Eugene Robinson
The Washington Post
via Folha São Paulo
Os ataques de drones, por sua natureza, estão destinados a matar civis inocentes. É muito fácil ignorar esse fato terrível e a duvidosa moralidade da operação inteira, até que as infelizes vítimas por acaso sejam ocidentais.
Apenas neste momento o “dano colateral” se torna uma grande notícia e ocasião para a consternação pública. O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, admitiu na quinta-feira que um ataque realizado em janeiro no Paquistão contra uma suspeita instalação da Al-Qaeda matou dois homens mantidos como reféns pelo grupo terrorista: Warren Weinstein, americano, e Giovanni Lo Porto, italiano.
“Lamento profundamente o que ocorreu. Em nome do governo dos Estados Unidos, apresento nossas mais profundas desculpas às famílias”, disse o presidente. Obama assumiu “total responsabilidade” pelas mortes de Weinstein e Lo Porto. Ao revelar a tragédia, o presidente demonstrou seu desalento.
Não tenho dúvida de que o pesar do presidente era sincero. Não duvido também de que todas as tentativas foram feitas para evitar as mortes de inocentes e de que recentemente o presidente ordenou menos ataques com aviões não tripulados do que em anos anteriores. Mas a história já nos deixou claro que medidas adotadas com a máxima boa fé não bastam para garantir que decisões moralmente judiciosas sejam tomadas.
Moral. Trata-se, simplesmente, de guerra por assassinatos. Os ataques de drones têm um caráter pavorosamente asséptico: num minuto, os indivíduos visados estão envolvidos nas suas operações, perversas ou não. Talvez estejam ouvindo o som de uma aeronave sobre suas cabeças.
O operador do drone, sentado num console que pode estar a milhares de quilômetros de distância, pressiona um botão e “bum”. Se tudo corre como planejado, há somente terroristas, nenhum civil, no prédio ou veículo que se tem em mira. Mas a guerra nunca se desenrola como planejado, nem mesmo a realizada por meio de controle remoto.
A definição do alvo tem por base informações de inteligência que nunca são perfeitas. As estruturas vizinhas que não têm nada a ver com terrorismo serão danificadas ou destruídas? O filho pequeno do indivíduo visado ficou em casa, vindo da escola, nesse dia por causa de uma febre? O primo da mulher chegou ali inesperadamente?
Obviamente nem Obama, nem qualquer outra pessoa na cadeia de comando sabiam que Weinstein e Lo Porto estavam naquele que era o lugar errado na hora errada. Mas eu defendo que danos colaterais humanos devem ser considerados como regra, não exceção. De acordo com organizações de direitos humanos, centenas de civis foram mortos em ataques de drones até agora.
Weinstein, de 73 anos, prestava serviços como contratado para a Agência para o Desenvolvimento Internacional dos Estados Unidos quando foi sequestrado em Lahore, no Paquistão, em agosto de 2011. Lo Porto, de 39 anos, trabalhava para agências humanitárias e foi capturado pelos terroristas em 2012.
Foi revelado, ainda, que o mesmo ataque também causou a morte de um cidadão americano, Ahmed Farouq, que aparentemente seria um militante da Al-Qaeda. Num bombardeio separado na mesma região, um outro americano, Adam Gadahn, descrito como figura relevante na estrutura da Al-Qaeda, também foi morto.
Farouq e Dadahn voluntariamente se colocaram numa situação de risco ao levantarem as armas contra o seu país. Mas, embora matar um cidadão americano sem o devido processo possa ser justificado, é uma medida que jamais deve ser tomada levianamente.
Como também não podemos decidir realizar ataques de drones dentro do território soberana de uma nação coma qual não estamos em guerra, embora seja uma relação complicada.
Dilemas. Osama bin Laden viveu no confortável exílio não muito distante da capital do Paquistão–e regiões remotas próximas da fronteira como Afeganistão, onde a Al-Qaeda e o Taleban têm refúgio, estão totalmente fora do alcance do controle do governo.
Obama reivindica o direito de ordenar ataques de drones contra alvos terroristas em qualquer parte onde entender que a ação é necessária – Iêmen, Somália, Líbia e talvez outros países. E naturalmente afirmou que as operações militares dos Estados Unidos continuam a ocorrer no Afeganistão, no Iraque e na Síria.
Muitos países operam drones, na maior parte com objetivos de vigilância e para outros fins não letais. A tecnologia para armar essas aeronaves sem pilotos está dentro das possibilidades de qualquer país industrializado. O que vamos pensar quando China ou Rússia começarem a defender seus interesses nacionais com drones lançando mísseis? E quanto ao aspecto moral? Direcionar um ataque com drone contra um terrorista quando se sabe que existe uma boa chance de matar também sua família pode ser eficaz. Mas não significa que seja correto.