Há doze anos, o oficial da Força Aérea americana Mark McCurley tirou o traje de piloto para se apresentar como voluntario de uma divisão nova e malvista, a Predator, a principal equipe de veículos aéreos não tripulados (os vants) dos Estados Unidos – o termo “drone” é, para ele, apenas a designação das versões comerciais desses aparelhos.
Em seu livro Hunter Killer (Caçador de Assassino), lançado em outubro nos EUA e, agora, McCurley, hoje tenente-coronel reformado da Predator, narra como o programa passou a ser valorizado e se tornou uma eficiente arma contra o terrorismo. Na entrevista a seguir, ele também analisa quais seriam as melhores estratégias pêra enfrentar o Estado Islâmico (EI), grupo Poe trás dos ataques a Paris no ultimo dia 13.
Os vants foram responsáveis pela maior parte das mortes de líderes terroristas nos últimos anos. Uma dessas aeronaves matou o notório Jihadi John. Elas significam o fim do terrorismo?
Nossos inimigos apelidaram os vants de Diabos Brancos. Só é possível saber que eles estão voando lá em cima na hora em que se vê o míssil chegando ao alvo. Alimentamos um medo crescente nos terroristas, principalmente quando começamos a eliminar seus líderes. Foi o tiro de um vant comandado por mim que matou Anwar al Awlaki, em 2011, líder da Al Qaeda e então o terrorista mais procurado do mundo. Hoje, nossos inimigos, como os do EI, felizmente têm de tomar o maior cuidado ao planejar suas ações. Afinal, eles não sabem quando estão sendo observados do céu. Passamos meses rastreando o dia a dia de um alvo, coletando informações. Se fica claro que o alvo decidiu executar um ataque a civis ou aos nossos militares, atiramos.
Mesmo assim, ocorrem tragédias como a de Paris. Não é hora do mudar a estratégia?
Sozinhos, os vants são tem a solução. Eles ajudam a isolar o inimigo, geogra?camente, ao máximo. Entretanto, é indiscutível que o EI, por exemplo, não para de espalhar tentáculos peIo planeta. Isso prova que o plano de combate está errado. Neste momento, ataques aéreos de grande magnitude, como os executados pelo Estados Unidos e pela Europa, servem quase que somente para aparecer na mídia, mostrar que alguma ação é realizada. Estão longe do suficiente.
O presidente americano Barack Obama, porém, anunciou na semana passada que não cogita enviar, neste momento, mais tropas terrestres para conter o EI na síria. Não seria esse o melhor plano para exterminar a ameaça?
Colocar nosso exercito lá se provaria uma solução temporária. Sim, conseguiríamos conter o inimigo. Mais que isso, temos de mostrar a ele que haverá consequências. A falta de uma resposta dura de Obama pode ser interpretada pelos terroristas como sinal de que não haverá retaliação, o que os incentiva a planejar outros ataques em massa como o de Paris. Infelizmente, prevejo um futuro tenebroso para a Europa se não tomarmos, agora, uma atitude real contra o EI. Por outro lado, o Terror continuaria a se espalhar de outras formas. Essa é uma das características do terrorismo.
O que fazer para contê-los?
No momento, a atitude urgente que falta é monitorar adequadamente as fronteiras de nações ocidentais. Nos EUA, temos cuidado. Não é simples atravessar o limite entre a América Latina e nosso país, o que facilita também a contenção do Terror. Mesmo assim, o FBI calcula que haja 600 membros do EI escondidos aqui. Na Europa, é bem pior. Lá, as fronteiras são abertas. Eu, americano, atravesso países como Alemanha e França sem ser parado nem sequer uma vez.
Terroristas se aproveitam da fragilidade para invadir países europeus. Algumas vezes, trajados como refugiados. A longo prazo, é a diplomacia, não nosso poderio militar, que pode acabar de vez com o extremismo mulçumano. É necessário convencer nações árabes, centros da doutrina islâmica, principalmente a Arábia Saudita, a se posicionar com empenho contra os terroristas. Elas precisam entrar de fato nessa batalha, dando fim não só a um ou outro grupo, mas às bases ideológicas usadas por esses bárbaros radicais.
Foi por patriotismo que o senhor decidiu ser militar?
De forma alguma. Diferentemente do que leva a crer o senso comum, a maioria dos militares americanos não é de patriotas, no sentido literal da palavra. Somos muito críticos ao governo. Decidi dedicar minha vida a Força Aérea para colaborar no combate ao Terror. Mais que ameaçarem um ou outro país, terroristas agridem a democracia. Não aceitam que tenhamos liberdade, seja no Ocidente ou no Oriente. Entrei na briga em defesa de minha liberdade, de minha família e de meus iguais.
Em seu livro o senhor ressalta que a Força Aérea e o Exercito viam o programa de vant com desprezo quando se apresentou como voluntário para ele, em 2003. Como mudou a percepção negativa?
Os pilotos se enxergavam como os bacanas do filme Top Gun, batalhando nos ares contra outros caças. Esse tipo de confronto só foi decisivo para o domínio estratégico dos ares na I Guerra Mundial. De lá pra cá, o combate ar-ar entre dois caças foi aos poucos se tornando raro. A idéia de ser piloto de um vant operando a milhares de quilômetros da batalha, era arrasadora para quem sonhava em ser um ás da aviação de guerra. Por essa razão muitos rejeitaram o Predator.
Por que optou por trocar os caças pelos drones?
Em 2003 a Força Aérea não tinha idéia de como usaria os vants. Entretanto, para mim era evidente que estava ali o futuro da guerra. Mas para provar nosso valor era essencial fazer algo espetacular.
Fizeram esse “algo espetacular”?
Em 2005, um dos nossos pilotos cujo o apelido é Droopy, entrou na briga para salvar um batalhão emboscado por terrorista no Iraque. Droopy era piloto de F-16 antes de ingressar na Predator. Ele não queria ficar oito horas por dia olhando para uma tela só assistindo ao combate. Naquele tempo, ativavam-se os vants quase que exclusivamente para espionar e determinar a localização de inimigos.
Droopy viu que uma patrulha nossa havia caído em uma armadilha e estava completamente cercada. Ele disparou os dois mísseis Hellfire do vant que operava e acabou com a emboscada. Essa ação mostrou nosso potencial para poupar a vida de nossos soldados e caçar terrorista. Foi assim que entramos para valer no campo de batalha.
Como os drones transformaram os combates?
Os veículos aéreos não tripulados são a maior revolução no campo de batalha desde a introdução das primeiras aeronaves militares, nos anos 1910, verdadeiramente atuantes a partir da I Guerra Mundial. Ao lado da artilharia os caças tornaram-se a principal escolha de armas quando se precisa atingir alvos a longa distância.
Um século depois, os vants apareceram como a alternativa mais certeira, difícil de ser detectada, e que pode eliminar alvos com menor possibilidade de danos colaterais, aumentamos a eficácia das missões e diminuímos as perdas.
O senhor vê futuro no uso pacifico desses aparelhos?
Fazer a guerra é só uma das funções dos vants, há organizações utilizando-os para fins humanitários. Drones foram aplicados para localizar pessoas em meio às inundações provocadas pelo furacão Katrina, em 2005, em Nova Orleans. Na indústria são diversos usos. A Amazon e outros já testam drones para a entrega de encomendas.
O drone recreativo que caiu por imperícia do piloto nos jardins da Casa Branca, em janeiro, em Washington, poderia facilmente ter sido adaptado para transportar uma bomba. Os terroristas podem uma dia usar drones?
O que devemos fazer é regular e controlar o uso desses aparelhos tendo sempre a segurança em mente. Esse é o maior desafio contemporâneo da FAA (orgão responsável pela aviação americana). Primeiro, é preciso diferenciar os drones de um vant, como o Predator das operações da Força Aérea, que tem o tamanho de um monomotor Cessna Skylane.
Essa distinção, embora seja evidente, ainda não existe na letra da lei. Segundo, o governo tem de regular o uso dos drones, algo que não será feito por associações independente, muito menos pelas empresas que os vendem. Eles representam perigo. É claro que podem ser usados para executar ataques terroristas. Temos de organizar o comércio dessas novas tecnologias. Não proibi-las.
Alguns críticos dos vants dizem que eles tornam matar o inimigo uma ação fria e distante e, assim, podem “desumanizar” o combatente. O senhor concorda?
Essa visão é completamente incorreta. Primeiro, a distancia não torna mais fácil matar. Acredito que a grande maioria dos seres humanos, como eu, tenha repulsa à idéia de tirar a vida de alguém. Infelizmente, no Exército há essa necessidade. Agora, apenas porque não corremos risco fizico ao pilotar um vant, supõem que se torna menos emocional a obrigação de assassinar. Digo o contrário. Em uma caça, nem sabemos que é o alvo. Um soldado em campo também cria menor laço emocional com a vítima.
Afinal, chega para o combate, faz o que tem de fazer e vai embora. Em ambos os casos, os combatentes são treinados para executar seu trabalho com profissionalismo, sem muito lugar na mente para sensações de culpa ou de pena. Quando voltam para casa, passam por um período de descompressão em que as questões psicológicas, como os choques estressantes são devidamente tratadas.
Os pilotos da Predator, por seu turno são obrigados a se envolver com o alvo de uma maneira muito mais próxima. Para começar, eles o seguem durante meses pelas lentes do vant. Passam a saber tudo sobre o sujeito que eventualmente vão matar. Sabem a que horas ele acorda, como se relaciona com a família, que lugares frequenta. É uma relação próxima demais. Eu já me vi na situação de ter de eliminar um alvo no momento em que ele falava com a mulher pelo celular.
Depois disso, não tive tempo para refletir, fui para casa. Minutos depois de executar o terrorista, eu estava brincando com meus filhos. Tive de digerir aquela morte no caminho entre a base e a minha casa.
Já existe uma tecnologia digital que decide no lugar dos pilotos se o vant deve matar, analisando o dano colateral aceitável conforme o valor estratégico do alvo?
Sim, esta em estudo. Só que utilizar algoritmos para resolver esse tipo de questão seria um erro enorme. Se começássemos a implementar isso, aí, sim, desumanizaríamos nosso trabalho, com consequências terríveis. Deixaríamos de ser humanos em conflito para virarmos exterminadores frios, como os do filme com essa palavra no titulo.
Hoje, antes de apertar o gatilho é preciso ter aprovação de superiores militares e das autoridades de segurança. Em algumas situações é necessário obter a aprovação até do presidente dos Estados Unidos. O envolvimento de mais pessoas na tomada de decisões diminui a possibilidade de erros. Nenhuma máquina pode ter o poder de vida e morte sobre os seres humanos.
O senhor conta no livro que em 2004, no Afeganistão, teve no alvo o terrorista Osama bin Laden (morto por tropas especiais em 2011, no Paquistão), mas a autorização para atirar não veio. O que houve?
Tenho convicção de que se tratava mesmo de Bin Laden. Estava com os trajes típicos. A altura, o comportamento e a escolta o denunciavam. Meus superiores políticos não se convenceram e abortaram a missão. Senti-me frustrado ao ver Bin Laden indo embora. Penso que foi mais uma decisão política do tipo que atrapalha o andamento da guerra.