, com esse índice, o avião é cerca de 10% mais econômico do que seus concorrentes diretos, os jatos canadenses C Series.
A redução do gasto de combustível dá duas vantagens importantes para o E190-E2 no concorrido mercado aeronáutico: ele emite menos poluentes e tem um alcance superior, ou seja, consegue voar distâncias maiores.
A Embraer calcula que, com a melhora de 1,3% no consumo, cada jato evitará a emissão de cerca de 1.700 toneladas de dióxido de carbono (CO2) ao longo de 10 anos. Com relação ao alcance, o modelo poderá atingir destinos a 5,3 mil quilômetros (km), ante 4,5 mil km dos integrantes da atual geração de E-Jets. “Essa distância adicional dará às companhias aéreas uma capacidade de alcançar aeroportos mais distantes, elevando sua capilaridade”, destaca o executivo da Embraer.
A maior parte da redução projetada de consumo de 16% ocorreu em função dos novos motores Pratt & Whitney, mais eficientes do que os da primeira geração de E-Jets. Eles responderam por 69% da melhora inicialmente projetada, seguidos do novo desenho da asa (22%) e do sistema fly-by-wire (9%). “Um aspecto fundamental para a redução de consumo acima do previsto, os 1,3% a mais, foi a melhoria do fly-by-wire”, afirma Silva.
Com essa tecnologia, o controle de peças móveis nas asas e na cauda do avião (flaps, ailerons, spoilers, slat e profundor) é feito por meio de comandos eletrônicos computadorizados. Responsáveis, juntamente com as asas, pela sustentação do avião, essas peças aerodinâmicas são acionadas pelo piloto para mudar a direção, o sentido e o nível do voo.
A melhora do fly-by-wire do novo jato permitiu a redução de 20% da área de empenagem (parte terminal da fuselagem, localizada na região traseira, conhecida como a cauda do avião), minimizando arrasto e peso. O fly-by-wire dos E-Jets E2 é a quarta geração projetada pela Embraer. Essa tecnologia, que elevou de forma significativa o nível de automação dos aviões, substituiu o sistema tradicional de comando formado por cabos de aço e atuadores hidráulicos.
Parceria com a FAPESP
A Embraer também conseguiu reduzir a emissão de ruído do E190-E2 acima do planejado. Projetar e desenvolver aviões mais silenciosos que operem em aeroportos sem incomodar os moradores de seu entorno é um dos desafios da indústria aeronáutica. “Em muitos aeroportos da Europa e do Japão, a taxa de pouso paga pela companhia aérea é multiplicada pelo fator ruído. Assim, um avião mais silencioso pode ter um custo operacional menor”, explica Silva.
Para medir e tabular os níveis de ruído das aeronaves, a Organização da Aviação Civil Internacional (Icao) estabeleceu uma métrica chamada EPNdB, sigla em inglês para “ruído efetivamente percebido em decibéis”. Esse índice varia em função do porte do avião e considera o barulho produzido por ele durante a decolagem, o voo em cruzeiro e a aproximação para pouso.
O jato da Embraer atingiu nos testes 20 EPNdB de margem acumulada em relação aos limites da Icao, 3 EPNdB a mais do que o projetado. Quanto maior a margem acumulada – ou seja, a diferença entre o índice alcançado pelo avião e o estabelecido pela Icao –, mais silencioso é o jato.
A fim de reduzir o ruído emitido por seus aviões, a Embraer desenvolveu um amplo trabalho de pesquisa. Com recursos do Programa de Apoio à Pesquisa em Parceria de Inovação Tecnológica (Pite) da FAPESP, o projeto “Aeronave silenciosa: Uma investigação em aeronáutica” identificou e avaliou o ruído gerado e propagado pela primeira geração de E-Jets da empresa. O foco do estudo foi o chamado ruído aerodinâmico, causado pelo fluxo de ar que passa ao redor da asa e pela fuselagem do avião.
“Os conhecimentos gerados ao longo do trabalho ajudaram a Embraer a aprimorar o projeto aerodinâmico de seus jatos E2”, afirma o engenheiro Julio Romano Meneghini, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), que coordenou o projeto Pite, executado entre 2008 e 2011. “A pesquisa resultou em várias ferramentas de simulação numérica e gerou uma patente internacional relativa a um selo [pequena tira de material flexível] na ponta do flap. Esta foi uma das soluções que encontramos para reduzir o ruído gerado por um vórtice [escoamento giratório de ar] durante o pouso e a decolagem.”
Para o engenheiro André Gasparotti, gerente do programa de desenvolvimento tecnológico da Embraer, a reduzida emissão de ruído do E190-E2 se deve, em boa medida, ao trabalho de P&D da Embraer nos últimos 10 anos, inclusive aquele apoiado pela FAPESP. “A parceria com a Fundação permitiu aumentar o conhecimento sobre ruído e conforto dos passageiros”, diz.
Outro projeto Pite cujos resultados foram aplicados no E190-E2 investigou o bem-estar dos passageiros durante o voo e definiu critérios de conforto a serem usados como parâmetros de projeto e design dos novos jatos da companhia. “No projeto de pesquisa ‘Conforto de cabine: Desenvolvimento e análise integrada de critérios de conforto’, estudamos a influência de diferentes parâmetros ambientais sobre o passageiro, como ruído, iluminação, temperatura, pressão e vibração”, relata o engenheiro Jurandir Itizo Yanagihara, também da Poli e pesquisador responsável pelo projeto Pite. De acordo com Yanagihara, uma característica importante dos E-Jets E2 é o desenho da cabine, que recebeu contribuições de ferramentas desenvolvidas no projeto.
Carteira de pedidos
A nova série de jatos E2 da Embraer, cujo desenvolvimento teve início em 2013, é formada por outros dois modelos, o E195-E2 e o E175-E2. A Embraer recebeu até março deste ano 280 pedidos das três aeronaves, além de cerca de 420 intenções de compra. Computados os quatro modelos da primeira geração de E-Jets (E170, E175, E190 e E195), a carteira salta para 1.800 pedidos firmes, dos quais 1.400 já foram entregues.
A companhia brasileira Azul será a primeira a receber o E195-E2, maior aeronave comercial projetada e construída no país. Com 41,5 metros (m) de comprimento e 35,1 m de envergadura (distância entre as pontas das asas), ela tem capacidade para até 146 passageiros. A entrega da primeira unidade está prevista para 2019. O “caçula” E175-E2, para 90 ocupantes, deve estrear em 2021.
Projetos
1. Aeronave silenciosa: Uma investigação em aeroacústica (nº 06/52568-7); Modalidade Parceria para Inovação Tecnológica (Pite); Pesquisador responsável Julio Romano Meneghini (USP); Investimento R$ 3.741.069,33.
2. Conforto de cabine: Desenvolvimento e análise integrada de critérios de conforto (nº 06/52570-1); Modalidade Parceria para Inovação Tecnológica (Pite); Pesquisador responsável Jurandir Itizo Yanagihara (USP); Investimento R$ 3.205.550,76.
Artigos científicos
ILÁRIO, C. et al. Prediction of jet mixing noise with lighthill’s acoustic analogy and geometrical acoustics. The Journal of the Acoustical Society of America. v. 141, p. 1203-13. fev. 2017.
MENEGHINI, J. et al. Wake instability issues: From circular cylinders to stalled airfoils. Journal of Fluids and Structures. v. 27, p. 694-701. jul.-ago. 2011.